Pioneirismo, crises e más escolhas: conheça a trajetória do Yahoo
Por Gabriel Castro | 25 de Julho de 2016 às 22h24
Por muito tempo, se fosse para nomear os maiores nomes da internet, teríamos inevitavelmente de colocar o Yahoo no topo da lista. Precursor de serviços online, o site foi fundado em 1994 pelos então estudantes da Universidade de Stanford Jerry Yang e David Filo para catalogar outros sites, algo que hoje em dia soa tão comum – e até fundamental –, mas que há duas décadas exclusivo. Em dois anos, as ações somavam o valor de US$ 848 milhões. No começo dos anos 2000, a empresa valia US$ 125 bilhões. Após muitas derrapadas e crises, nesta segunda-feira (25), o Yahoo acabou sendo vendido para a operadora de telecomunicações Verizon por US$ 4,83 bilhões.
Talvez a ideia inicial de Jerry nem teria sido crescer tanto, afinal, o primeiro nome da empresa sugere algo quase tão pessoal quanto um blog: “Jerry and David’s guide to the world wide web”, ou "guia para a internet de Jerry e David". Com o sucesso inicial do site, logo o nome foi alterado para “Yet Another Hierarchically Organized Oracle”, ou “Mais um oráculo organizado hierarquicamente”. Nos anos iniciais, o Yahoo se popularizou a ponto de se tornar um grande portal, indo além da catalogação e passando a oferecer conteúdos diversos, chegando a 100 milhões de visualizações diárias, um número muito significativo para a internet que de certa forma ainda engatinhava.
Tela inicial do Yahoo! em seus primeiros anos
Em setembro de 1998, os então doutorandos também da Universidade Stanford Larry Page e Sergey Brin criaram o Google que, um ano mais tarde, seria adotado pelo Yahoo como mecanismo de busca e aos poucos caminhava para sua ascenção como gigante da web.
Em janeiro de 2000, com as ações batendo um valor recorde para uma empresa tech (US$ 475 cada), o Yahoo! se consolidava como um "gigante", com um dos maiores servidores de email, mensageiro, portal de notícias e conteúdo em vídeo, algo singular na "era" pré-YouTube.
Foi nos primeiros anos do milênio que o Google começou a sua rápida expansão, criando o Gmail com espaço ilimitado e incorporando outros sites, marcando o começo da perda de território digital do Yahoo.
Escolhas erradas
Muitos dos deslizes cometidos pelo Yahoo se deram nas más escolhas na hora de se fundir ou adquirir empresas, mostrando o pensamento equivocado (e frequente para muitos) de que a própria empresa se basta sozinha e não precisa se "rebaixar" à concorrência.
Hoje, é clara a falta de visão que o Yahoo teve. Em 2002, a empresa tentou comprar o Google por US$ 3 bi, mas este subiu o valor para US$ 5 bi e o Yahoo acabou não cobrindo a oferta. Posteriormente, o YouTube também quase foi comprado, mas acabou sendo adquirido pelo Google.
Fazendo outras apostas, o Yahoo comprou a promissora rede canadense de compartilhamento de fotografias Flickr, que, após a investida, caiu no esquecimento de grande parte dos usuários. O GeoCities, um dos primeiros sinais das redes sociais que surgiriam em poucos anos, também foi comprado e, em pouco tempo, esquecido.
Declínio acentuado
Além da falta de visão, fatores externos contribuíram para os anos de crise que viriam. O conceito de portal que reúne tudo para seus usuários fieis foi perdendo sentido. Com o surgimento dos smartphones, principalmente após o lançamento do primeiro iPhone, em 2007, veio a fragmentação de serviços e funções com aplicativos específicos, enfraquecendo os serviços de portais que demandam mais tempo e dedicação dos usuários, além de oferecer conteúdo selecionado para um grande público, sem o fator, hoje essencial, da personalização de informação.
Foi nesta época também que o Facebook começou a conquistar o mundo, ainda que outras redes já tivessem conquistado mercados menores, como o Orkut e o Hi5, mudando a relação das pessoas com a internet e como ou o que esperavam dos sites. Nos anos seguintes, houve um boom de redes sociais, tentativas de diversas empresas de se adaptarem a um novo mercado e, mais uma vez, o Yahoo se negou a "entrar na dança", preferindo não acompanhar as tendências.
Com a empresa em queda livre, a primeira década do milênio foi marcada por uma dança das cadeiras no conselho administrativo sem que alguém conseguisse estabilizar a crise, com muitas escolhas conflitantes. Se houve algo de positivo neste período, foi a investida no mercado asiático com a aquisição de 40% das ações do grupo de e-commerce chinês Alibaba.
Em 2008, Yang recebeu uma oferta da Microsoft no valor de US$ 44,6 bi, que foi recusada sob o argumento que ela desvalorizava a empresa. Em julho de 2012, em mais uma tentativa de se reerguer, o Yahoo contrata Marissa Mayer, que havia conquistado o cargo de executiva senior de produtos no Google.
2008: Marissa Mayer é a aposta para estabilizar a crise e alavancar as ações da empresa
A nova CEO dá início a uma fase com diversas aquisições de startups sob o argumento de que a empresa precisa de novas pessoas e produtos. Uma das companhias adquiridas foi o Tumblr (US$ 1 bi), visto como dono de um público mais jovem e ativo que poderia alavancar a empresa, o que, como nos casos da década anterior, também resultou em um fracasso. Outras ações tomadas por ela envolveram renegociações com as ações do Alibaba e parcerias com grandes empresas, como Google e Microsoft.
De operadora para empresa tech
Em 2015, em uma primeira investida para expansão, a Verizon comprou a AOL, visando aumentar seus serviços de vídeo e propaganda. Em abril de 2016, a operadora sinalizou o interesse na aquisição e em julho efetivou a compra no valor de US$ 4,43 bi. Apesar deste valor, o Yahoo ainda vale US$ 40 bi por conta dos 15% das ações do Alibaba e do Yahoo Japão, que não foram incluídos na negociação com a Verizon.
É curioso ver uma empresa que perdeu tanto de seu valor ao longo dos anos em função de escolhas tomadas. Enquanto hoje tais escolhas pareçam equivocadas, é possível compreender que se tratavam de apostas. Redes sociais eram uma tendência, mas não dava para imaginar o quanto revolucionariam a relação das pessoas com a internet. O streaming de vídeo conquistou grande público, mas poderia ter sido diferente caso o uso da internet tivesse tomado outro rumo. Apostar no Flickr e no Tumblr, embora tenha se mostrado algo fracassado, foi válido, afinal, o Instagram como rede de fotografia prova que o sucesso é possível.
Talvez se fechar e recusar negociações enquanto a empresa ainda valia mais tenha sido um grande erro, mas é inegável que a trajetória do Yahoo se tornará um exemplo para muitas empresas. Cabe agora à Verizon decidir o futuro da marca e conduzir, após uma injeção bilionária, os passos da empresa.