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CCXP19 | Quitely fala sobre Batman, Superman, X-Men, Grant Morrison e Alan Moore

Por| 15 de Dezembro de 2019 às 10h15

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claudio yuge
claudio yuge

O escocês Frank Quitely não é desses nomes onipresentes que você vê o tempo todo nas bancas de quadrinhos, embora ele tenha sido um dos mais proeminentes na indústria dos super-heróis americanos dos últimos 20 anos. Desde que fez parte da segunda onda da “invasão britânica” em solo ianque, em 2001, ele tem tornado cada um de seus projetos em novos clássicos.

Quitely esteve pela segunda vez na Comic Con Experience (CCXP) como um dos artistas convidados para o Artists Alley, especialmente devido aos seus trabalhos com Mark Millar na desconstrução dos super-heróis em Authority (2001) e por conta do material criado na parceria com Grant Morrison, em obras-primas como a fase dos New X-Men (2002), a minissérie We3 (2005), a série limitada Grandes Astros: Superman (2005-2006) e Batman e Robin (2010), quando Bruce Wayne foi dado como morto e a dupla dinâmica era formada por Dick Grayson e Damian Wayne.

Ele falou um pouco sobre cada um desses trabalhos durante um painel na CCXP19 e também comentou sua criação, O Legado de Júpiter, sendo adaptado em breve para a Netflix.

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Mãe dele não gostou de sua primeira história do Batman

O primeiro grande trabalho de Quitely no mercado norte-americano de quadrinhos foi Flex Mentallo, em 1996. Ali ele já mostrava talento ao viajar, visualmente, em um poder tão estranho quanto intrigante do protagonista do título: o de “dobrar” a realidade com os seus músculos. Esse foi o início de uma grande parceria com o compatriota Grant Morrison.

“Grant já conhecia meu trabalho quando eu publicava quadrinhos independentes e ficou de olho no que fazia até que eu ficasse bom o suficiente para trabalhar com ele”, disse. “Em Flex Mentallo, apenas segui o roteiro, era um texto muito louco e ele apenas disse para criar coisas pouco convencionais”, lembrando que muitas vezes não entendia muito bem os roteiros malucos de Morrison. “Não entendia algumas das histórias e quando elas viraram encadernados, dez anos depois, eu reli e aí sim compreendi melhor (risos).”

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Em 1998, veio a chance de trabalhar com o Batman, personagem que ele gostava desde criança.

O escritor era o veterano Alan Grant e o resultado, bem, digamos que não foi exatamente o que todos esperavam no especial Batman: Operação Escócia. “Alan Grant teve uma boa ideia para uma história e nela não tinha uniformes ou a batfamília, e a DC Comics fez com que ele reescrevesse cinco ou seis vezes, até que ele não gostasse mais. Ele não me contou isso, apenas me mandou o roteiro. Fiz o melhor que pude e, quando terminei, mandei para minha mãe. Ela disse que os desenhos estavam bom, mas o texto era uma porcaria”, riu.

We3 e Batman e Robin

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Quitely sempre foi conhecido por conseguir dar “asas” às ideias de Morrison, conhecido pela sua autenticidade e esquisitice, que, segundo ele, não dava assim tanto trabalho para transformar em desenhos. “Nunca houve algo que não pudesse fazer, porque os roteiros dele são muito bons. Às vezes são desafiadores, mas nunca deixei de ilustrar algo que ele pediu.”

Segundo o próprio Quitely, sua maior dificuldade até hoje foi criar a cena em que o gato de We3 quebra a quarta parede e atravessa a página, em um sensacional layout tridimensional. “O mais complexo que já fiz foi uma sequência de ação de We3 em que o gato se move pelos painéis enquanto ataca soldados. Demorei mais de uma semana só para terminar o planejamento desse movimento.”

Já sobre Batman, Quitely sempre gostou de ver como os autores supervalorizam o intelecto do personagem.

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“Batman está nesse panteão de deuses, onde ele é mais frágil se comparado com essas pessoas que são muito fortes, muito rápidas ou podem suportar grande impacto. Todos têm poderes espetaculares. E tudo o que Batman tem é seu treinamento físico e intelecto. Acho que é importante o escritor saber usar suas destrezas e as habilidades como detetive, quase como um superpoder.”

Em sua passagem por Batman e Robin, quando o protagonista era Dick Grayson sob o manto do morcego, o que o atraiu para essa trama foi uma inversão de valores. “O Robin pode ser um mal necessário e eu prefiro o Batman atuando sozinho. Mas o Grant me explicou que essa dinâmica seria diferente, porque o Batman do Dick seria mais otimista, enquanto o Robin de Damian Wayne seria violento e rabugento — invertendo, assim, o que normalmente acontece.”

