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O Marco Civil foi aprovado. E agora, o que vai mudar na internet brasileira?

Por| 23 de Abril de 2014 às 16h17

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Há quase três anos, tramitava na Câmara dos Deputados o chamado Marco Civil, um projeto de lei que reúne os direitos, deveres e garantias das empresas e usuários de internet no Brasil. Ao longo dos últimos meses, a proposta desse conjunto de sanções ganhou força no Congresso Nacional e nas redes sociais não apenas para regulamentar o uso da web em território, mas também servir de exemplo a países que ainda não possuem leis voltadas para o mesmo objetivo.

O projeto foi aprovado na Câmara em 25 de março deste ano, até que finalmente, na noite desta terça-feira (22), recebeu a mesma aprovação pelo Senado. O último passo aconteceu na manhã de hoje (23), quando a presidente Dilma Rousseff sancionou oficialmente a lei durante o NET Mundial, encontro internacional realizado em São Paulo que discute a governança na web. "A internet que queremos só é possível em um cenário de respeito aos direitos humanos, em particular à privacidade e à liberdade de expressão. Os direitos que as pessoas têm off-line também devem ser protegidos on-line. (...) O Brasil defende que a governança da internet seja multissetorial, multilateral, democrática e transparente", destacou Dilma.

De 2011 para cá, o texto original do projeto sofreu alterações. Algumas delas, como já explicamos em uma matéria no ano passado, foram bastante polêmicas, como a queda da obrigatoriedade de instalação de data centers no Brasil – uma ação que pode ter beneficiado várias entidades de tecnologia, como Google e Facebook, mas que, involuntariamente, contribuiu para que o Marco Civil fosse votado com mais rapidez.

Além disso, há ainda muita gente que desconhece qual o verdadeiro significado do Marco Civil. Não apenas para o Brasil, mas também para o resto do mundo. Por isso, o Canaltech preparou um guia com os principais pontos do texto e o que vai mudar (ou permanecer) daqui para frente na internet brasileira.

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Afinal, o que é o Marco Civil?

Trata-se de uma espécie de Constituição que reúne as leis básicas que definem os princícipos, garantias, direitos e deveres para quem usa internet no Brasil. A medida é válida para os mais de 100 milhões de usuários conectados e também para empresas que usam a rede ou oferecem qualquer tipo de serviço, programa, produto ou infraestrutura que garante o funcionamento da web para outras pessoas. Isso engloba desde gigantes da tecnologia, como Google, Apple e Facebook, como também órgãos nacionais, incluindo o Ministério Público e a Polícia Federal.

Por que o projeto demorou para ser votado?

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O deputado Alessandro Molon, relator do projeto do Marco Civil da Internet (Foto: Divulgação)

O governo já estudava criar um conjunto de regras para web quando Luiz Inácio Lula da Silva ainda era presidente, mas a proposta só começou a ganhar forma quando o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) foi escolhido como relator do projeto. Molon, que era professor de história, realizou diversas palestras e audiências públicas para discutir o projeto, sempre dando espaço aos cidadãos que quisessem interagir e ajudar no desenvolvimento do texto.

O problema é que, naquela época, o ministério Dilma não analisou o caso com atenção porque considerava outras pautas mais importantes, entre elas definir uma base de apoio no Congresso. Soma-se a isso um dos principais motivos que atrasaram a votação do Marco Civil na Câmara: a neutralidade de rede. Vamos explicar melhor logo abaixo, mas basicamente é um trecho que garante igualdade de acesso a qualquer conteúdo na internet para todos os usuários.

As empresas e provedoras, por outro lado, queriam exatamente o oposto, ou seja: oferecer planos e serviços com diferentes velocidades de acesso e preços. A justificativa das companhias era de que essa estratégia daria mais liberdade de escolha ao usuário, que poderia selecionar um pacote mais barato e apenas com o conteúdo desejado. Para se ter ideia, a neutralidade de rede foi o ponto mais discutido até o último momento antes da votação do projeto seguir para o Senado, e quase chegou a ser retirada da proposta.

