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Como fica a situação dos entregadores por aplicativos em tempos de coronavírus?

Por| 19 de Junho de 2020 às 15h27

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Por Nathan Vieira e Fidel Forato

Mesmo que algumas regiões e cidades brasileiras comecem a retomar suas atividades, o risco apresentado pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) ainda é uma realidade. Usar o transporte coletivo, ocupar ambientes fechados e interagir com outras pessoas é, potencialmente, se expor à COVID-19. Por isso, o isolamento social é tão importante e, por esse mesmo motivo, os serviços de entrega via aplicativos, como o iFood, o Rappi e o Uber Eats nunca estiveram tão em alta, pelo menos em números de pedidos.

Afinal, os serviços de entregas são considerados uma atividade essencial, ou seja, mesmo que uma cidade aumente as restrições do isolamento social, é muito provável que esses entregadores, de moto ou de bike, continuem nas ruas, com suas bolsas térmicas penduradas nas costas, sempre de olho nos smartphones. Já que é via app que tudo acontece, desde a solicitação de um pedido por um cliente, indo para uma corrida de alguns quilômetros até a entrega final — e se der sorte, acompanhada de uma gorjeta.

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No cenário da COVID-19, são os entregadores que se arriscam, em uma demanda que é crescente por pedidos. Basta olhar para os shoppings na cidade de São Paulo, em pleno horário de almoço. Um exemplo é a Avenida Paulista e seus arredores, onde há uma variada oferta de restaurantes e as calçadas são ocupadas por entregadores de aplicativos, na maioria das vezes, jovens.

Dividindo as calçadas, esse grupo garante que muitas refeições, compras de mercado e entregas em geral cheguem às casas de inúmeras pessoas, enquanto elas, na maioria dos casos, se protegem dos riscos de contaminação. Mesmo necessários, os entregadores reclamam da remuneração, da pouca valorização e dos riscos do trabalho.

Do lado das empresas

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Frente a essas questões que têm se estabelecido em relação aos entregadores na pandemia, a equipe do Canaltech conversou com os próprios aplicativos que utilizam desses serviços, para compreender se está havendo algum cuidado em relação à saúde desses entregadores e, em caso positivo, como está sendo colocado em prática.

O iFood conta que desde o dia 13 de março investiu mais de R$ 25 milhões em ações que visam dar suporte: o primeiro é o Fundo Solidário, um suporte aos entregadores com diagnóstico ou sintomas da doença. Trata-se de um valor baseado na média dos seus repasses nos últimos 30 dias, proporcional aos 28 dias de quarentena. Já o segundo fundo seria um apoio (auxílio financeiro baseado na média dos seus repasses nos últimos 30 dias) a entregadores com mais de 65 anos, ou em condições de risco, e é válido até dezembro.

Segundo o app, é disponibilizado gratuitamente um plano de vantagens em serviços de saúde em que os entregadores passam a ter acesso a uma rede credenciada de clínicas médicas, laboratórios e farmácias e pagam apenas pelos serviços que utilizarem com descontos de até 80%.

Até o momento, a foodtech alega já ter entregado mais de 190 mil kits contendo material informativo, álcool em gel e máscaras reutilizáveis, e acrescenta que esses kits são distribuídos em vans itinerantes que estacionam em diversos pontos da cidade. A partir daí, o entregador recebe um chamado para ir até a van retirar o kit, como se fosse coletar um pedido, e o iFood paga ao entregador pelo trecho. A empresa também cita envio constante de notificações sobre o coronavírus, por meio de canais como o Portal do Entregador, pelo próprio aplicativo, SMS, WhatsApp e também conta com um guia informativo, entregue nos kits.

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O iFood também menciona a Entrega Sem Contato, em que os usuários devem selecionar uma forma de pagamento online, pelo app, e escolher a opção de local mais adequada para o entregador deixar sua refeição com segurança: no portão de casa/prédio ou na portaria do prédio/condomínio. A empresa já desativou os pagamentos offline (dinheiro e maquininha de cartão) em várias cidades. Outra medida apontada pelo app foi o aumento dos valores das gorjetas.

O Rappi, por sua vez, conta que logo no início da pandemia entregou máscaras e álcool em gel para mais de 90% da base de entregadores cadastrados, e que repõe esses itens diariamente, disponibilizando em Dark Kitchens (estabelecimentos que oferecem apenas comida para viagem) e em pontos de parceiros, como supermercados. O app também menciona um botão para que o entregador notifique caso apresente sintomas ou confirme o diagnóstico, para que deixe de prestar serviços. Para esses casos, disponibiliza um fundo financeiro para apoiar os entregadores pelo período de 15 dias.

