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Moto G por R$ 1.499? Não, não é culpa somente da Lenovo. É de tudo (Parte 2)

Por| 20 de Maio de 2016 às 21h05

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Moto G por R$ 1.499? Não, não é culpa somente da Lenovo. É de tudo (Parte 2)
Moto G por R$ 1.499? Não, não é culpa somente da Lenovo. É de tudo (Parte 2)

Na primeira parte deste artigo mostramos que os altos preços dos smartphones atuais não são inteiramente culpa das empresas. A quarta geração do Moto G acabou virando o principal exemplo disso, com o seu preço inicial chegando a dobrar em 3 anos, mas, ao contrário do que é dito por alguns sites, que acusam a Lenovo de "perder a mão" depois de comprar a Motorola, vimos que não é tão simples assim. Há uma boa quantidade de condições macroeconômicas que atrapalham as empresas, impossibilitando o anúncio de aparelhos com preços menores.

Como dissemos, não é inteiramente culpa das empresas, o que não significa que elas não tenham sua parcela na história. Essa "culpa" é, na verdade, uma adequação que elas fazem ao nosso mercado, já que se ninguém comprasse um modelo com um preço que não corresponde às sua características, esses modelos ficariam encostados na prateleiras. Ou seja, as empresas se aproveitam sim na hora de vender, mas o fazem porque, bom... nós deixamos.

"O mais caro do mundo"

O título "O produto ______ anunciado oficialmente no Brasil é o mais caro do mundo" é um dos mais comuns em matérias de tecnologia. O iPhone brasileiro é pauta garantida sobre o assunto: basta criar uma matéria genérica e ir substituindo o preço atualizado e ir colocando imagens novas, já que se existe alguma coisa em que somos os melhores do mundo com pouca concorrência é a habilidade de vender produtos caros. Não se trata somente de smartphones, mas sim tablets, notebooks, TVs, carros e qualquer outra coisa.

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Por quê? Por que os consumidores continuam comprando. Antes dos smartphones explodirem, os carros eram o melhor exemplo disso, com preços altíssimos e impostos exorbitantes praticamente desde sempre, algo que o consumidor reclama bastante, mas que não impede que troque de carro com um intervalo médio de 1,7 anos, uma das maiores frequências do mundo*. Basta se colocar no lugar do fabricante: se continuam comprando, qual a motivação para criar modelos mais competitivos? Serão vendidos de qualquer forma!

É fácil argumentar sobre essa situação tomando o iPhone como base, já que "exorbitante" é uma expressão leve para descrever o preço dele, mas, assim como o Moto G de quarta geração, é algo generalizado em todas as marcas e segmentos. Para ver isso funcionando na prática, nada como um bom exemplo.

O infame financiamento de iPhones

A loja Magazine Luiza virou notícia quando anunciou o financiamento de iPhones em até 24 vezes. Isso mostra categoricamente que comprar um iPhone no Brasil é algo inacessível para uma boa parcela da população em um grau bem maior do que parecia à primeira vista. Não basta apenas passar 12 meses pagando o modelo mais básico do iPhone, totalizando R$ 4.000 "sem juros", mas com um "desconto" para quem pagar à vista.

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A parcela é apenas R$ 50 mais barata quando dividido em 24 vezes em relação a 12 vezes, isso sobre um valor de R$ 373,14. Isso para ficar um ano inteiro a mais pagando o aparelho.

Para quem realmente estava procurando uma oportunidade de dividir em tantas vezes um modelo que poucas pessoas conseguem pagar à vista, parece uma oportunidade difícil de deixar passar. O que poucos enxergam é que os juros são tão altos que a diferença entre dividir em 18 ou 24 vezes é de apenas R$ 15 por parcela, isso para ficar pagando 6 meses a mais. Já a diferença de 12 para 18 parcelas é de R$ 34, novamente para pagar por 6 meses a mais. Entre 12 vezes e 24 vezes, a diferença gira em torno de R$ 50, pelo dobro de parcelas.

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Comparações entre os valores das parcelas não acabam por aí. A diferença entre 23 e 24 parcelas é de apenas R$ 0,40. Como os juros são altos, provavelmente o valor da parcela em 25 vezes, se existisse, seria maior do que em 24 vezes.

No total, o usuário acaba pagando quase R$ 7.800 do modelo mais básico, com apenas 16 GB de memória interna. Isso só faz sentido no Brasil, onde é bastante comum consumidores esperarem qualquer facilitação para comprar um iPhone. Se essa parcela, com todo o lucro da Apple, impostos e juros altíssimos não é capaz de desencorajar os consumidores, a Apple baixaria o preço por qual motivo? Aliás, se aumentar, é capaz que financiamentos em 36 vezes passem a ser comuns.

