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Moto G por R$ 1.499? Não, não é culpa somente da Lenovo. É de tudo (Parte 1)

Por| 19 de Maio de 2016 às 22h34

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Moto G por R$ 1.499? Não, não é culpa somente da Lenovo. É de tudo (Parte 1)
Moto G por R$ 1.499? Não, não é culpa somente da Lenovo. É de tudo (Parte 1)

Agora oficial, o Moto G de quarta geração chegou com um preço, digamos, acima do esperado. Saindo da posição de "paladino do custo-benefício" em 2013, quando chegou por R$ 649 e com excelentes configurações, agora ele é oferecido a partir de R$ 1.299, chegando a R$ 1.499 com as especificações mais avançadas e uma capa extra, isso quando montado no Moto Maker do Brasil. Na prática, isso significa que o preço inicial dobrou em 3 anos, assustando os consumidores que esperavam comprar um modelo de qualidade por um preço acessível.

Por que isso aconteceu? É culpa da Lenovo, que agora controla a Motorola? Vimos diversas publicações apontando nessa direção, afirmando que a chinesa "perdeu a mão". Outros dizem que é algo proposital, oferecendo os modelos da Motorola com um preço maior para chamar a atenção para seus próprios modelos, vendidos por aqui com preços menores e especificações até interessantes. Em ambos os casos, além de outras justificativas, o dólar alto e os impostos foram apontados como fatores intensificadores, mas a conclusão geral é apontada categoricamente como "culpa da Lenovo".

Ainda que essas justificativas estejam próximas da realidade, há muito ruído e informação incorreta circulando por aí, então vamos entender o preço atual dos novos Moto G usando todas as variáveis envolvidas.

Não, não é "culpa da Lenovo"

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Muitos sites apontam a Lenovo como culpada como se o Moto G fosse o único aparelho com seu preço aumentado consideravelmente nos últimos anos. A Lenovo, como qualquer outra empresa, quer vender o máximo de smartphones possíveis, e há uma boa quantidade de fabricantes para concorrer. Sob uma perspectiva mercadológica, não faria sentido gastar quase US$ 3 bilhões comprando a empresa para destruí-la pouco a pouco colocando preços altos. Pelo menos não sem justificativa.

Culpar a Lenovo é ignorar que todos os smartphones tiveram seus preços inflados nos últimos anos. Todos os modelos de todas as empresas em todos os segmentos. É um fenômeno geral (principalmente no Brasil), não restrito somente a uma fabricante. Basta consultar o histórico de preços do Buscapé para ver que é algo generalizado, veja:

ASUS Zenfone 2 ZE551ML 32 GB

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Xiaomi Redmi 2 8 GB

Motorola Moto G de terceira geração 16 GB

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Os gráficos acima mostram os preços considerando o conjunto de lojas que vendem o aparelho, muitas vezes apresentando valores diferentes do preço sugerido pelo fabricante. A Motorola, por exemplo, aumentou o preço oficial do Moto G de terceira geração diversas vezes depois do lançamento, com o valor do modelo mais barato (8 GB/1 GB) saindo de R$ 849 para R$ 999 em poucos meses. Sacanagem? Capitalismo selvagem em busca de lucros maiores? Não, não é nada disso.

Incertezas do cenário macroeconômico

Imagine que você seja o responsável direto por estipular o valor do preço de um smartphone para o consumidor. A data de lançamento já está marcada, e todos esperam o seu posicionamento para passar para os revendedores e na sua loja oficial. Você navega na internet e começa a ler as notícias sobre as condições do país: crise econômica, crise política, golpe, manifestações, impeachment, não é mais golpe, dólar sobe, dólar desce, novo imposto a caminho, Lei do Bem revogada, Lei do Bem pode voltar, sem novos impostos esse ano, outro imposto entra em seu lugar, é golpe de novo, nunca foi golpe... enfim, caracterizamos o resumo de uma semana típica por aqui.

Como você calcularia o valor? Considerando o dólar atual ou o valor previsto para semana que vem? Com a presidente afastada, como está o cenário econômico nos meses seguintes? Será que o novo presidente tomará medidas para facilitar as empresas ou será mais do mesmo? Ou, quem sabe, pior? Se eu comprar os componentes para montá-los no Brasil, quando o dólar está em um patamar X e ele aumentar nos meses seguintes, como arcarei com os prejuízos? Como é dito com frequência, o Brasil não é para principiantes, sendo difícil tomar uma decisão hoje com a certeza que o cenário econômico continuará o mesmo.

