A nova jornada da resiliência
Por Colaborador externo | Editado por Rui Maciel | 27 de Maio de 2021 às 10h15
Por Lívia Torquetti *
Quase todas as abordagens que encontramos sobre resiliência organizacional têm algo em comum: tratam a característica como sendo positiva e desejável. No entanto, ignorar a sua dualidade nos trouxe a um cenário alarmante de altos níveis de resiliência que podem manter um negócio em uma espiral negativa de estresse e esgotamento.
A resiliência pode ser indesejável, por exemplo, para as organizações muito flexíveis e adaptativas que caem na armadilha de buscar continuamente novas estratégias de sucesso, deixando de identificar as condições de estabilidade, tais como a necessidade de garantir consistência e o nível de entrega de produtos e serviços – buscar a previsibilidade é essencial tanto para os resultados, quanto para as pessoas (funcionários, clientes e stakeholders).
A resiliência também pode ser indesejável no caso de sistemas que necessitem ganhar maturidade nos seus processos – um desafio comum para as empresas que desejam escalar, por exemplo.
Consideremos o contexto atual:
- Os líderes modernos gerenciam mais crises e mudanças do que questões gerenciais usuais, relacionadas ao negócio.
- As grandes empresas estão falhando com mais frequência. O sucesso nunca foi tão frágil e ao mesmo tempo tão possível de ser reconstruído.
As empresas sempre tiveram que trabalhar para melhorar, é claro, mas raramente tiveram que melhorar tão rápido e de forma tão disruptiva.
Nesse contexto de convivência de ambiguidades, as questões que motivam minha inquietude são:
- Como buscar um equilíbrio e exibir uma combinação de capacidade adaptativa e “resistência” à mudança, mantendo funções e processos-chave ao mesmo tempo em que se busca adaptação às mudanças e inovação?
- Como se dá na prática a atuação dos líderes em ambientes organizacionais adversos, em que há a necessidade de promover mudanças, desenvolver habilidades para lidar com ameaças, incertezas, e ao mesmo tempo consolidar certa estabilidade e maturidade aos processos, aos objetivos e às pessoas?
Tempos Turbulentos
Muitas pessoas que trabalham em posições-chave em grandes corporações não suportam mais tantas mudanças. A falta de constância e o esgotamento começam a bater à porta. Espera-se que os líderes demonstrem ao mesmo tempo respeito pelos indivíduos, motivação para o sucesso, flexibilidade e capacidade de inovar em tempos de grande turbulência para eles próprios.
Criei então a primeira hipótese de que as organizações que operam em um ambiente muito adverso optam por recorrer às pessoas que saibam navegar em “mar revolto” e a área de Recursos Humanos e os líderes se cercam de aliados que suportem bem momentos de transição e adversidade. Porém, o que seria o principal motivador desses indivíduos, a mudança, pode não ser tão favorável a longo prazo. É preciso reconhecer que o mindset que sempre contribui para a disrupção, em alguns momentos não é tão necessário e pode trazer um looping de estresse e cansaço.
Seria então hora de pensar na segunda hipótese: modelos de negócios que tenham como foco o pensamento crítico e a inteligência intuitiva podem desenvolver um equilíbrio melhor entre a mudança e a capacidade de voltar ao estado “normal”, se tornando modelos mais favoráveis a estes tempos de constante instabilidade.
Resiliência requer atenção
Quando a pressão extrapola os recursos disponíveis, sucumbiremos ou desenvolveremos em nós a capacidade de realizar o extraordinário. Precisamos nos preparar para não sucumbir e para realizar o extraordinário, mas não conseguimos manter estes dois estados indefinidamente. A nossa capacidade de adaptação vai ser a chave para atravessarmos períodos marcados pela instabilidade. Uma mente sofisticada, apta a experimentar a inteligência intuitiva e o pensamento crítico, são parte dos novos pilares sobre os quais se sustentam a liderança no século XXI.
A resiliência é uma questão que requer atenção. É preciso apontá-la como cerne do conceito de que os indivíduos podem desenvolver a capacidade e a habilidade de superar crises, mas retornar ao “estágio anterior” de produtividade e engajamento, é sem dúvida necessário e saudável.
Voltar ao “estado normal” após o estresse de novos desafios e de situações extremas pode fazer parte do desenvolvimento de líderes nas organizações e, portanto, receber apoio dos profissionais de Recursos Humanos nos três estágios: suportar a pressão, ser capaz de transformar a realidade e se recuperar da pressão.
Você achou válido refletir um pouco sobre resiliência e pensamento crítico? Se sim, pode ser interessante escolher um grupo de pessoas para analisar o tipo de mudança que o seu negócio vem sofrendo e entender como responder e traçar um paralelo entre a mudança necessária e quando será desejável retornar ao estado “normal”, como o ciclo acima mencionado - suportar a pressão, ser capaz de transformar a realidade e se recuperar da pressão.
Afinal, ninguém consegue viver para sempre jornadas de heróis. Nem mesmo os super-heróis.
*Lívia Torquetti é Mestre em Strategic HR Management in Europe pela Universidade de Negócios Aplicados de Viena. Ocupa atualmente a posição de Content Manager na FRST Falconi.