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Como uma lei europeia pode censurar criadores e quebrar a internet para sempre

Por| 11 de Setembro de 2018 às 21h20

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Como uma lei europeia pode censurar criadores e quebrar a internet para sempre
Como uma lei europeia pode censurar criadores e quebrar a internet para sempre

Nesta quarta-feira (12), o futuro da Internet como conhecemos estará em jogo. Um nova série de regras envolvendo direitos autorais na Internet será votada pelo parlamento da União Europeia, e essas regras podem criar um verdadeiro colapso em toda a Internet.

Isso acontece porque, ainda que seja uma ideia bem intencionada para se modernizar as leis que regem os direitos autorais num ambiente online, há dois pontos nessa nova legislação que preocupam os ativistas que lutam por uma internet livre (e deveriam também preocupar qualquer pessoa que utiliza a internet). Chamados de Artigo 11 e Artigo 13, eles são contrapontos criados por pressão de detentores tradicionais de direitos autorais (aquelas produtoras que antecedem a internet e que, muitas vezes, ainda não conseguiram se adequar a ela), e que pegariam tão pesado nessa questão que, na prática, simplesmente impediria a existência de grande parte dos conteúdos existentes hoje — incluindo GIFs e memes.

Os Artigos do fim de tudo

Uma das medidas polêmicas dessa nova diretriz sobre direitos autorais, o Artigo 11 pode afetar diretamente blogs pessoais e sites de menor alcance. De acordo com a proposta do ato, seria criada uma “taxa de linkagem” para qualquer site que utilizasse mais do que “pedaços insignificantes” de conteúdos em seus artigos.

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A justificativa para essa taxa é que, devido à renda gerada a partir de clicks em um link de notícia, um blog que atrai visitantes a um post para assistir, por exemplo, um trailer da 13ª temporada de Doctor Who, não estaria exatamente divulgando de modo gratuito o conteúdo da BBC mas, segundo a interpretação proposta pelo Artigo 11, estaria utilizando um conteúdo cujos direitos autorais não pertencem ao site para gerar lucros pessoais, e por isso a cobrança da “taxa de linkagem”.

E, como o texto do Artigo prevê esse pagamento para todos os sites que praticam esse tipo de prática e não faz nenhum tipo de exceção àqueles que não possuem fins lucrativos, a aprovação deste ato pode significar que a Wikipedia seja obrigada a remover de seu site qualquer informação relativa a artistas e conteúdos midiáticos criados na Europa — ou tenha que pagar uma multa enorme para manter esses conteúdos no site.

Já o Artigo 13 é um que afetaria a internet como um todo, mas principalmente sites como YouTube, Reddit, Facebook e Instagram. De acordo com o texto do artigo, qualquer site que permite que os usuários postem textos, áudios, vídeos, fotos, linhas de código ou qualquer outro conteúdo cujos direitos autorais não pertençam ao usuário que está fazendo o upload torna-se responsável por qualquer violação de direito autoral que esse usuário tenha cometido, e assim se torna responsável por evitar que essas violações aconteçam. Na teoria, isso parece algo até razoável, mas a prática é um pouco mais complicada do que o texto do Artigo aponta.

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Da maneira que a Internet existe hoje, sites como Facebook e YouTube já possuem ferramentas que vasculham todos os uploads feitos por usuários na plataforma para violações em direitos autorais. Além disso, essas plataformas ainda garantem ferramentas para que as detentoras de direitos autorais possam contestar — e derrubar — vídeos que não foram barrados por essa “rede de proteção” no momento do upload.

O grande problema é que, hoje, todo o conteúdo existente no YouTube é baseado numa lei dos Estados Unidos: o Fair Use act (Ato de Uso Livre, em tradução livre), promulgado em 2007. De acordo com essa lei, todo trabalho que utilize conteúdo de direitos autorais de terceiros de maneira transformativa — ou seja, que utilize o conteúdo de outro apenas como uma ferramenta para a criação de um conteúdo próprio — não está infringindo nenhuma lei de direito autoral.

É essa lei que permite a existência de praticamente todos os vídeos existentes no YouTube hoje, entre eles os vídeos de Let’s Play, vídeos de React, comentários críticos, notícias semanais sobre determinados temas, e até mesmo memes. Claro, as empresas detentoras dos direitos ainda podem contestar a validade do conteúdo e, nesses casos, quem faz a mediação entre as duas partes é o próprio site.

Caso o Artigo 13 seja aprovado, a lei de Fair Use americana se tornará algo irrelevante ao se tratar de conteúdo pertencente à produtoras europeias. Isso, na prática, obrigará o YouTube a colocar regras ainda mais rígidas para o upload de vídeos na plataforma, e esses algoritmos certamente terão dificuldades para distinguir o que são conteúdos transformativos do que seriam reais violações de direito autoral, o que impediria que grande parte do conteúdo existente hoje no YouTube fosse publicado no site.

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Luta por uma internet livre

Enquanto políticos conservadores e lobistas da indústria do entretenimento — principalmente a fonográfica — fazem pressão para que a nova lei seja aprovada pelo conselho da UE, a esmagadora maioria dos pensadores e criadores de conteúdo para a internet se posicionam de modo contrário.

Em uma carta aberta enviada para o conselho da União Europeia, esses defensores afirmam que a aprovação dessas leis serão um passo em direção à transformação da internet de uma plataforma aberta para o compartilhamento de ideias, para uma ferramenta automatizada de controle e vigilância dos usuários. Essa carta é assinada por alguns dos principais pensadores da Internet como um todo, entre eles Tim Berner Lee (inventor da World Wide Web) e Jimmy Wales (um dos fundadores da Wikipedia).

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Eles atentam também para o que acreditam ser o principal problema dessa legislação: ao contrário do que alguns políticos possam imaginar, essa nova diretiva sobre as regras de direitos autorais não irá afetar apenas a Europa. Esses defensores apontam que nenhuma das inovações e interações existentes na internet e localizada, e criar uma possível ferramenta de censura para a região criaria um efeito dominó que afetaria de modo catastrófico usuários do mundo inteiro.

Ainda que seja impossível prever como será a votação de amanhã, Mona Ibrahim, uma das advogadas que luta para a não aprovação dessa lei, se mostra confiante. Ela aponta que há anos a cúpula da União Europeia vem lutando para garantir uma internet mais livre, e que outras tentativas das detentoras de direitos autorais em censurar conteúdos de usuários na rede já foram negadas em votações anteriores.

Assim, devemos ficar vigilantes para o que essa quarta-feira nos aguarda — mas, por enquanto, ainda não há motivo para alarde. Por enquanto.

Fonte: Slashdot, Polygon