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Com piloto em Heliópolis, Uber projeta aproximação junto a comunidades carentes

Por| 07 de Novembro de 2019 às 09h05

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(Foto: Rafael Arbulu/Canaltech)
(Foto: Rafael Arbulu/Canaltech)
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“Puxa, moço. Ali eu não vou subir, é perigoso”.

A frase acima é, infelizmente, muito comum para usuários de aplicativos de carona que, por razões de moradia ou mesmo visita, se vêem na necessidade de entrar em comunidades carentes. As favelas ainda carregam o estigma de alta criminalidade e índice de assaltos e roubos, o que faz com que as empresas desse setor tenham pouca ou nenhuma penetração nessas regiões.

Porém, um projeto do Uber visa mudar isso. E, a julgar pelo que o Canaltech viu em visita guiada a convite da empresa ontem, 6, ele está bem perto de conseguir. Buscando levar seus serviços de transporte particular de uma forma mais abrangente, a companhia inaugurou uma iniciativa dentro do Jardim Heliópolis, zona sul de São Paulo, onde, antes, motoristas temiam adentrar ou mesmo passar nas proximidades.

“O que a gente tinha aqui, antes, era um tipo de ‘blecaute’”, conta Celso Athayde, presidente nacional da Central Única das Favelas (CUFA). “Não é como se veículos demorassem ou algo assim: havia partes de Heliópolis onde o aplicativo simplesmente apontava como área não atendida”.

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Para entender a razão disso, é necessária uma contextualização: no aplicativo do Uber para motoristas, a visualização do trajeto da corrida não informa o endereço completo, mas sim uma região aproximada. Segundo Athayde, quando um motorista enxerga “Heliópolis” como destino de chegada ou partida, desistia da corrida no ato. O excesso de desistências de carros próximos fazia com que o algoritmo do Uber ampliasse a região de busca por carros disponíveis, até que o sistema, automaticamente, entendia o “Helipa (como a região é conhecida),como uma área não atendida pela empresa.

Isso, claro, representava um problema não apenas para moradores da região, mas também para a empresa em si: o Jardim Heliópolis, estima Celso, tem 1,5 milhão de metros quadrados (m²) e aproximadamente 200 mil habitantes (dados oficiais da gestão 2017 da Prefeitura falam em 180 mil habitantes e 1 milhão de m²). Embora não seja um complexo tão grande quanto, digamos, Paraisópolis, também na zona sul da capital paulista, é uma área expressiva demais para o Uber se dar ao luxo de ignorar. A comunidade movimenta um dos comércios populares mais expressivos da cidade e eventos de lazer comumente exigem transporte. Um dos maiores sucesso do funk nacional — Baile de Favela, do MC João — cita diversas regiões onde o ritmo musical é predominante: o “Helipa” é a primeira.

Em outras palavras, existe um público cativo. Então como poderia o Uber ingressar em uma região tomada pelo estigma social vivido por essa e outras favelas?

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“Foi tudo relativamente rápido”, explica Marcivan Barreto, líder da Cufa em Heliópolis. “A gente realizou algumas reuniões envolvendo as pessoas mais influentes da nossa comunidade — gente que mora aqui há décadas e que conhece todo mundo. Elas trazem um peso em qualquer discussão. Lideranças’ sociais, mesmo. A primeira foi feita entre setembro e outubro, junto com o pessoal do Uber. Já em outubro e agora em novembro fomos tirando tudo do papel”.

O “tudo” a que Barreto se refere é, na verdade, uma conceitualização bem simples: com o auxílio da CUFA, o Uber implementou sete pontos específicos de embarque para motoristas, sendo um ponto físico com toda a identificação visual da empresa; e seis “virtuais”, ou seja, postos de gasolina, fachadas de estabelecimentos comerciais e do Hospital Heliópolis — locais que são referência para qualquer pessoa de dentro e fora da comunidade. Mas estabelecer esses pontos de nada funcionaria sem o engajamento do público.