New X-Men e Superman

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Com New X-Men, Morrison e Quitely mudaram drasticamente a pegada, os uniformes e a identidade visual do título, em uma época que os mutantes estavam em baixa na Marvel Comics e acabavam de chegar ao cinema. “Grant disse que queria redesenhar os uniformes. Eu disse que, se tivesse superpoderes, não usaria um uniforme, e sim roupas normais. Ele falou que se tivesse superpoderes usaria jaqueta, botas, correntes e outras coisas. Daí conversamos sobre trazer os trajes pretos do filme. Ele concordou, mas disse que queria elementos em amarelo, presentes nos serviços de emergência — porque ele vê os X-Men como uma equipe de emergência para os jovens mutantes”, comentou.

Inicialmente, os fãs não curtiram muito a ideia, embora a crítica tenha elogiado o trabalho desde o começo.

“Em todo o tempo que fizemos X-Men, quase todos os leitores detestaram as mudanças. As únicas pessoas que pareciam estar gostando eram aquelas que não liam revistas da equipe há anos e tinham voltado justamente porque Grant estava escrevendo. Mas, aos poucos as pessoas começaram a gostar, ou pelo menos passaram a tentar”, lembrou.
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Grandes Astros: Superman foi seu maior momento no mercado norte-americano, em uma história que é tida para muitos como os quadrinhos definitivos do Homem de Aço. “Não imaginava que a história fosse tão boa quanto no final acabou sendo, pois recebi o texto da segunda edição somente após terminar de desenhar a primeira. Ilustrei sabendo o roteiro aos poucos, até que, ao final das 12 edições, fiquei satisfeito em ver o resultado”, destacou.

E a DC Comics teve muita importância nesse resultado, por ter esperado seu ritmo. “Havia dito para a DC Comics que não poderia desenhar uma história mensal e que levaria de dois a três meses para fazer cada edição. Eles me disseram para não me preocupar e que só lançariam depois que estivessem prontas. Quando foi feito o anúncio do lançamento, tinha quatro edições prontas, então isso me acelerou um pouco, mas ainda assim sabia que precisaria de mais tempo para terminar.”

O Legado de Júpiter na Netflix

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Depois de fazer Authority com Mark Millar, em 2001, Quitely voltou a trabalhar com o roteirista, também escocês, em 2013, em O Legado de Júpiter, que mostra heróis de uma nova geração lidando com o passado de seus pais. “Já tive a adaptação de uma história que desenhei, Grandes Astros: Superman, em animação. Agora, com O Legado de Júpiter na Netflix, que é algo mais meu, com certeza posso dizer que é um dos pontos mais altos na minha carreira até o momento”, afirmou.

Ele confirmou que Millar, ao criar a trama, já tinha em mente transformá-la em uma adaptação para os cinemas. “Mark já tinha planos de tornar a história em um filme, antes mesmo de começar a conversar com a Netflix. Mas eu conheço Mark há tanto tempo quanto conheço Grant. E Mark é exagerado (risos). Não confio nele”, divertiu-se. Pouco tempo depois, a Netflix comprou os direitos das propriedades do Millarworld e confirmou a produção, que tem estreia prevista para 2021.

“Não estive envolvido na produção, mas fui convidado para o set. Eu, minha esposa e os três filhos, em Toronto. Conversei bastante com a equipe de efeitos visuais, com a direção de arte e com o pessoal do figurino. Falamos sobre as diferenças que vão ocorrer, fiquei bastante empolgado. Quando vi tudo, achei que foram feitas muito boas escolhas.”

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Millar, Morrison, Moore e preferências

E com quem seria mais legal sair para uma balada, com Mark Millar ou Grant Morrison? “Ohhh (suspiro)... Bem, depende de que tipo de noite você quer ter (risos). Millar é muito boa companhia, mas o tipo de diversão que você com cada um é diferente (risos). É tudo o que posso dizer. Estou sendo diplomático (risos)”, respondeu.

Quitely falou também sobre quais as virtudes dos dois roteiristas. “Mark é muito bom em entregar o que as pessoas querem. Grant é muito bom em entregar às pessoas o que ele quer (risos)”. E entre Morrison e Alan Moore, quem mantêm uma discussão pública há anos? “Ambos têm muitas e muitas boas histórias em quadrinhos. Eles são os que fazem os melhores quadrinhos. Mas tenho que dizer, que tenho uma discreta preferência por Grant.”

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O autor disse que, embora não consiga acompanhar o ritmo mensal, continua lendo quadrinhos, algo que muitos artistas param de fazer ao trabalhar bastante com essa indústria. “Costumo ler o que Alan Moore, Garth Ennis e Peter Milligan vêm escrevendo. Vejo filmes pelo diretor e também faço isso com artistas de quadrinhos. Como não posso acompanhar as séries mensais, leio os encadernados. Mas ainda compro, leio e sou entusiasta dos quadrinhos. Recentemente, li uma história do Garth Ennis e do Goran Parlov no Justiceiro e curti bastante”, destacou.

Para encerrar, Quitely falou sobre o que seria mais interessante: construir uma equipe, como ele fez com Liga da Justiça e X-Men, ou desconstruir, a exemplo de Authority. “Para mim, o mais interessante é ter a chance de fazer ambos. E eu tive.”