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Análise | Cyberpunk 2077 apresenta mundo interessante em experiência inacabada

Por| 18 de Dezembro de 2020 às 09h55

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Divulgação/CD Projekt Red
Divulgação/CD Projekt Red

A cada geração de videogames, existem aqueles jogos revolucionários, que definem as coisas e mostram até que ponto narrativas, sistemas e potencial gráfico podem seguir. Tais títulos são como um adeus para os velhos consoles, que demonstram seu potencial máximo e abrem as portas para tudo o que está vindo de novo, seja na melhoria daquilo que já impressiona ou com dinâmicas completamente novas. Cyberpunk 2077 não é nada disso, apesar da expectativa e das divulgações terem passado essa exata impressão.

Jogando o título, nem parece estarmos diante de uma obra da CD Projekt Red, a mesma empresa que nos entregou, em 2015, aquele que até hoje é considerado um dos melhores jogos da geração que acabou agora: The Witcher 3. Acima de tudo, e talvez no mais inaceitável de tudo, a sensação é de estarmos diante de um título ainda inacabado, cuja performance é um pouco melhor nos PCs e incrivelmente problemática nos consoles básicos — mesmo que tudo funcionasse, ainda estariam plenamente visíveis as falhas inerentes a seu design e sistemas.

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A história de V, personagem principal que o jogador escolhe o gênero e um de três alinhamentos, nos joga de cabeça em um universo decadente e cheio de histórias a contar, com personagens chamativos e bastante característicos. A presença de Keanu Reeves abrilhanta o elenco, com o ator interpretando o centro da trama, na forma de Johnny Silverhand, mas não sendo, nem de longe, o mais interessante — uma escolha difícil de ser feita e com respostas diferentes para cada um. Entre Judy, Panam, Claire e Jackie, porém, efetivamente explorar esse mundo não é experiência das mais agradáveis.

E isso não se deve apenas à esmagadora presença de bugs e falhas no processamento de texturas, personagens, elementos de cenário, armas, interações com objetos e praticamente todos os aspectos que permeiam a jogabilidade de Cyberpunk 2077. Dizer que esta é uma aventura truncada é ser amigável com um título que parece ter passado por pouquíssimo polimento. Aqui, a CD Projekt Red entrega um game que roda mal, sendo apenas pior ou um pouco melhor de acordo com a plataforma que o usuário tem em casa.

Grande parte de nossa experiência se baseia em Cyberpunk 2077 rodando no Xbox Series X por meio da retrocompatibilidade, já que a edição de nova geração ainda não saiu. Por conta do hardware superior da plataforma, não enfrentamos muitos dos travamentos que os usuários do PlayStation 4 base ou dos modelos mais modestos do Xbox One ainda encaram mais de uma semana depois do lançamento. No PC, as coisas seguem um pouco melhor, desde que sua máquina esteja dentro das configurações recomendadas; a realidade é que, para quem não tem equipamento de ponta, viver em Night City é uma experiência absolutamente frustrante.

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Fomos impedidos de finalizar uma das primeiras missões do game, por exemplo, quando o personagem que nos acompanhava travou dentro de um cenário e não conseguiu sair; tínhamos que falar com ele para finalizar o objetivo, mas isso não era mais possível, exigindo que um save fosse carregado e toda a sequência de combate, repetida. Andando por Night City em uma corrida que deveria ser frenética, vimos carros caindo do céu ou batendo em barreiras invisíveis no cenário, enquanto a cabeça de alguns oponentes tremelicava estranhamente como se eles estivessem tendo um ataque durante o tiroteio.

Esses são apenas três exemplos das dezenas de falhas encontradas durante nosso tempo com Cyberpunk 2077. As redes sociais estão recheadas de clipes e imagens relatando problemas dessa categoria, e não é por acaso, já que, nesta distopia futurista, nada parece funcionar direito e um travamento ou reinicialização a partir de dados salvos estão sempre prestes a acontecerem. São elementos que quebram a imersão tão necessária para uma história desse tipo, com um grande fluxo de elementos narrativos, textos para serem lidos e detalhes para se reparar; meio complicado de fazer isso quando estamos diante de um inimigo que não morre nunca ou quando precisamos seguir adiante ao lado de um personagem que desapareceu de vista.