Assim como o iFood, o app em questão também colocou em prática a entrega sem contato e o incentivo ao pagamento online, e revela reforços nas medidas de segurança das Dark Kitchens, onde desenharam faixas de distanciamento para que os entregadores parceiros aguardem em segurança os pedidos, além de promover a desinfecção e sanitização de carros, motos, bikes e bags com produtos recomendados pela ANVISA.

Questão de saúde

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Entre as medidas que os aplicativos alegam aplicar, estão as principais formas dos entregadores se prevenirem contra o novo coronavírus, principalmente o incentivo à entrega sem contato. “É importante evitar contato com a pessoa com quem se está interagindo, aquela que vai entregar ou retirar a encomenda. Sempre que possível, a pessoa deve deixar a encomenda em um local apropriado, como uma caixa, usando máscara de proteção e higienizando as mãos com álcool em gel”, esclarece Renato Grinbaum, médico infectologista e professor na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).

O maior risco de contágio está no contato com outras pessoas, que podem estar contaminadas. No entanto, também é importante estar atento aos materiais compartilhados, como a maquininha do cartão. Nesse ponto, o ideal seriam as compras já terem sido pagas pelo app ou via cartão virtual.

Quanto às máscaras de pano, Grinbaum ressalta: “Devem ser trocadas a cada duas horas, de preferência, e lavadas com água e sabão. E não é necessário nenhum procedimento especial para essa limpeza”. Além disso, o infectologista esclarece que “não é importante, no momento em que se está levando a encomenda, usar a máscara por dentro do capacete”.

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Durante a espera por pedidos, os entregadores devem buscar ambientes abertos, já que “têm grande ventilação e diminui muito o risco de transmissão, diferente dos ambientes fechados, que apresentam maior risco”, aponta o médico. Embora o foco seja a segurança dos entregadores, essas medidas sanitárias são importantes para os dois lados. Se forem contaminados e se tratarem de casos assintomáticos, os próprios entregadores podem, potencialmente, transmitir a COVID-19 para os clientes e familiares.

A voz dos entregadores

Depois de ouvir o posicionamento dos principais aplicativos de entrega e compreender as orientações médicas, procuramos a Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos (AMABR) para entender o ponto de vista dos próprios profissionais. Edgar Francisco da Silva, presidente da AMABR, conta que nessa pandemia a demanda de entregas teve um aumento significativo, mas uma quantidade ainda maior de novos entregadores acompanhou esse crescimento.

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“Os aplicativos saturaram de novos entregadores. A gente já tinha o pessoal desempregado migrando para os aplicativos, e na sequência veio o pessoal que já tinha o seu emprego e veio fazer bico nessa profissão. Com a pandemia, muitas empresas fecharam e pediram para que os funcionários ficassem em casa. Uma grande parte desses funcionários que têm moto migrou para o app, também”, relata.

Com a saturação, Edgar aponta que o ganho existiu apenas para os aplicativos, e que o entregador não passou a ganhar mais, mas sim a ganhar menos, “Alguns aplicativos, pelo que ouvi diversos relatos dos entregadores, abaixaram as taxas. Ou seja, tinha tanto entregador, tanto, que eles abaixaram”.

Em paralelo, conversamos também com um entregador autônomo cuja identidade será preservada nesta reportagem. O ponto de vista dele coincide com o de Edgar: “Aumentar os valores das entregas seria uma boa. Estamos nas ruas, dia e noite, na maioria dos dias com alta demanda, e o valores para a gente não sobem. Só nos finais de semana que tem promoção para a gente, ou quando chove. Quando não estava na pandemia, era promoção praticamente todo dia. Agora que aumentou a demanda, eles abaixam os valores e não mandam promoção”, conta.

Questionado sobre os equipamentos de proteção individual que os aplicativos alegaram fornecer, o entregador diz: “Fizeram distribuição de itens de proteção, álcool em gel, máscara, mas acho que eles poderiam fornecer luvas também e uns potes a mais de álcool em gel”.

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Por sua vez, Edgar opina o seguinte: “Os apps só fizeram um superficial para dar uma resposta para a sociedade, então alguns deram álcool em gel, alguns deram máscara, alguns deram luvas, mas só deram uma vez e não reabasteceram. Ou seja, ficou por conta do entregador e ele não ganha o suficiente para reabastecer isso, acaba às vezes trabalhando de forma insegura, correndo um grande risco e sendo um vetor de transmissão desse vírus”.