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Fora isso, Molon fez algumas mudanças no texto original para agradar a outros partidos, como o DEM e o PSDB. Mesmo assim, a proposta ainda não tinha muitos aliados no Congresso e era desconhecida pela maioria da população. Talvez um dos poucos casos de grande repercussão que acendeu o Marco Civil foi o da atriz Carolina Dieckmann, que em 2012 teve fotos íntimas divulgadas na internet depois de ter o computador invadido. O governo até criou uma lei – conhecida popularmente como Lei Carolina Dieckmann – que já está em vigor e pune quem acessa arquivos de outras pessoas sem autorização, mas nada tão complexo quanto o projeto do Marco Civil.

O projeto só ganhou relevância nacional em junho do ano passado, logo após as denúncias do ex-técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos, Edward Snowden. Os documentos comprovaram um gigantesco sistema de espionagem online conduzido há anos pelo órgão norte-americano, e que afetava desde usuários comuns até grandes companhias, diplomatas e chefes de Estado. Entre eles a Petrobrás e Dilma Rousseff. A presidente inclusive cancelou uma visita oficial a Barack Obama em Washington e criticou o monitoramento da NSA na abertura da Assembleia Geral da ONU.

(Foto: AP)

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Foi o pontapé inicial para que o Marco Civil se destacasse na Câmara. Desde outubro de 2013, o projeto circulou com pedido de urgência feito pela própria Dilma, que se encontrou com Molon diversas vezes para saber como andava a proposta. Em uma dessas visitas, ela sugeriu que o texto incluísse um trecho para obrigar empresas de tecnologia a construir data centers no Brasil. A estratégia seria uma medida de segurança para evitar outros possíveis casos de espionagem.

Fato é que a ascenção do Marco Civil ganhou apoio não apenas da presidente e de vários políticos, mas também de algumas personalidades. Entre os que defenderam a aprovação do projeto estão o cantor e ex-ministro da Cultura, Gilbero Gil, os humoristas Gregório Duviver e Rafinha Bastos, o ator Wagner Moura, o filósofo francês Pierry Lévy e o britânico Tim Berners-Lee, considerado o cridador da rede mundial de computadores, a WWW. Órgãos como o Procon e Idec também apoiaram a causa.

O que muda daqui para frente?

É importante lembrar que o Marco Civil passou por mudanças nos últimos três anos, mas poucas foram realmente significativas. Uma delas foi justamente a instalação de servidores no país, que não obriga mais que as companhias construam novos data centers localmente. Apesar da alteração, o projeto deixa claro que as entidades de internet que prestam serviços aos brasileiros ficarão submetidas à legislação do país, mesmo se forem empresas com sedes em outros países.

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Existem três pilares fundamentais que vão reger o uso de rede no Brasil. Veja abaixo.

  • Neutralidade de rede

(Foto: Divulgação/Samsung)

O princípio de neutralidade de rede também foi outra questão defendida pela presidente Dilma logo após as revelações de Edward Snowden. Aprovada junto ao projeto, a medida garante que os provedores não podem ofertar conexões diferenciadas. O que fica determinado é o seguinte: a partir de agora, o usuário tem, por lei, o direito de acessar qualquer conteúdo na web com a mesma velocidade – de acordo com o valor do pacote contratado. As empresas poderão continuar vendendo planos de dados diferenciados por velocidade, mas com igualdade de navegação.

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Dessa forma, ao comprar um plano de internet, o usuário paga somente pela velocidade contratada e não pelo tipo de página em que vai navegar. Por exemplo, se ele acessar um serviço de e-mail com velocidade de 1 Mbps, que correspondem à velocidade do plano contratado, o mesmo 1 Mbps deverá funcionar quando ele for visualizar um vídeo no YouTube ou abrir um site qualquer. Além disso, a regra prevê que a velocidade de acesso daquele pacote não seja reduzida.

