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Lei contra Fake News: guarda de mensagens do WhatsApp pode levar à vigilância

Por| 28 de Julho de 2020 às 16h45

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Em análise na Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL) 2.630/2020 tem como objetivo principal o combate à disseminação das fake news. Entre os vários pontos do texto que vêm sendo discutido, um deles chama atenção especial: trata-se do artigo 10, segundo o qual serviços de mensagens como WhatsApp e Telegram deverão guardar por três meses os registros de mensagens encaminhadas em massa nas plataformas.

Basicamente, o texto enquadra como encaminhamentos em massa os envios de uma mesma mensagem para grupos de conversas e listas de transmissão por mais de cinco usuários em um período de 15 dias, tendo sido recebidas por mais de 1 mil usuários. O acesso aos registros somente poderá ocorrer por ordem judicial.

E é o acesso a esses registros que vem gerando um intenso debate entre especialistas digitais, políticos e, claro, os administradores dos aplicativos de mensagens, principalmente o WhatsApp, o mais popular do país, presente em 99% dos celulares brasileiros e usado diariamente por 93% da população. E eles foram ouvidos na última segunda-feira (27) em audiência online na Câmara dos Deputados.

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A maioria se diz contra o rastreamento de mensagens 

Uma das vozes que mais se posicionou contra o artigo10 foi, naturalmente, o WhatsApp, maior afetado pelo PL. Dario Durigan, diretor de Políticas Públicas do WhatsApp no Brasil, afirmou que a rastreabilidade não existe em nenhuma democracia do mundo, é desproporcional, viola a privacidade, é ineficiente e abre margem a abusos. Ele ressaltou que tecnicamente a medida demandaria a identificação de todas as mensagens trocadas, e que 9 em 10 dos conteúdos no aplicativo são enviadas só de uma pessoa a outra.

Durigan afirmou que a plataforma já tenta combater a viralidade de mensagens, restringindo o compartilhamento. A empresa já havia reduzido o encaminhamento de mensagens para cinco vezes e, durante a pandemia de coronavírus, limitou o encaminhamento de mensagens para apenas um contato por vez. Segundo ele, isso reduziu o encaminhamento em 70%. Além disso, o WhatsApp já oferece controle de privacidade, vedando que pessoa seja incluída em grupo sem seu consentimento.

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O executivo também declarou que o WhatsApp já apoia a inclusão da obrigatoriedade dessas medidas na lei, conforme já prevê o projeto. O texto determina que as plataformas limitem o número de envios de uma mesma mensagem a usuários e também o número de membros por grupo, o que já está em prática no aplicativo. Além disso, elas deverão verificar se o usuário autorizou sua inclusão no grupo ou na lista de transmissão e desabilitar a inclusão automática. Durigan acrescentou ainda que a empresa sugeriu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibir o envio de mensagens eleitorais em massa nas eleições de 2020, o que foi acatado pelo tribunal.

Por fim, o representante do WhatsApp sugeriu, como alternativa à atual redação do artigo 10, que apenas após ordem judicial as empresas forneçam informações sobre interações de contas suspeitas, ou seja, quem trocou mensagem com quem, quando e de que lugar foram as mensagens foram enviadas. Para ele, isso pode ser efetivo para combater organizações criminosas, preservando a troca de mensagens privadas.

Rastreamento pode criar um sistema de vigilância

Além de Duriga, outras vozes contra o artigo 10 da PL 2.630 também participaram da consulta junto à Câmara. A presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife, Raquel Saraiva, acredita que o texto fere o direito à liberdade de expressão e o princípio constitucional da presunção de inocência. Para ela, o artigo atenta contra a privacidade e vai permitir a vigilância e o monitoramento dos usuários. “Isso pode permitir o cenário de perseguição de grupos vulneráveis”, avaliou.

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Raquel explica que os serviços não têm como prever quais mensagens atingirão os critérios legais para serem guardadas – ser encaminhada por mais de cinco usuários e ser recebidas por mais de mil usuários –, então todas as mensagens serão guardadas e poderão ser rastreadas. Ela acrescentou que os serviços terão de coletar mais dados dos que o necessário para seguir a lei, ferindo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP). Além disso, Saraiva destaca que a medida pode ser ineficaz para o fim que pretende, já que pode ela ser "driblada" se o conteúdo for copiado e enviado – em vez de encaminhado – ou se for feito um print do material antes de ser enviado.