Não há dólar, crise, condições econômicas ou impostos que expliquem isso. Ok, na verdade há sim uma explicação.

Nós somos os culpados

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Por algum motivo, muitos compram um smartphone para passar uma mensagem. Pouco importa a qualidade de tela, nitidez das fotos e autonomia de bateria: o importante é que os outros vejam um modelo caro nas mãos. É muito capaz que, se por alguma mágica, os iPhones passassem a ser vendidos por R$ 1.000, poucos teriam interesse em comprá-lo. Se todos podem comprar um iPhone, o fato de você ter um em mãos deixará de impressionar. Não somente o iPhone, mas qualquer modelo caro vendido por aí.

Há alguns anos, publicamos uma matéria para explicar que os smartphones são caros por aqui, em especial os tops de linha, não somente por causa dos impostos. Impostos são sim bastante altos, mas estão longe de explicar o preço final. Em especial quando consideramos o baixíssimo custo de produção de um smartphone para o fabricante, mesmo para um modelo top de linha, fica ainda mais difícil entender que muitos estejam dispostos a pagar tão caro por um smartphone que custa tão barato.

Não basta ficar feliz com um smartphone: é necessário "provar" que o seu modelo é melhor do que o de outra pessoa.

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Por que continuamos pagando tão caro por smartphones? Não sabemos. Nem os fabricantes sabem, aliás, mas aproveitam disso para lucrar mais. Um dos motivos de o Zenfone 2 ter feito tanto sucesso por aqui é exatamente por fugir dessa lógica, sendo um dos últimos modelos com alto custo-benefício anunciados que temos lembrança. Como proprietário de um Zenfone 2, já escutamos mais de uma vez pessoas com um iPhone ou Galaxy S de última geração inventar as mais diversas justificativas e racionalizações para "provar" que eles fizeram uma escolha melhor, tendo em mãos um modelo infinitamente superior a esse "Zenfonezinho vagabundo de R$ 1.500".

Isso é bastante interessante. O Zenfone 2 está (bem) longe de ser um smartphone ruim, mas é interessante que quem tem um modelo mais caro faça esse tipo de comparação. A ideia que isso passa é que um smartphone não é bom por si só, mas sim somente quando comparado com outros smartphones. Pessoas não escolhem um modelo que atendam às suas necessidades, mas sim para mostrar para os outros que têm um modelo superior (o que muitas vezes quer dizer somente que é mais caro).

Não importa se pagou à vista, dividiu em 12 ou 24 vezes e quanto isso impactou no orçamento, mas sim ter a conquista de mostrar para todos que é um feliz proprietário de um smartphone caro. Isso não impede que quase 50% dos brasileiros troque de smartphones todo ano. Se você troca de modelo todos os anos e divide em 12 vezes, a parcela representa uma despesa fixa no orçamento. Água, luz, internet, condomínio, aluguel... e smartphone.

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O iPhone SE foi criado por dois motivos: atender o público que buscava um iPhone menor e quem queria um modelo mais barato do que o iPhone tradicional. Isso no mercado tradicional, já que um preço sugerido de R$ 2699 para o modelo mais básico chega a ser risível.

Naturalmente, isso não é um problema. Afinal, cada pessoa tem as suas preferências, mas não pode-se deixar de lado que isso deixa os fabricantes de smartphones em uma posição confortável. Passam a não ter o menor estímulo para ficarem mais competitivos, já que usuários comprarão mesmo que existam pouquíssimas alterações entre uma geração e outra. Ou mesmo de abaixar seus preços, já que as vendas são praticamente imunes ao preço final do aparelho.

Voltando ao Moto G de quarta geração, não é de se assustar que ele chegue com um preço inicial de R$ 1.299. Se um iPhone é vendido por até R$ 7.800 em 24 vezes, o Xperia Z5 Premium chega por R$ 4.700, o LG G5 SE pode chegar por R$ 3.700 e até o iPhone SE chegou por R$ 2.700, vender um modelo por R$ 1300 é quase uma pechincha. É praticamente uma característica cultural do brasileiro correlacionar um produto caro com qualidade, algo que dificilmente mudará.

Na parte 3 deste artigo, vamos entender como esse cenário infelizmente não vai mudar nos próximos anos, já que lidaremos com preços altos de smartphones por um bom tempo. Um dos motivos para isso é a baixa competitividade do nosso mercado, com poucas empresas se comparado ao restante do mundo, algo que também vamos explorar em detalhes.

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*Segundo dados de 2014

**Segundo dados de 2016