A neutralidade de rede ainda será regulamentada por meio de decreto após consulta à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor da Internet (CGI). Em seguida, a lei seguirá para o Poder Executivo, que vai detalhar como será aplicada e quais serão as exceções. Essas exceções só vão ocorrer em "serviços de emergência" ou transmissões de vídeos ao vivo, que poderão ter maior prioridade do que outros serviços, como acesso a e-mails.

  • Privacidade

(Foto: Reuters)

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Para evitar o monitoramento cibernético, o Marco Civil determina que todo usuário de internet não terá sua privacidade violada, nem seus dados comercializados livremente por provedores de internet. Será proibido vigiar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo acessado pelo internauta. A única exceção à nova lei é por meio de ordens judiciais para fins de investigação criminal solicitadas pelo próprio usuário ou em casos de justiça, como já acontece em situações que exigem a quebra de sigilo telefônico.

Sobre o armazenamento de dados, o projeto assegura a proteção de dados pessoais e registros de conexão. As empresas serão obrigadas a guardar os registros das horas de acesso e do fim da conexão dos usuários pelo prazo de seis meses, mas essa prática deverá ser feita em um ambiente controlado da prórpia companhia, ou seja, não deverá ser feito por outras organizações.

Todos os sites de internet deverão avisar o usuário se seus dados ficarem armazenados, e não será permitido guardar informações adicionais que não sejam necessárias ou que não foram autorizadas pelo internauta. Isso vai garantir, entre outros objetivos, que as empresas não utilizem fotos e dados para fins comerciais sem que o usuário saiba ou libere o uso da própria imagem. Esta é uma das razões pelas quais é essencial ler os termos de uso do site acessado, pois é lá que estão essas informações.

Também fica proibido que as companhias colaborem com órgãos de informação estrangeiros divulgando qualquer dado pessoal e registros de conexão do usuário. As corporações que descumprirem a lei poderão ser penalizadas com advertência, multa e até proibição definitiva de suas atividades, além de penalidades administrativas, cíveis e criminais. Há ainda uma regra que determina que as empresas criem mecanismos de segurança para garantir, por exemplo, que os e-mails só serão lidos pelos emissores e destinatários da mensagem. Além disso, o usuário terá o direito de pedir a exclusão definitiva dos dados fornecidos a sites em que ele preencheu determinados cadastros, como redes sociais e provedores de e-mail.

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  • Retirada de conteúdo

(Foto: AAP)

De acordo com o projeto, provedores de conexão à internet e sites não serão responsabilizados pelo conteúdo publicado por internautas e terceiros. Segundo Alessandro Molon, o objetivo da lei é fortalecer o artigo 20 do Marco Civil, que garante a liberdade de expressão na web, e impedir a chamada "censura privada". Isso significa que não cabe ao provedor de rede escolher qual conteúdo fica ou sai do ar, já que não é obrigação da empresa decidir quais manifestações dos internautas são legais ou não.

A proposta prevê que um conteúdo poderá ser retirado do ar somente com ordem judicial que vai definir se a mensagem, foto, vídeo ou documento é ofensivo e denigre a vítima que aparece naquele conteúdo. A lei deve beneficiar principalmente usuários vítimas da "pornografia da vingança", quando vídeos e imagens de relações íntimas são expostas na internet pelo namorado ou namorada. Os provedores de aplicações (ex: Facebook, Google) só serão punidos se não acatarem a decisão da justiça de retirar tais conteúdos do ar.

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"À Justiça é que cabe dizer o que é legal ou ilegal. Se um provedor de conteúdo – uma rede social, por exemplo – receber uma notificação de alguém que se sinta incomodado por qualquer comentário de um internauta e não retirar esse conteúdo, então passará a responder por ele", explicou Molon.