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Crítica | 45 Dias Sem Você: um "eterno retorno" muito particular

Por| 20 de Maio de 2019 às 10h11

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O2 Filmes
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Para um artista, é imprescindível o fazer arte. Funciona quase como respirar. É uma necessidade que, se não sanada, acaba se refletindo no dia a dia. Essa urgência é pessoal e intransferível, podendo fazer sofrer, estagnar, embrutecer, desnortear... ou tudo junto.

Diante dessa premissa, 45 Dias Sem Você surge com essa aparência de necessidade, uma forma de expurgar as próprias dores em meio a uma atualidade que tem se revelado cada vez mais brutal. E isso não quer dizer que antes já não era assim, mas que, diante das circunstâncias (e das redes sociais), tem sido possível a descoberta de um universo odioso – que antes era varrido para debaixo dos tapetes da realidade.

Conteúdo versus forma

Assim, o roteirista e diretor Rafael Gomes condensa algo muito pessoal em um projeto cheio de conteúdo, construído à base da simplicidade e com personagens que transitam entre o concreto e o abstrato. Há, nessas questões, tantos aspectos positivos quanto negativos: Enquanto o fato de o filme ser visivelmente simples permite que o espectador embarque com naturalidade no mundo de Rafael (o protagonista, vivido por Rafael de Bona), pode existir um desconforto justamente devido ao uso de uma simplicidade quase exagerada em relação à linguagem cinematográfica. Ao mesmo tempo em que o roteiro faz do simples algo interessante, a direção afunda gradativamente na escolha de planos, na forma.

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É justamente a forma que em raros momentos pega o filme pelas mãos. Isso porque, enquanto existem cenas que parecem ter os planos escolhidos somente por algum tipo de beleza e não por motivos de guiar a história e o público, existem outras inspiradas. Seja quando Rafael e Klas (Klas Lagerlund) estão sentados e é possível vê-los de costas – tão centralizados e em uma tranquilidade tão sincera que o conjunto da cena remete a qualquer coisa de Wes Anderson –, seja nos passeios com Julia (Julia Corrêa) por Londres e com Fábio Lucindo (Fábio) por Coimbra – que podem transportar para um filme independente e perdido de Woody Allen.

Incompatibilidade intrínseca

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E é por falar em Allen que se faz necessário comentar aquele que talvez seja o ponto mais delicado de 45 Dias Sem Você: os diálogos. Há uma interessante busca por uma intelectualidade, pela normalização desta, especialmente nas conversas entre Rafael e Julia, mas a naturalidade necessária se perde. Alguns momentos sobre equinócio e Nietzsche, apesar de poderem fazer parte de uma conversa, parecem não se encaixar sem afetação. É como se Allen e Lars von Trier (especialmente o Trier que escreveu os dois volumes de Ninfomaníaca) tentassem escrever algumas páginas em parceria: haveria uma incompatibilidade intrínseca.

A verdade é que falta profundidade para se embarcar na história de Rafael. Se, em algum momento, é possível lembrar do recente e excepcional Me Chame pelo Seu Nome, tudo se esvai com a percepção de que o maior problema (ao menos o explícito) do personagem principal é um “fora”, um clássico “pé-na-bunda”, e que, para se “curar”, o moço sai viajando entre Londres, Paris (em um estranho momento Irmão do Jorel), Coimbra, Lisboa e Buenos Aires sem aparentemente ter outras preocupações.

Fica difícil, por esse lado, racionalizar o filme sem se perguntar sobre as motivações deste. Permanece incerto se é uma maneira de demonstrar a homossexualidade e como ela é natural – e deveria ser respeitada e aceita como tal –; se é uma discussão sobre a vida e o estoico “eterno retorno”; se é sobre amizades e a importância destas na evolução de cada um... Porque, se é sobre tudo isso e mais, a sensação é de que acaba se tornando sobre nada. E esse recorte de vida de Rafael, que parece findar em um “eterno retorno” muito particular, pode até se encaixar de algum jeito na conceituação de Nietzsche, mas fica sem abrangência empática.