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Trabalhar com games: quais as chances de sucesso nesse mercado?

Por| 28 de Outubro de 2019 às 13h37

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Blog Samira Projetos
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Responda se já ouviu isso antes: “trabalhar no mercado de jogos é o sonho de muita gente”. Responda também se já ouviu outra coisa: “Nossa, você trabalha com jogos? Dá para ganhar dinheiro com isso, é?”.

No Brasil ou fora dele (mas em bem maior grau aqui), os profissionais da indústria de jogos seguem mais ou menos a mesma percepção estereotipada por quem é de fora do setor: jovem, entre seus 20 ou próximo dos 30 anos, personalidade juvenil, atuando em uma indústria que o tradicionalismo corporativo ainda enxerga como “hobby” ou algo transicional, um trabalho para se ter enquanto o profissional ainda não arrumou aquele emprego “de verdade”.

Ao longo das últimas semanas, aproveitando até mesmo a realização da Brasil Game Show (BGS) 2019 em São Paulo, o Canaltech teve a oportunidade de conversar com três especialistas para saber quais os melhores caminhos para se trabalhar com jogos no Brasil e no mundo e como o mercado deve receber os futuros profissionais da área.

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Uma das instituições de ensino mais conhecidas por sua dedicação exclusiva à indústria de jogos, a SAGA (School of Art, Game and Animation) atua desde 2002 na formação de alunos em cursos direcionados à parte visual dos jogos eletrônicos, como arte digital, animação em 3D e VFX (efeitos especiais/visuais). Segundo Raul Sales, gerente de pesquisa e desenvolvimento da instituição, a indústria de jogos vem, nos últimos anos, tornando-se mais e mais pautada em resultados: “A formação acadêmica tem uma grande relevância, porém direcionada à entrega de resultados. Mesmo assim, eu sempre digo que o conhecimento não necessariamente vem da faculdade — ela é um direcionador bem necessário —, mas todo o conhecimento do mercado de jogos pode ser obtido também da atenção despendida nele fora do meio acadêmico: lendo, produzindo conteúdo, executando projetos próprios, ouvindo pessoas da área”, comenta em entrevista ao Canaltech. “A questão da formação é que ela serve como um atalho direcionador: é um ambiente pré-desenhado, pré-formatado, que mostra os caminhos para o aluno, e isso por si já mostra o quão alinhados estamos com o mercado: a indústria busca profissionais pela competência, não pela formação”, sacramenta.

“O mercado vai se adaptando conforme o crescimento de demanda: os primeiros cursos de jogos foram criados meio que tentando entender o que vinha acontecendo com o setor em uma outra época. Havia uma mistura entre o pessoa de level design e o pessoal de enredo, história. O conteúdo acadêmico de hoje é bem mais assertivo que no passado: se antes tínhamos uma visão mais abrangente, com um mercado novo e amplo; agora temos conteúdos mais aprofundados e separados em termos de produção, criação e portfólio. A segmentação de mercado está facilitando a vida de quem quer entrar no mundo dos jogos como profissional”.

Para fundamentar seus argumentos, Sales fala sobre cursos que vêm sendo oferecidos ao longo dos anos, mas em caráter diferenciado atualmente. Cursos que, antigamente, eram disponibilizados como extensão curricular ou especialização, hoje se tornaram cursos de graduação. Ele menciona aulas de Mídias Digitais e Marketing Digital, anteriormente vistos em áreas de pós-graduação, como exemplos do argumento. “Isso é uma realidade: as faculdades maiores se manterão em seus cursos tradicionais de graduação — que duram seus quatro ou cinco anos —, mas também investirão em cursos tecnólogos, com tempos de graduação menores”.

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Uma opinião similar é trazida à mesa pela professora Evelyn Cid, que coordena a área de Ensino Médio Técnico do Colégio FECAP. Desde 2008, a instituição passou a oferecer a modalidade de ensino voltada para games e, ironicamente, também contava com um pequeno estande na BGS 2019, onde exibia toda a grade disponível: “O acompanhamento de mercado nos fez perceber o crescimento na área de games e o interesse alto do público adolescente em aprender sobre a área”, disse a docente ao Canaltech.

A saber, a indústria mundial de jogos eletrônicos vem há anos seguindo seu percurso de amplo crescimento. Segundo o site alemão de análise de mercado Statista, esse mercado mais que dobrou de tamanho de 2012 até 2019 (de US$ 52,8 bilhões para US$ 123,54 bilhões), com projeção de maior crescimento até 2021 (estimativas de US$ 138,4 bilhões). Para se ter uma ideia comparativa, ainda citando o Statista, a indústria da música deve bater “apenas” US$ 43,5 bilhões em 2020, enquanto o cinema antevê a marca de US$ 50,01 bilhões no mesmo ano. Sozinhos, os videogames fazem mais que a soma de duas mídias tradicionais do entretenimento moderno.

O interessante do Colégio FECAP é que ele foi capaz de unir dentro do guarda-chuva de games cursos que também são comumente vistos em outras áreas do entretenimento: segundo o site da instituição, dentro da categoria de “Programação de Jogos Digitais”, você encontra disciplinas como Programação de Informática, Criação e Desenvolvimento de Roteiros e até mesmo introduções ao Direito e Educação Financeira.

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“Nossos cursos possuem caráter profissionalizante, os alunos se formam e levam o seu primeiro jogo desenvolvido desde o roteiro, arte e programação do game”, argumenta a professora Evelyn. “O mercado brasileiro está em constante crescimento, mas ele é exigente, se faz necessário que o aluno tenha um bom conhecimento técnico no desenvolvimento de jogos para conseguir uma boa colocação”.