O entregador entrevistado pela nossa equipe também levantou uma falha em uma das medidas apontadas pelos aplicativos: a entrega sem contato. “Por parte dos aplicativos, a entrega sem contato funciona, mas a maioria dos prédios não libera que os entregadores deixem as entregas na portaria, no caso de refeição”, relata.

Quanto aos cuidados com os motofretistas que testam positivo para COVID-19, o presidente da AMABR afirma que um de seus colegas de profissão não teve ajuda nenhuma. “Mandei mensagem para ele outro dia e ele falou que estava internado no Hospital de Campanha Anhembi SPDM. Tinha ficado três dias em Parelheiros e foi transferido. Ele já estava lá há uma semana, e 70% do pulmão dele foi comprometido, porém ele não recebeu auxílio nenhum. Ele falou que até comunicou o aplicativo, mandou e-mail, mas não recebeu auxílio”.

E por falar em não receber uma resposta, Edgar ainda alega que a AMABR já tentou conversar com os aplicativos e não foi ouvida. “Já tentamos conversar para que melhorem a vida desses entregadores, valores, formas de tratá-los, formas de solucionar problemas, porém os aplicativos não querem conversar e os que querem conversar ficam empurrando com a barriga, não respondem nada, não trazem nada de concreto”. O presidente da associação acrescenta que isso já está acontecendo há três anos. “A pandemia só fez a gente ser visto. O problema é muito maior do que vocês imaginam. Se vocês conhecerem a categoria como um todo, vão entender o tamanho do esquecimento que estão todos esses entregadores”.

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Direitos dos entregadores

Embora existam críticas por parte dos entregadores e da associação, legalmente são restritas as formas de ação. Isso porque, até o momento, não foi estabelecido vínculo empregatício entre esses trabalhadores e os respectivos aplicativos. “Essa é uma discussão que vem sendo travada já há algum tempo, porque eles não têm uma legislação trabalhista, da CLT. Eles não são empregados”, explica Cristina Buchignani, sócia da área trabalhista e sindical do escritório Costa e Tavares Paes Advogados.

Nesse sentido, já foram julgados processos na Justiça do Trabalho, pleiteando vínculo empregatício entre as duas partes. Inclusive, os entregadores ganharam decisões judiciais que reconheciam esse vínculo, mas só em primeira instância. Em segunda instância no tribunal, esse vínculo não foi reconhecido. “Existem ainda vários processos em andamento, mas o que temos, hoje, é que não existe um vínculo empregatício trabalhista entre esses profissionais e essas empresas de aplicativo”, esclarece Buchignani.

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“Particularmente, compactuo com esse entendimento, no sentido, de que não existe, porque não estão presentes nessa relação, pelo menos de uma forma genérica, os requisitos do vínculo empregatício, especialmente a subordinação. O trabalhador não está subordinado às ordens, às determinações dessas empresas. Eles realizam um serviço, obviamente têm uma obrigação contratual de entrega, mas se ele não quiser, ele não trabalha. Ele trabalha na hora em que ele quer”, comenta a advogada sobre a situação desses entregadores.

“São profissionais autônomos, alguns têm até registro na prefeitura, recolhem contribuição previdenciária, mas existem aqueles que estão, absolutamente, na informalidade”, afirma Buchignani sobre como se dá a relação legal com os entregadores, considerados apenas prestadores de serviços. Isso porque o “contrato é de natureza civil e ele é remunerado por aquele trabalho, enquanto ele está sendo feito”, complementa.

No contexto do novo coronavírus, conforme uma portaria expedida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas, essas empresas, no estado de São Paulo, devem seguir regras para proteger todos os entregadores, inclusive os autônomos, da possibilidade de contágio da COVID-19, fornecendo kit de higienização e informação sobre a doença. Mas as obrigações, pelo menos até o momento, acabam por aí, dentro das leis vigentes.

“Na legislação, não existe algo que proteja, efetivamente, os entregadores em relação a isso [a COVID-19]. Acredito que se houver uma prova absoluta de que o contágio se deu nessa atividade, pode ser até que se obtenha uma indenização, de natureza civil, por responsabilidade pelo dano”, avisa a advogada. No entanto, é “uma prova bastante difícil, porque é uma atividade de entrega, considerada essencial”, conclui sobre os desafios desses profissionais não amparados por leis específicas aos trabalhadores.

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Fonte: Com informações de Agência Brasil