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Afinal, por que os smartphones estão abandonando os fones de ouvido? (Parte 2)

Por| 20 de Junho de 2016 às 23h55

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Afinal, por que os smartphones estão abandonando os fones de ouvido? (Parte 2)
Afinal, por que os smartphones estão abandonando os fones de ouvido? (Parte 2)

Na primeira parte deste artigo nós esmiuçamos os principais argumentos em favor da remoção do conector P3 nos smartphones. Pelo menos na visão dos fabricantes, já que, apesar de se tratar de um padrão antigo, dificilmente está gargalando a experiência de áudio do usuário. Prova disso são os fones de ouvido de altíssima fidelidade sonora vendidos por aí, muitos deles custando centenas ou mesmo milhares de dólares, todos eles com conector P3. Modelos como o Sennheiser Orpheus chegam a custar US$ 55.000 (cerca de R$ 187.000 em uma conversão direta, sem considerar taxas e impostos brasileiros).

O conector utilizado? Não é Lightning, USB tipo C ou Bluetooth. Sim, é um exagero comparar um Orpheus com qualquer smartphone, já que até mesmo o modelo mais caro do iPhone (6s Plus) é uma pechincha perto dele... ou mesmo imaginar alguém utilizando essa joia em um smartphone. Mas, essa realidade levanta duas questões interessantes sobre o argumento de alta fidelidade, algo que vamos começar a explorar nesta segunda parte.

Áudio de alta fidelidade

Vale começar dizendo o óbvio: audiófilos não contam com a qualidade de áudio dos smartphones para escutar músicas. E isso pouco tem a ver com o fone utilizado, já que esse novo "cenário" de fones com conectores digitais é algo novo, em especial quando consideramos as décadas de evolução da indústria de áudio. Empresas como Monster, Grado e Sennheiser utilizam conectores P2 ou P3 há anos, sendo referências em fones de alta qualidade. Esse dado, por si só, já coloca o argumento da alta qualidade em análise.

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O que nos leva ao primeiro ponto: o "problema" da falta de qualidade de áudio não está nos fones, nem no conector analógico. Tanto que fones mais caros trazem adaptadores P10 para serem utilizados em equipamentos de alta fidelidade com tudo a que têm direito, de conectores folheados a ouro até cabos livres de oxigênio, para evitar interferências. Ou seja, se não há limitações do conector até os drivers de som, deve haver algo de errado antes do áudio chegar ao conector. Em outras palavras, no próprio smartphone.

Com vocês o Sennheiser Orpheus, com apenas 6000 componentes para oferecer a melhor qualidade de áudio possível. Por um pequeno valor, naturalmente,

Essencialmente, já dá para listar três grandes responsáveis pela qualidade do áudio além do próprio smartphone: o conversor digital-analógico (DAC), o amplificador e o próprio arquivo de áudio. Som é algo analógico, mas armazenado de forma digital, o que pode ser feito tanto com perdas, caso do MP3, quando sem perdas, caso dos arquivos FLAC. Isso significa que a menor qualidade das músicas já começa com o arquivo em si, já que pouco adianta comprar um Orpheus para escutar arquivos MP3, o que acaba causando um problema adicional que vamos explorar no próximo item.

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Vamos aos outros dois itens. Dois aparelhos apresentam qualidade de música completamente diferentes dependendo do DAC, já que a própria forma como o decodificador trabalha pode resultar em streamings de áudio completamente diferentes, isso independentemente do fone. Para experimentar isso na prática, basta pegar um fone razoável e escutar a mesma música em um smartphone de entrada e depois comparar com um Galaxy S7 ou um iPhone 6s, que trazem distorção harmônica total (THD) abaixo de 0,005 (ou seja, muito, mas muito baixo). Usar um DAC decente já melhora a qualidade de áudio independentemente do conector.

O hardware dedicado de áudio conta muito mais do que o conector, que é praticamente irrelevante para a qualidade de som. Mas DACs, amplificadores e outros recursos não são visíveis para o usuário, não? Também não criam mercado para fones com novos conectores.

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Outro ponto é o amplificador. Não raro, usuários gastam centenas de reais (ou mesmo milhares) em um fone de alta qualidade e não percebem grandes diferenças. Isso se deve não só ao DAC, mas também ao amplificador, em especial em modelos de alta impedância. Se um headphone apresenta um volume baixo mesmo com o smartphone no máximo (qualquer equipamento, na verdade), isso é um sinal de que o áudio não está amplificado o suficiente para alimentar os drivers de som. Pior, já que o problema não chega nem a ser esse, já que um amplificador ruim acaba jogando fora detalhes mais sofisticados de uma música.

