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Babás oferecem serviço remoto no Brasil, mas pais ainda não adotam método

Por| 29 de Maio de 2020 às 09h53

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Reprodução/YouTube
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Maria Almeida Queiroga é babá há mais de uma década. O trabalho que começou como um bico para ajudar em casa se transformou em um ofício constante, divulgado no boca a boca entre clientes. Principalmente as mães de primeira viagem contam com ela para não só garantir a segurança dos pequenos, mas aprender os trejeitos da vida materna. Queiroga, contudo, agora está sem trabalho. “É a primeira vez desde quando eu comecei”, conta em entrevista ao Canaltech. “Já fiquei com pouco cliente, mas, assim, sem nada, é a primeira vez”.

Ela sofre das consequências do isolamento social, necessário para conter o avanço da COVID-19. De São Caetano, na grande São Paulo, evita sair de casa com medo do novo coronavírus. As clientes, antes fieis, também não a chamam mais, seja por medo ou para economizar no custo de R$ 30 a hora.

Queiroga não está sozinha. Não há um número exato para o ramo, que sofre com a informalidade. Contudo, números da Babysits, plataforma que funciona como mediadora entre quem procura e quem oferece serviço de babá, confirmam a queda na demanda. Uma espécie de "Tinder de babás e pais", o serviço permite que eles se escolham mutuamente e, havendo a vontade de contratação, a Babysits media a negociação e lucra em cima disso.

A plataforma viu queda tanto na oferta quanto na demanda, com menor inscrição de pais em busca de babás. “A gente vinha com um crescimento bom em março, mas caiu perto do dia 15. Foram 60% menos babás oferecendo e 80% menos pais procurando”, comenta Letícia Muniz, gerente de marketing digital da empresa no Brasil.

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Pelo computador

Sem poder sair de casa para trabalhar, as babás iniciaram uma nova modalidade: o atendimento remoto. A proposta é simples: o cliente fecha um horário, entre 45 minutos até 1h30 no máximo, pois os pequenos se distraem. A babá então prepara algumas atividades para serem feitas com os pequenos. No horário, os pais ligam um dispositivo com câmera junto à babá, que, do outro lado, começa a propor as atividades por meio da chamada de vídeo.

No começo de maio, uma reportagem do The Washington Post mostrou famílias que adotaram as babás remotas para aliviar a atenção dos filhos para dar conta do trabalho e cuidados da casa. Ainda é preciso que os pais estejam próximos da criança para ajudar na conexão e incio do trabalho. Depois, fica a cargo da babá segurar a atenção dos pequenos. Em um dos relatos apresentados pelo Washington Post, uma mãe lembra que seu filho de 4 anos preferiu brincar de comida, levando o alimento de mentira à tela, como se fosse na boca da babá. Nos Estados Unidos, o serviço custa US$ 36 (cerca de R$ 210, na cotação atual).

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Já aqui no Brasil, a modalidade começou a ganhar força, ao menos para quem oferece o trabalho. Segundo Muniz, no início de maio mais de 800 babás já adotaram a modalidade no Babysits. A média de preço é a mesma da visita presencial, cerca de R$ 20 por hora. As atividades podem envolver brincadeiras e até o ensino de línguas ou instrumentos.

“Minha primeira experiência como babá remota foi muito legal. Junto com a Victoria, nós aprendemos os números de 1 a 10 em inglês. Foi bem tranquilo fazer esse exercício remotamente. Às vezes, a conexão à internet era o único problema que tínhamos. Mas fora isso, foi muito útil para ela”, relata Elena Mancini, também gerente de marketing da Babysits, quem testou a plataforma internamente.

Apesar da proposta, o serviço ainda não tem grande penetração no Brasil. De acordo com Muniz, mesmo com mais de 800 babás oferecendo a atividade, os pais ainda não fecharam nenhuma contratação de babás remotas.

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Um dos entraves está em convencer que o serviço é diferente de simplesmente colocar a criança em frente a uma TV ou fazer uma conferência com algum familiar. “No videogame ou televisão, a criança é passiva, não está criando alguma coisa. A babá remota estimula a criança em uma atividade, como pintura, desenho, contação de história, com muito trabalho manual. Isso é importante para o desenvolvimento intelectual dela”, explica Muniz.

O Canaltech conversou com mães e pais para saber se contratariam um serviço do tipo. Mariele Mancini tem uma filha de 3 anos e meio. Advogada, precisa se debruçar com o marido para cuidar dos processos e das brincadeiras com a pequena e, antes do isolamento, já tinha uma babá chamada Amanda, que vinha com frequência.