Acesso não permitido

Já para a advogada Veridiana Alimonti, da Electronic Frontier Foundation, não se pode legislar pressupondo que a distinção entre comunicação pessoal e de massa é fixa. “Não é porque mensagem é repassada que ela perde o caráter privado”, destacou. Ela citou o caso de mensagens repassadas entre mulheres enfrentando violência doméstica e entre pessoas denunciando casos de abuso de autoridade. “Não é porque uma mensagem é enviada a todos os membros de um partido político ou a todos os membros de um sindicato que ela perde o caráter de privado”, acrescentou.

A advogada também destacou o risco de acesso indevido a essas informações, o que pode resultar em perseguições baseadas em diversas matizes, como política ou com razões homofóbicas. Ela acredita que a rastreabilidade de mensagens não é a resposta adequada para enfrentar o problema de disseminação de desinformação. Além disso, pontuou que não se pode legislar pensando em uma plataforma só, como WhatsApp.

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Por fim, Rodrigo Fragola, presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro) do Distrito Federal, também pediu a supressão ou adequação do artigo 10. Para combater o problema da desinformação, ele defende o aumento das penas para a disseminação de notícias falsas, a criação de juizados especiais sobre o tema, além de mais educação digital e transparência quanto aos conteúdos pagos.

Rastreamento também encontra posições favoráveis

Ainda que a questão do rastreamento de mensagens tenha mais posições contrárias, as opiniões a favor do texto também tem argumentos razoáveis. Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, avaliou que “a medida enfrenta o problema de maneira corajosa” e ressaltou que o problema da desinformação está concentrado em primeiro lugar no WhatsApp. Na visão dele, “esse é o único instrumento disponível para tratar da desinformação no aplicativo de mensagens”. Segundo ele, no caso da pandemia de Covid-19, o crime de encaminhar notícias falsas está matando pessoas, e hoje nada pode ser feito a respeito disso.

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Ortellado explicou que, na origem, aplicativos do gênero foram criados para substituir os serviços pagos de mensagens (SMS) das operadoras de telefonia. Mas, gradualmente, a ferramenta foi adquirindo também formato de massa – conversas em grupos, encaminhamentos, listas de transmissão –, gerando efeitos virais. Segundo ele, isso permite campanhas de desinformação protegidas por sigilo.

O texto do Senado, na opinião do professor, separa duas categorias de uso. “A medida é altamente proporcional e segue o princípio da guarda de dados pessoais para finalidade específica” acrescentou. Esse princípio está contido na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Coordenador dos debates na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) acredita que o tema é o mais delicado entre os tratados na proposta de lei de combate a notícias falsas. Para ele, é preciso olhar para a experiência internacional, mas também para a vida interna do País.

Projeto desidratado

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De forma geral, os senadores votaram uma versão bastante modificada do PL 2.630/2020, principalmente em relação à primeira versão.

Dentro dessa última versão da PL 2.630/2020 foram mudados alguns dos pontos mais polêmicos presente nas edições anteriores. A obrigatoriedade de identificação prévia para criar uma conta em redes sociais (a partir do uso de RG e foto) caiu. Agora, o usuário só precisará se identificar quando a rede social detectar que perfil apresente um comportamento que pode ser considerado suspeito e que traga ferramentas que tenham potencial de propagar desinformação.

Outro ponto derrubado foi o fim da obrigatoriedade de apresentar um número telefônico para criação de um perfil nas redes sociais. Foi inserido ainda a possibilidade de auto-regulação por parte das plataformas sociais e ainda regulamentação de uso de perfis do setor público nas redes sociais. Isso significa que deverá haver diferenciação (e responsabilização) quando alguém que ocupa um cargo público se manifesta nas redes como representante eleito ou como cidadão.

Além disso, a exigência de que os data centers das plataformas digitais tivessem de ficar baseados no Brasil também foi retirada. Isso porque ela contrariava tanto o Marco Civil da Internet, quanto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). As plataformas também devem identificar conteúdos impulsionados e publicitários, cujo pagamento pelo impulsionamento foi feito a elas.

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Fonte: Agência Câmara