Em um caso extremo, caso do Orpheus, há mais de 6000 componentes trabalhando no áudio entre a leitura do arquivo até ele ser reproduzido nos drivers. Não é necessário chegar tão longe, mas já é um argumento forte o suficiente para entendermos que o conector está longe de ser o problema, mesmo com décadas de existência.

Tendência?

O segundo argumento é a própria afirmação de que a abolição do P3 é uma tendência nos próximos anos. Não chega a ser inteiramente mentira, já que somente o período está errado. Com o passar do tempo, é natural que o P3 de fato desapareça, mas isso tem muito mais chances de acontecer em décadas, não em alguns poucos anos. Os motivos são vários, em parte pelos custos envolvidos na produção de fones com conetores digitais ou com o padrão Bluetooth, ainda bastante altos se comparado aos analógicos.

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A verdade é que quem busca áudio de altíssima qualidade está se lixando para os smartphones, buscando aparelhos dedicados a oferecer essa experiência. Isso sem deixar de considerar que a qualidade de áudio dos smartphones atuais já é boa o suficiente.

Isso para dizer somente um ponto, já que mesmo que os DACs e amplificadores sejam de excelente qualidade, isso pouco adianta para quem pretende escutar arquivos de áudio de baixa qualidade. Não se trata nem de usar um arquivos lossless, como o FLAC, mas sim das implicações no próprio mercado de smartphones. Arquivos de alta qualidade ocupam um espaço considerável, o suficiente para deixar qualquer modelos com 32 GB de memória interna limitar a experiência de quem gosta de carregar álbuns inteiros.

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É claro que até que isso se torne um padrão, as memória internas serão maiores, assim como a capacidade dos cartões microSD, mas a própria banda de internet deve melhorar para atender a demanda. Em especial em países como o Brasil, que ainda está passando pela discussão (estúpida) sobre a limitação de internet fixa até a data de fechamento deste artigo, downloads maiores certamente serão um problema. Isso supondo que o usuário já tenha um fone de ouvido de alta qualidade, já que um modelo que atenda às expectativas para quem espera alta qualidade pode chegar a custar o preço do próprio smartphone.

Solução para um problema que não existe? Criação de um novo problema, com diferentes conectores digitais por aí? Ainda é muito cedo para afirmar que é uma tendência que chegará de forma rápida (Crédito das imagens: Datapro)

E outra: qual será o padrão? Lightning? USB tipo C? Um terceiro, talvez? Se o padrão mudar em pouco tempo, o usuário terá que se livrar dos fones que já comprou? Até que isso tudo seja "resolvido" os fones analógicos terão uma longa vida pela frente. A princípio, sairemos do modelo de mercado de fones analógicos sem um benefício que sustente essa mudança sequer. O Bluetooth já está disponível em quase 100% dos aparelhos (que o usuário pode optar por usar ou não) e, como vimos, uma mudança de padrão pouco (ou mesmo nada) melhora a experiência do usuário.

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Conclusão

Qualquer nova tecnologia ou novo padrão deve ter dois quesitos essenciais para o seu sucesso e adoção em larga escala. Em primeiro lugar, deve ser acessível o suficiente para que a maior parte das pessoas possa comprá-la e, mais importante ainda, deve fazer sentido. Deve ser inquestionavelmente superior para que justifique o investimento das pessoas em algo novo. Até agora, a qualidade do padrão P3 tem sido apresentada como "um novo problema", mas a verdade é que a usar um padrão digital de conexão de áudio é apenas diferente; não é melhor.

Modelos mais baratos, onde o custo é decisivo, realmente abandonarão os conectores analógicos em algum momento? Afinal, é onde estão concentradas as maiores fatias de mercado...

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É um caso completamente diferente da mudança dos cabos de vídeo VGA para o HDMI, ou do 480p (SD) para o 1080p (Full HD). Os usuários percebiam a diferença sem que as empresas precisassem explicar que havia um problema a ser resolvido. E outra: a mudança foi gradual e ambos coexistiram por muito tempo. Notebooks ainda são vendidos com conexões VGA e HDMI até hoje, assim como sua TV Full HD ainda roda filmes com qualidade 480p. Empresas não abandonaram um padrão de uma hora para outra.

Isso sem deixar de lembrarmos que as justificativas utilizadas pelas empresas ainda deixam resquícios de dúvida sobre se essa ideia se trata de um pretexto para deixar smartphones mais finos do que lentes de contato – o que parece mais provável. Em especial quando consideramos o ponto de partida: os rumores sobre a possibilidade do iPhone realizar essa mudança. Isso vindo da Apple, uma empresa que praticamente renasceu no início dos anos 2000 vendendo iPods, argumentando que os arquivos MP3 tinham qualidade o suficiente para quem esperava a melhor qualidade de áudio.