O Colégio FECAP, diz a professora, já formou 200 alunos nos cursos técnicos voltados para jogos, sendo que o ano de 2019 conta com 22 deles matriculados e presentes. Os cursos em si são, ano a ano, revistos a fim de refletir as demandas da indústria: “Nossa instituição tem um foco na qualidade do ensino técnico e isso nos faz acompanhar as demandas de mercado na área de jogos, sendo assim nos mantemos em constante atualização”, ela comenta, ressaltando ainda que, embora existam grandes oportunidades lá fora, o Brasil não está muito atrás na adoção de profissionais para o cenário local do mercado: “Para atender esse mercado mostramos para os alunos que eles precisam fazer o curso técnico em Jogos se dedicando aos conteúdos apresentados, para que se torne um profissional com diversos skills que permitam sua atuação em diversas frentes na área de jogos em estúdios, empresas etc.”.

Um exemplo de profissional brasileiro que conseguiu uma oportunidade proveitosa lá fora é Felipe Almansa Iurif — e a história dele nesse ponto é estranhamente cheia de idas e vindas. Isso porque ele se formou, originalmente, em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo (USP), ingressando em seguida ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica, especializando-se em aeronaves e atuando por cinco anos e meio na Embraer, em áreas de análise de inteligência de dados e engenharia de produção. Hoje, ele “toca o barco”, como ele mesmo disse em conversa com o Canaltech, com algo totalmente diferente: Felipe é gerente de produto e marketing da Microsoft, na divisão Xbox. Em seu currículo “gamer”, ele tem participações na divulgação e comunicação de títulos como Ori and the Will of the Wisps, Minecraft, Flight Simulator e o recente Gears of War 5.

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“Dentro da Embraer, eu tive uma transição da área de engenharia de produto para um setor mais próximo do marketing e vi que era algo pelo qual me interessei bastante. Então persegui um MBA nos Estados Unidos — ainda sem saber que era possível trabalhar na indústria de jogos: para mim, isso ainda era um sonho de criança que eu tive, mas não segui — e acabei conhecendo pessoas que trabalharam na divisão Xbox da Microsoft. Fui conhecendo mais sobre suas histórias, me interessei e acabei conseguindo uma entrevista na Microsoft em Seattle. Depois disso, ingressei em um programa de estágio de MBA em 2017, onde atuei por uns quatro meses com Minecraft. Um ano depois, trabalhei em Flight Simulator, onde meus conhecimentos de engenharia me foram bastante úteis, e hoje trabalho com a franquia Gears”.

Felipe credita seu histórico de fã dos games, inclusive, por causa de Flight Simulator: “foi esse jogo que criou em mim um interesse por aviação, onde eu eventualmente me formei e trabalhei por vários anos até eventualmente me juntar ao Xbox”, ele conta. “Eu acabei conhecendo pessoas do mundo inteiro, com experiências muito interessantes, cada um trazendo isso às nossas reuniões”.

Dentro da Microsoft, Felipe conta que sua atuação teve que passar por adaptações, haja vista que, tendo começado com Minecraft e atuando agora em Gears of War — dois jogos que estão léguas à parte, para se dizer o mínimo —, ele precisou identificar diversos perfis de consumo conforme evoluía profissionalmente: “Existem direcionamentos específicos que fazemos conforme o público-alvo de um produto, né? Por sorte, com todo o tamanho que a Microsoft tem, nós temos acesso a muitos e muitos dados de consumidores que nos permitem adaptar nossas campanhas de comunicação e marketing para algo especificamente desenhado a esse ou aquele jogador. Sempre temos que nos adaptar e isso é um desafio diário”.

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Para Felipe, a parte acadêmica e a parte profissional estão aos poucos encontrando equilíbrio e unidade, ao menos por sua perspectiva no exterior: “Olhando para o Brasil como alguém de fora, o que eu acho é que o mercado de jogos daqui tem crescido bastante; acho sim diversos desenvolvedores criando produtos aqui no Brasil, localmente, e encontrando apoio para consumidores mais amplos com programas como o Game Pass da Microsoft. Não sei se isso se aplica à parte acadêmica, já que não estudei essa parte de games aqui no Brasil, mas o crescimento do mercado como um todo é um bom indício disso”.

O executivo ainda diz que, hoje, há mais chances de um aluno ter esse desejo de trabalhar com games e enxergar na busca acadêmica uma via para isso, ao invés de rotular sua vontade como um desejo de criança que deve ser esquecido: “Desde que eu comecei a jogar videogame, eu sempre fui muito curioso por saber como essas coisas funcionam, então estudei programação, modelagem de objetos — eu sempre tive essa paixão. Eu nunca achei, na época, que seria possível eu chegar nessa indústria, mas eu estudei seus fundamentos. Então há sim espaço para isso: as pessoas devem ter um plano de longo prazo e investir no que elas almejam chegar. Se você quer atuar em marketing, como foi o meu caso, então você deve manter isso como o objetivo final, mas procurar criar o seu networking e buscar o conhecimento acadêmico necessário”.

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Resumidamente, os três especialistas concordam que o mercado de jogos — no Brasil e no mundo — está bem mais abrangente e acolhedor para aaqueles que desejam ingressar nessa indústria. A impressão que ficou é a de que o Brasil, aos poucos, caminha para ser um exportador de talentos no setor — como foi o caso de Felipe Almansa — e não apenas um ponto de partida para que profissionais bons nos deixem para “buscar a vida” lá fora. Pelo crescimento do mercado brasileiro de games, a tendência é a de que bons profissionais, mesmo aqueles que saíram, eventualmente atuem a nível local em seus projetos.

Certamente, a coisa evolui muito desde digamos, 2005. O país está no centro das atenções de grandes empresas. E você? Quer trabalhar ou já trabalha com games? Que tal contar suas impressões nos comentários abaixo?

Fonte: Statista (1) (2) (3)