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Ação no STF pode atrasar investigação de crimes em apps e redes sociais

Por| Editado por Claudio Yuge | 27 de Maio de 2022 às 20h30

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Divulgação/STF
Divulgação/STF

Uma ação que tramita há anos na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) pode atrasar de forma significativa a obtenção de dados pelas autoridades para investigação de crimes cometidos em aplicativos e redes sociais. O processo, protocolado em 2017 e que vem entrando e saindo da pauta da corte desde então, deseja centralizar solicitações desse tipo sob um tratado assinado em 2001 entre os governos do Brasil e EUA, aumentando em meses o tempo necessário para a obtenção de provas a partir de tais solicitações.

Trata-se da Ação Declaratória Constitucional (ADC) número 51, ajuizada pela Associação de Empresas de Tecnologia da Informação (Assesspro). O objetivo é substituir o método atual de solicitações de informações a aplicativos que prestam serviços no Brasil, em que cada corte é responsável por emitir pedidos de acordo com a necessidade das autoridades locais, o que também vale para a aplicação de multas e sanções envolvendo o bloqueio de apps no Brasil.

A relação mais próxima entre a ação e o modelo jurídico atual é recente. Em março deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, pediu o bloqueio do Telegram em todo o país pelo descumprimento de ordens judiciais relacionadas a grupos que disseminavam fake news. A proibição, entretanto, não chegou a acontecer, já que dois dias depois da ordem, o mensageiro cumpriu as ordens e, também, publicou um pedido de desculpas em nome de seu CEO, Pavel Durov.

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Decisões locais, entretanto, também podem ter escopo nacional. Em 2015, por exemplo, a justiça de Teresina (PI) ordenou o bloqueio do WhatsApp em todo o Brasil depois que a empresa não concedeu informações à polícia, em uma investigação criminal; o mesmo também aconteceu em 2018, pela Vara Criminal de São Bernardo do Campo (SP) e, depois, em 2016, em pedido da comarca de Sergipe. Nos dois últimos casos, as suspensões foram de 14 horas e um dia, respectivamente.

“A ADC 51 foi uma estratégia jurídica usada por alguns provedores e redes sociais para impedir que os juízes locais os obrigassem a revelar informações que elas não poderiam ou queriam revelar, pois não possuem acesso à base de dados que está lá fora”, explica Marcelo Carpender, sócio do escritório Sergio Bermudes Advogados. É ele, também, que trabalha como parte contrária à ação, representando a Associação Brasileira de Rádio e TV (ABERT) junto ao relator do caso, o ministro Gilmar Mendes.

Para ele, a questão é taxativa: aplicativos, serviços e redes sociais precisam atender às decisões das cortes brasileiras no que toca o fornecimento de informações. “Não é razoável criar uma bolha dentro de nosso país, de empresas que prestam serviços em território nacional, para brasileiros, mas não seguem as regras locais. Assim, você está ferindo a soberania do próprio povo”, continua o especialista.

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Após bloqueios, surge o ADC 51

Em entrevista ao Canaltech, Carpenter traça uma ligação direta entre a Ação Declaratória Constitucional (ADC) número 51 e os primeiros casos em que ordens de bloqueio de aplicativos foram emitidas no Brasil. A ideia, para ele, era de que o nosso país estaria indo contra a tendência mundial, mas ao mesmo tempo, com tantos pedidos sendo feitos por diferentes comarcas regionais, havia um problema para as representações locais das plataformas, que muitas vezes, se viam impedidas de atender aos pedidos por determinações de fora.

“Quando as multas [pelo não atendimento de ordens judiciais] não funcionavam mais, começaram a vir os pedidos de retirada do ar, o que deixou todos muito chocados. [As empresas] precisavam de um escudo para se protegerem em todas as frentes, então foi buscada a ADC como solução em um curto espaço de tempo”, explica. Surge, então, a ideia de aplicar o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT, na sigla em inglês) firmado entre Brasil e EUA como regra geral de acesso às informações dos usuários de apps.

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A partir daí, surge um debate que o advogado considera como pouco usual. Normalmente, ações desse tipo surgem como forma de declarar que uma regra vigente é inconstitucional; desta vez, entretanto, a solicitação é inversa, com a ADC 51 pedindo que o STF aponte que o uso do tratado internacional é o caminho a ser seguido. “A ideia é lutar contra decisões judiciais esparsas e buscar um mecanismo mais poderoso, com a decisão produzindo efeito geral”, aponta Carpenter.

Na visão do especialista, esse tipo de determinação não é mais adequada, já que os pedidos de informação precisam ser avaliados caso a caso. A morosidade no atendimento é o principal fator contrário aqui, com pedidos podendo levar até 13 meses para serem atendidos — em muitos casos, o tempo é mais do que suficiente para tornar a investigação irrelevante, entrando em conflito direto com o trabalho das autoridades e forças de segurança. Isso se deve à mudança no mecanismo de solicitação.

