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Análise | The Signifier adiciona política e psicologia a investigação criminal

Por| 10 de Novembro de 2020 às 11h45

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Divulgação/Raw Fury
Divulgação/Raw Fury

Investigações e inquéritos podem avançar até um certo ponto; eles podem vasculhar sua casa, obrigar você a prestar depoimento e até te encarcerar. Mas as nossas mentes permanecem como um ambiente inviolável, ainda que certos métodos físicos possam fazer com que o que está dentro, saia. O que acontece, então, quando essa barreira é transposta com o poder da tecnologia e, claro, acaba caindo nas mãos de governos e grandes corporações?

Essa é a premissa do Dreamwalker e, também, um dos pontos mais interessantes de The Signifier, ainda que seja um dos elementos que aparece em segundo plano na história. Na obra dos chilenos do Playmestudio, as barreiras entre realidade, memórias, sonhos e interpretações se misturam enquanto investigamos a morte misteriosa de uma executiva, que traz algo a mais do que aparenta. É como uma analogia do próprio game, que também traz, em seus desígnios, algo além de uma mera história de detetive.

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O plano principal é, sim, a morte de Johanna Kast. É a partir disso que se desenrolam tramas envolvendo os desígnios da inteligência artificial na vida das pessoas e a mão de ferro do governo sobre descobertas científicas, além do anseio de as utilizar de maneiras nem sempre moralmente adequadas. O jogador é Frederick Russell, cientista e inventor do Dreamwalker, que vê sua pesquisa recebendo o sonhado financiamento das mãos federais, ao mesmo tempo em que tem de lidar com as decorrências disso e, também, suas próprias questões pessoais.

Nesse ensejo, um passeio pelas memórias de Johanna serve quase que como um desligamento. Dentro das simulações, que transformam memórias em um ambiente navegável, ainda que abstrato, é apenas ele e as lembranças dela, ainda que a própria não tenha autorizado essa viagem. Quase dá para esquecer disso enquanto navegamos o labirinto da mente dessa executiva, mas sempre que encontramos alguma revelação ou lutamos para abrir um campo de pensamento que ela fez questão de esconder, não dá para não se lembrar de que estamos, basicamente, invadindo uma propriedade das mais sigilosas.

Essa fábula tecnológica se desenrola de forma artisticamente interessante, com as memórias vasculhadas se desenrolando como em uma série de quadros de arte abstrata, mas totalmente convergentes com a realidade. Chega a ser um choque quando exploramos, no mundo real, o que restou da casa de infância de Johanna, por exemplo, um lembrete duro de que os fatos sempre podem ser mais dolorosos do que como nos lembramos deles.

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E aqui estamos vasculhando apenas dois campos possíveis. The Signifier apresenta um enredo que acontece em diferentes planos, se é que podemos os chamar assim. Além do mundo palpável, temos a chamada Reconstrução Objetiva, que usa amplamente os poderes da inteligência artificial para limpar as memórias de sensações e outros elementos subjetivos, entregando um todo mais compreensível e limpo, ainda que abstrato. Nossas lembranças, porém, não se tratam apenas isso e, da mesma forma que podemos nos lembrar de uma viagem ao sentirmos o cheiro de uma comida, uma memória reconstruída apenas de informações concretas jamais será completa.

Entra em cena, então, a Reconstrução Subjetiva, que pode trazer memórias embaralhadas e fatos fora do lugar, além de conceitos um bocado lúdicos, como o de uma foto de cachorro que persegue Johanna pela casa, por exemplo. As distorções são comuns aqui, assim como os objetos fora de lugar, principalmente quando exploramos traumas e situações de alta carga emocional. E, em alguns momentos, ainda vasculhamos sonhos, cenários ainda mais surreais e subjetivos que firmam o tom de terror psicológico de todo o título.

Tudo, em The Signifier, diz alguma coisa, da mesma forma que o nosso cérebro está sempre registrando informações e catalogando os acontecimentos à sua própria maneira. É assim, também, que o Playmestudio desenvolve os enigmas e quebra-cabeças do título, com a transição entre diferentes planos, a observação de eventos em diferentes memórias e a reorganização de objetos que estão fora do lugar fazendo com que o abstrato se torne um pouco mais coerente. Aqui, vale tudo, desde manipular o tempo, andar de costas ou incorporar um cachorro.