Mancini disse que nunca pensou em contratar alguém por essa modalidade, mas confessa que já fez conferências com sua antiga babá (a quem continua pagando mesmo sem as visitas), para que a filhinha possa matar a saudade da “tia”. “Elas conversaram um pouquinho. A Amanda perguntou se estava fazendo o dever de casa, lavando as mãos. Mas o papo não durou mais de 15 minutos e já foi fazer outra coisa”, lembra Mancini.

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Do lado de lá

Quando Queiroga conversou com o Canaltech, não havia nem passado pela sua cabeça a possibilidade de oferecer seu serviço de babá remotamente. Ela achou a ideia interessante, mas o segundo questionamento foi: "como que faz isso?".

Ela começou a fazer o bico de babá exatamente pela falta de formação, mesmo do ensino médio. Chegou a fazer o serviço de faxineira também, mas não gostou. A profissional tem apenas um smartphone antigo, dado pelo vizinho, e crédito que coloca de vez em quando para falar com a mãe que mora em outra cidade. Conversa pelo WhatsApp por intermédio do filho mais velho, com quem compartilha o aparelho e que responde às peguntas pela mãe, de tempos em tempos.

O relato ajuda a lembrar que, do lado das babás, o trabalho remoto ainda como bico também bate em uma barreira de inclusão tecnológica. Para Queiroga, o trabalho geralmente inclui somente olhar os pequenos, dar banho, comida e garantir que se mantenham seguros. Quando o assunto é tecnologia, geralmente as crianças são os professores.

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Segundo levantamento do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), uma grande parcela da população brasileira segue desconectada, com 35 milhões de pessoas em áreas urbanas (23%) e 12 milhões em áreas rurais (47%). Entre a população das classes D e E, há quase 26 milhões (43%) de não-usuários. No total, um quarto da população brasileira não tem acesso à internet, totalizando 47 milhões de pessoas.

Na plataforma do Babysits, geralmente quem oferece o serviço são meninas, perto dos 20 anos, também como um bico para pagar faculdade ou garantir um dinheiro extra. Diferente de Queiroga, oferecem-se também para ensinar inglês, instrumentos ou contação de histórias.

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Daqui de casa

O Canaltech conta com mamães na equipe, as quais, como é de supor, têm afinidade com tecnologia. A nossa reportagem perguntou a algumas delas o que pensam sobre o serviço de babás remotas.

Para a editora Luciana Zaramela, o desafio está em manter a atenção das crianças por muito tempo:

“Como mãe de um menino de dois anos, acho que ainda não seria o momento de contratar uma babá online. Na fase pré-escolar, a maioria das crianças ainda não fixa a atenção por muito tempo em uma atividade só (entenda: tela. Mesmo que a babá proponha várias brincadeiras e conte histórias pela telinha). Entendo que a profissional iria interagir de maneira personalizada com meu filho e que isso poderia ajudar na hora do rush do home office, por exemplo, durante um dia, dois dias, uma semana, no máximo. Mas passado esse tempo, o que acontece? A criança enjoa e aí é que a mãe precisa dar seus pulos. Conhecendo a personalidade do meu filho, que ainda é muito pequeno, explorador e inquieto por natureza, não creio que o resultado seja mais interessante que deixá-lo perto de mim, brincando com água, depois com Lego, depois com o cachorro e o gato. Aqui em casa, ele mesmo cria suas brincadeiras e fica satisfeito se estiver perto da gente. No entanto, acredito que, para mães solo que precisam de um respiro na hora de se concentrarem no trabalho em home office, por exemplo, uma babá online possa ajudar, sim, e muito. Principalmente se a criança tiver três anos ou mais”, relata.
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Outra mamãe do Canaltech é a editora Stephanie Kohn. Ela também acredita que um auxílio remoto é bem-vindo, mas que seria difícil sua filha de 4 anos querer conversar com alguém estranho a ela. “Minha mãe fica, às vezes, 1h30 com a Maíta no Facetime brincando. A Maíta mesmo fica com a melhor amiga brincando, já chegaram a ficar umas 3 horas nesta. Rolou até cabaninha por conferência [risos]. Por conta disso, não pagaria uma babá para fazer isso e acho que a Maíta não curtiria ficar com alguém desconhecido”, acredita.

Além disso, a atenção na tela, segundo Stephanie, não seria duradoura. “Tem outro ponto. Isso que lhe contei foi no primeiro mês de quarentena. Agora, ela nem suporta mais ficar tanto tempo em videoconferência. Enjoou”, diz.