“Como a gente fazia para ‘chamar um Uber’ antes? A gente não chamava. O que a gente precisava fazer era se dirigir até um destes pontos ou então nos entornos na entrada da favela, só que isso, para alguns, é longe demais, pode ter até que pegar ônibus”, conta Elaine Vital, moradora do Jardim Heliópolis e usuária do Uber. “Precisou de todo um trabalho de conscientização junto da população, para incentivar todo mundo a usar o aplicativo”, explica Barreto. “A gente contou muito com a ajuda de quem já era motorista, mas também morava aqui: organizamos pequenos grupos de reunião e colocamos, juntos, gente do Uber, esses motoristas, moradores e nós, da CUFA. Nossa ideia foi a de mostrar que não há porque haver qualquer resistência se é algo que vai beneficiar a toda a comunidade”.

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Por ser uma empresa de tecnologia, o Uber decidiu implementar o projeto de forma inteligente: considerando que a maior parte dos moradores da comunidade utiliza, por exemplo, planos pré-pagos de celular, o ponto físico estabelecido pela companhia conta com conexão wi-fi gratuita. Assim, mesmo sem créditos, o usuário não vai ficar sem a carona. Ademais, o Uber posicionou o ponto de forma que ficasse visível e acessível de vários locais — o Hospital Heliópolis fica na quadra seguinte, ao passo que a rua da frente contava com uma feira livre. E, ao lado do ponto de embarque em si, havia vendedores de cachorro-quente e gente que comercializa salgados e itens do gênero. Parte disso foi coincidência, claro, mas a forma como a comunidade se formou ao redor da ideia tornou o projeto ainda mais interessante. E mesmo para quem não utiliza o Uber, há ainda o benefício da referência facilitada: nas proximidades, há diversos pontos para embarque e desembarque de ônibus — boa parte dirigindo-se à estação Sacomã, na linha verde do metrô. Formou-se um amálgama de serviços públicos, privados e informais que beneficiou Heliópolis como um todo.

O posicionamento do ponto físico para os chamados “pontos virtuais” também foi outro foco de atenção da empresa: segundo representantes do Uber, que nos guiavam na visita, os pontos em si não têm mais do que cinco ou 10 minutos de distância de caminhada. Ademais, com o objetivo de gerar identificação, foi posicionada toda uma comunicação visual na área que remete a figuras expressivas do Jardim Heliópolis: a começar pelo adesivo “Feito em Heliópolis”, o ponto físico também traz ilustrações caricatas de moradores que são mais conhecidos na comunidade, listando episódios de interesse e até mesmo curiosos da vida dessas pessoas. Segundo Celso Ataíde, isso vem funcionando: “antes, a gente levava bronca porque não tinha. Agora, a CUFA é cobrada para colocar mais”.

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Esse é o plano, aliás: Ataíde revelou ao Canaltech que o desejo da CUFA é o de levar esse mesmo projeto a pelo menos 10 estados em 2020. Ele cita especificamente o complexo Paraisópolis, em São Paulo, além de regiões ermas de Brasília e algumas favelas do Rio de Janeiro. Ressalta, porém, que esses são projetos ainda em discussão, já que cada comunidade tem suas particularidades.

O Uber endossa essa percepção, dizendo que o projeto não é “algo tecnologicamente replicável, onde apertamos um botão e lá está um novo ponto de embarque”. Em outras palavras, o modelo de Heliópolis não é algo que possa ser “emulado” em outras áreas e a implementação de algo similar exigiria que o processo todo — reuniões com moradores e líderes locais, encontros logísticos com a empresa, apuração e engajamento da comunidade — teria que ser feito de forma planejada e gradual.

No “Helipa”, a coisa parece estar funcionando bem: Athayde disse que não houve nenhum relato de violência voltada ao projeto. Nenhum motorista ou passageiro assaltado, nenhum tipo de agressão nem mesmo situações de risco minoritário. Se isso vai ser replicado com sucesso em outras localidades, não há como saber, mas Uber e CUFA parecem bem confiantes.

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Tomara que dê certo.