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Independentemente de posicionamento político, preferência de partido, ideologia e até mesmo de quem é o presidente, um cenário econômico que muda com frequência, recheado de incertezas, torna impossível o planejamento em longo prazo. Um dólar alto, mas estável, permite que fabricantes e investidores planejem seus estoques, o preço final e o aumento ou a diminuição do tamanho das fábricas também em longo prazo. Incerteza inclusive para o consumidor, que não sabe se pode comprar um smartphone (ou qualquer outra coisa) ou se é melhor guardar o dinheiro para possíveis dias sombrios.

O que o fabricante faz, então? Coloca o valor lá em cima, absorvendo as variações cambiais e peculiaridades políticas. Modelos que já trabalham com uma margem alta podem absorver essas variações com mais facilidade, mas trabalhar com margens de lucro menores pode representar um risco enorme de prejuízo em poucos meses. Exemplo disso é o Galaxy S7/S7 Edge e o iPhone 6s/6s Plus, que continuam no mesmo patamar de preços desde o anúncio. Enquanto isso, modelos como o Zenfone Go variam de preço praticamente com frequência semanal:

Do começo de 2014 até o final de 2015, como podemos ver no gráfico abaixo, o valor do dólar saiu de R$ 2,20 para nada menos do que R$ 4,25.

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Pode parecer uma variação pequena em um intervalo de menos de dois anos, mas certamente assusta quem pretendia investir de forma massiva no país esperando um retorno sobre investimento em um prazo de vários anos. Pior do que condições ruins é um cenário econômico diferente por mês. Se os fabricantes e investidores tivessem que lidar com um dólar alto e impostos altos, mas que não sofressem variações em longo prazo, isso permitiria um cálculo preciso para ver se vale a pena investir por aqui para diminuir o preço final.

Um exemplo marcante disso foi a divisão de ICMS entre estados. No começo desse ano ele passou a ser dividido entre estados, alterando o valor final de todos os produtos, dependendo de onde ele é vendido e de quem compra. Lojas on-line foram severamente prejudicadas pela medida, sendo obrigadas a usar um conversor para calcular o preço para cada situação, isso não sem ter que lidar com uma burocracia e tanto para vender cada um dos produtos.

Sem contar as contribuições exclusivas da cada estado, que contam com impostos extras ausentes em outros. O que as lojas fizeram? O esperado: calcularam o maior valor possível na pior situação e este passou a ser o preço oficial. E, mesmo assim, ainda tinham que lidar com a burocracia extra. Conforme as lojas começaram a se adaptar, por pior que seja a situação, essa divisão de ICMS caiu poucos meses depois. Ainda que isso tenha sido bom, é mais um caso de dificuldade de fazer planejamento de longo prazo, já que é uma nova situação que entrou em funcionamento e saiu de vigor pouco tempo depois. Consegue imaginar o responsável por estipular o preço tendo que lidar com situações desse tipo?

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Fatores secundários

Até agora vimos como incertezas econômicas e políticas dificultam a situação de fabricantes, que passam a estipular preços maiores para absorver sabores e dissabores futuros como uma margem de segurança. São fatores diretos, mas não são os únicos. Do preço maior dos combustíveis até o aumento da energia elétrica, fabricantes acabam absorvendo diversos valores de produção, e não importa se o aumento ocorreu pelo custo das fornecedoras ou por um aumento de impostos. O que importa é que aumentou.

Se o aumento considerável na energia elétrica e nos preços dos combustíveis já dificulta a vida do consumidor, imagine no caso das empresas, com máquinas gigantescas e que exigem altíssimas quantidades de eletricidade e no transporte de componentes e produtos para milhares de smartphones. É de se esperar que, mesmo mantidas as condições econômicas e políticas, esse aumento seja integralmente seja repassado para o consumidor final na exata proporção em que ele impacta na produção dos produtos.

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Até agora, parece que estamos advogando em favor das empresas, colocando-as como vítimas de condições externas a elas, não? Naturalmente, elas não são totalmente inocentes nesse cenário todo, já que são sim responsáveis por preços mais altos apesar disso, algo que vamos explorar na segunda parte deste artigo. Quem são os responsáveis pelo preço alto dos smartphones atuais? Eu e você.