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A tecnologia permite isso, mas muitas vezes, você se pegará questionando se está, realmente, em um lugar adequado. E quando a realidade aparece, na forma de uma ligação de um agente federal nervoso ou no convite aparentemente cordial de uma CEO bilionária para uma conversa cheia de intenções ocultas, o jogador pode sentir que existem poucas diferenças entre as amarras de uma e de outra, com a arte sendo uma das poucas distinções diretas e claras do que está acontecendo.

Profundo, mas com limites

Explicar o conceito de significante em um game, como The Signifier tenta fazer logo em seus momentos iniciais, é tarefa complicada. Da mesma forma, não dá para inundar o jogador com longas páginas de textos de psicologia e análise, enquanto as imagens do apartamento de Johanna podem parecer muito mais instigantes para a audiência em um momento no qual é preciso atrair os jogadores. A semiótica está presente em todos os aspectos do game, mas quem o analisar com a profundidade que ele exige, também, vai enxergar facilmente os trilhos no qual o título está posicionado.

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Temos, sim, um game cheio de decisões políticas e escolhas de abordagem que moldam a história e levam a diferentes finais e acontecimentos, ainda que os eventos do macrocosmo, digamos assim, permaneçam os mesmos. As memórias de Johanna, onde boa parte do título se desenrola, estão firmes no tempo, já que ela está morta, com os trabalhos de Frederick se desenvolvendo em uma parte mais aberta (mas nem tanto), e significativamente menor, ainda que, muitas vezes, mais interessante.

Na maioria do tempo restante, fica claro que estamos completando um quebra-cabeça quase simples, daqueles em que só há uma solução possível, ainda que ela esteja desenhada em uma arte abstrata interessantíssima e conceitos deliciosamente bizarros. Manipular objetos disformes para encontrar seu posicionamento no mapa é interessante no início, mas logo se torna uma tarefa um tanto básica já que existe pouca variação na utilização de tais objetos, assim como na forma como eles são utilizados para desbloquear novas memórias ou trechos difusos.

As formas criativas de lidar com alguns destes enigmas chamam a atenção, mas muitas vezes, isso acontece pelo fato de o jogador querer mais ideias desse tipo, e não o velho andar por corredores e clicar em indicadores de interesse que compreende a maior parte da experiência com The Signifier. Muitos dos significados envolvidos ficam na cabeça do jogador, que se não comprar a ideia e entrar na dança composta pelo Playmestudio, pode acabar não sendo cativado pelas discussões e ensejos tão interessantes que estão abaixo da superfície.

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Junte isso à movimentação um bocado truncada, com o ambiente se comportando como se a taxa de quadros por segundo do game estivesse oscilando, ainda que se mantenha estável, e a dificuldade de ler alguns dos textos tão interessantes que se misturam com o plano de fundo. The Signifier está todo dublado em inglês e localizado para o português, o que é bom para entender a profundidade dessa trama, ainda que a usabilidade nesse sentido não seja das melhores, com legendas que ultrapassam a barreira da tela em alguns momentos.

Da mesma forma que a percepção de realidade e as memórias são altamente particulares, The Signifier também apresenta uma proposta cuja experiência deve ser aprofundada de forma diferente para cada jogador. A profusão de elementos e abstrações deve ser um dos fatores para a curta experiência, que leva cerca de quatro horas para ser finalizada, enquanto o título serve como uma das tantas provas de que duração, em si, não é sinônimo de falta de conteúdo.

Material, aqui, tem de sobra, principalmente para aqueles que comprarem a ideia e se aventurarem pelas diferentes opções e possibilidades levantadas pelo título. Fazer isso, porém, pode não ser uma tarefa das mais simples, apesar de The Signifier nos presentear com significados diretos e abstratos a cada nova camada que decidimos explorar. A experiência com ele, no final das contas, acaba sendo como a própria história e ensejo apresentados, assim como a qualidade percebida, com critérios altamente subjetivos para cada um de nós.

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The Signifier foi lançado para PC em 15 de outubro de 2020, com versões para console ainda em desenvolvimento. O game da Playmestudio foi publicado pela Raw Fury, que concedeu gentilmente a cópia digital usada pelo Canaltech nesta análise.