Questões ainda mais complexas, porém, estão sendo resolvidas. No lançamento, Cyberpunk 2077 chegou aos consoles da marca Xbox com a dublagem em português desabilitada, enquanto padrões de luz em determinados momentos poderiam causar ataques epilépticos nos jogadores. Atualizações que chegaram dias depois solucionaram tais questões, mais graves que todo o bolo de bugs em que o título se transforma às vezes, e servem como mais alguns exemplos, entre tantos, de um game que parece não ter sido testado antes de chegar às nossas mãos.

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Seria ótimo, e principalmente, solucionável, se esses fossem os únicos problemas do game, e não apenas os mais perceptíveis. Da mesma forma que Night City e muitos de seus cidadãos vivem uma vida de aparências, escolhendo ignorar o que muitas vezes está diante dos olhos, em Cyberpunk 2077 o buraco também é mais embaixo.

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O título da CD Projekt Red é claramente ambicioso. Isso se aplica não apenas ao escopo do mundo e suas características de verticalidade e variedade de terrenos, mas também em seus próprios sistemas e mecânicas, que mesclam elementos de RPG e shooter com uma boa dose de hacking, exploração de cenários, economia, montagem de builds para o personagem, implantes mecânicos, upgrades e níveis de habilidade, resultando em versões de V que, quase sempre, serão únicas e exclusivas para o jogador, guiadas pela experiência de cada um.

Junta-se a isso uma esmagadora quantidade de missões principais e secundárias, com a história se desenrolando por diferentes caminhos e permitindo que o usuário trabalhe ao lado dos personagens que mais chamam a atenção e até despreze outros, seja pelas opções de diálogo ou, simplesmente, por selecionar uma linha de objetivos em detrimento de outra. O submundo de Night City está sempre ao telefone, oferecendo ao jogador pequenos e grandes trabalhos que valem dinheiro e prestígio, ou que podem acabar alterando as estruturas fundamentais da cidade.

O problema é que muitas dessas dinâmicas não são explicadas muito bem, e da mesma forma que Cyberpunk 2077 possui um prólogo que pode ter algumas horas de duração, o jogador também deve investir um bocado de tempo tentando entender como tudo funciona. Não é simplesmente a falta de tutoriais ou explicações, mas também de acessibilidade nos menus, sempre cheios de informações e uma insistência, do game, em jogar tudo em cima do usuário de uma vez, exigindo que ele se vire para entender exatamente o que está acontecendo.

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Logo nas primeiras horas, uma chuva de missões estará habilitada, mas, ao seguir alguma, o jogador perceberá não estar pronto, seja pela falta de dinheiro para pagar a aposta de uma luta ou por estar encarando inimigos fortes demais. A indicação, neste segundo caso, é básica demais, indicando apenas o nível de perigo envolvido em um objetivo, e não necessariamente se o armamento, nível e poderes do protagonista são páreos para o cumprir.

Da mesma forma, o alinhamento entre V e os personagens não recebe quase nenhuma profundidade, com alianças entre elementos centrais da trama aparecendo e sumindo sem que a gente entenda exatamente o que fez para que isso aconteça. Não se surpreenda caso aquele que até cinco minutos antes era um inimigo te ligue oferecendo uma chance de ganhar dinheiro ou caso uma NPC que apareceu brevemente faça um telefonema te chamando para o quarto, sem que você nem se lembre direito como a conheceu ou seu envolvimento com ela.

Quebras de narrativa também estão por todos os lados e são decorrentes de bugs encontrados pelo caminho (ou não). Em determinado momento do processo de análise, por exemplo, recebemos uma chamada de um contato para seguir a um determinado local receber uma recompensa, mas, ao fazer isso de forma imediata, fomos recebidos pelo próprio com um questionamento sobre o que tínhamos ido fazer lá. Em outra missão de corrida, a polícia era continuamente ativada, ainda que não fosse impossível impedir o tiroteio causado pela nossa parceira de velocidade, transformando a disputa em uma ameaça dupla e fazendo com que todo o mundo se comportasse de forma errática.