Hoje, as ordens desse tipo são emitidas pelos juízes diretamente às empresas, que atendem ou não à solicitação. Sob a ADC 51, as comarcas devem submeter tais pedidos ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), que por sua vez, os envia ao Departamento de Justiça dos EUA. A determinação de cumprimento pelo fornecedor de serviços vem apenas após a avaliação do órgão. “A decisão pode causar um engessamento total na interpretação da regra constitucional, criando um ambiente mais tóxico de utilização das redes sociais”, completa o especialista.

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Ele enxerga uma relação óbvia entre o pedido de suspensão do Telegram, em março, e o retorno do julgamento à pauta do STF, em maio, pela segunda vez em 2022. Na visão dele, a ausência de respostas por parte do mensageiro foi um desrespeito inaceitável à maior corte do país, mas também mudou a postura em relação à ADC 51, que pode começar a ser vista como um mecanismo antiquado. “Se a ação tivesse sido aprovada antes, Alexandre de Morais não poderia ter solicitado a suspensão do app no Brasil”, completa, já que as solicitações deveriam seguir os trâmites ligados ao acordo de cooperação internacional.

Ainda que a abertura da Ação Declaratória Constitucional (ADC) número 51 seja um reflexo direto da movimentação dos aplicativos e redes sociais para criar um ordenamento jurídico quanto aos pedidos de informação, Carpenter não vê má fé nesta ação. “Acho, genuinamente, que as empresas querem cooperar. Não há nenhum interesse em ‘comprar um barulho’ que nada tem a ver com elas. Mas ao mesmo tempo, existem uma preocupação com o modelo [das solicitações] e sobre quem decide quais informações serão compartilhadas”, afirma.

O advogado também pondera sobre o atendimento de ordens judiciais locais, principalmente, em países ou regiões nos quais o judiciário é mais politizado, assim como em ditaduras ou democracias não tão estáveis. A alegação usual das plataformas, neste sentido, é o combate ao uso ostensivo de ordens judiciais que visam obter informações de opositores políticos ou tentam ferir a liberdade de expressão.

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Para Carpenter, as plataformas que desejarem fornecer serviços em um determinado país devem cumprir as regras e leis do território. Na visão dele, isso é inevitável e, caso as normas não tragam segurança suficiente para que esse trabalho seja realizado, o ideal é não atuar, em vez de descumprir as regras.

O especialista também não vê a ADC 51 como um caminho para reduzir a fricção entre o judiciário e as empresas. Hoje, segundo dados do Ministério da Justiça, 74% das solicitações de dados feitas pelas autoridades brasileiras não são atendidas; as incertezas em relação à ação, afirma, não fazem valer a pena as incertezas, bem como a demora maior para envio dos dados quando os pedidos, efetivamente, forem aceitos.

Atualização como caminho melhor, mas também mais demorado

O uso de uma regra generalizada, assinada há mais de 20 anos, soa dissonante em um cenário de utilização constante das redes sociais e, mais do que isso, participação frequente dos aplicativos e serviços digitais no debate público. Isso, inclusive, deve ser levado em pauta pelo Supremo Tribunal Federal em um novo julgamento.

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“A criação de um modelo mais racional é muito mais lógica do que a interpretação de uma regra muito antiga”, concorda Carpenter. Para ele, o prosseguimento ou não da ADC 51 também está relacionado a uma dificuldade de se estabelecer um diálogo sobre isso no legislativo, onde, afirma, a conversa deveria acontecer. “Sem o parlamento, a ‘bomba’ explode no colo do Supremo, que acaba tendo de criar regras e realizar as discussões.”

Carpenter ressalta ainda a ampla participação da sociedade nos debates, com a apresentação de relatórios técnicos por diferentes entidades do setor de tecnologia. Na visão do advogado, o Supremo Tribunal Federal tem condições de tomar a melhor decisão sobre o caso, ainda que não seja o ambiente mais adequado. Ele, entretanto, aposta que isso não deve acontecer tão cedo, se é que um julgamento efetivamente virá.

Primeiro, há a questão política, já que 2022 é um ano eleitoral em que as redes sociais e aplicativos serão questões fundamentais. Uma decisão, qualquer que seja, poderia inflamar o debate de todos os lados, enquanto a ideia de um mecanismo que gere mais morosidade pode acabar não soando como a mais adequada. Na visão do especialista, o STF deve aguardar até que tenha mais liberdade para decidir, principalmente diante do possível engessamento do sistema.

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Por outro lado, Carpenter aponta outra via, na qual o Supremo Tribunal Federal pode estabelecer uma orientação sobre os pedidos de informação às empresas estrangeiras, mesmo sem relação à ADC 51. “Não julgar não quer dizer não decidir. [A corte] pode estabelecer uma orientação que vale dali para a frente”, completa.

A Ação Declaratória Constitucional (ADC) número 51 foi colocada em pauta pela última vez pelo presidente do STF, Luiz Fux, em 5 de maio de 2022. No dia 11, entretanto, ela foi excluída do calendário de julgamentos e, até o momento, não existe nova data para avaliação do processo nem previsão de quando isso poderá acontecer.