Elementos de design mal trabalhados se unem a tudo isso para, de forma ainda pior, quebrar a bolha da imersão. Entre os piores momentos de Cyberpunk 2077, está precisar desesperadamente de um carro para fugir de um ataque que deu errado apenas para perceber que, durante os tiroteios, todos os elementos do cenário desaparecem, com as ruas já não muito cheias de Night City se assemelhando a Silent Hill de tão vazias. Isso sem falar na polícia, que sempre surge atirando nas costas do jogador a metros de distância, ou dos NPCs que somem e reaparecem em plena vista, assim como suas texturas e objetos que carregam, muitas vezes tirados de vocês sabem onde.

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Existe, sim, uma diferenciação clara entre missões primárias, que avançam a história, secundárias, acessíveis a partir do menu, e, vamos dizer, terciárias, que aparecem de forma aleatória pelo mapa. O jogador até consegue focar sua rota em, por exemplo, conseguir dinheiro, que não vem fácil, para comprar um carro ou mais armamento, mas pode acabar capotando em missões que exigem, obrigatoriamente, um montante para prosseguir. Lá se vão as economias, sem que a recompensa, muitas vezes, compense o gasto.

A ambição da CD Projekt Red em incluir sistemas, diferentes abordagens, ideias e conceitos, no final das contas, acaba transformando o game em uma massa um tanto disforme, em que é possível fazer muita coisa, mas nada marca de verdade. Com exceção dos personagens centrais, todas as outras etapas são básicas demais ou extremamente confusas, enquanto o jogador nem sempre consegue fazer uso de tudo o que é apresentado simplesmente por não entender bem o funcionamento desses elementos. Não é como se Cyberpunk 2077 se tornasse um game repetitivo, mas, sem dúvida, tantas quebras devem tornar uma experiência que já não é das mais dinâmicas em algo ainda menos atrativo.

Distopia e decadência

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Ainda assim, e mesmo com todos esses problemas, os jogadores que conseguirem ser fisgados pela trama de Cyberpunk 2077 e seus elementos sentirão aquela vontade de retornar ao game e encarar suas falhas. É aquela sensação de realizar só mais uma missão para ver o que vai acontecer com um personagem cujo alinhamento está sempre mudando, ou de mandar bem ao lado de alguém em quem se está interessado para, quem sabe, habilitar uma linha que permita o romance.

Se na jogabilidade e nos sistemas tudo parece fora de lugar, durante a maior parte da trama as coisas parecem seguir um ritmo, ainda que desacelerado, bastante conciso. Um flerte logo é seguido por um comentário jocoso de Johnny Silverhand, que está sempre aparecendo para o protagonista, e um sucesso é premiado com linhas de diálogo que deixam bem claras as motivações, histórias e até o background de seus personagens.

Vale a pena citar, ainda, o grande trabalho feito na localização brasileira, principalmente no que toca a dublagem, com muitos dos protagonistas de Cyberpunk 2077 se tornando ainda mais característicos em nosso idioma, na comparação com o original. A adaptação para um futuro formado pelos jovens de hoje, com seus maneirismos e gírias, pode soar exagerada para alguns, e realmente é, mas também pode ser sentida como uma extrapolação de um mundo em que as coisas se desenvolveram de forma desordenada e onde tudo é permitido.

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Com isso, porém, vem uma fixação por temas sexuais e palavrões que são a mancha principalmente na parcela brasileira do trabalho. Palavras de baixo calão são como vírgula para os personagens de Cyberpunk 2077 falando em português, enquanto, mesmo no original, o teor sexual está em todo lugar, desde os dildos espalhados pelo chão das ruas principais de Night City até a conotação dada a personagens que acabamos de conhecer, falando de forma pesada sem contexto, motivo e, principalmente, abertura alguma.

É um sinal dos tempos, sim, e também uma característica do próprio universo cyberpunk. Ao mesmo tempo, funciona como uma fixação da CD Projekt Red, que parece mais preocupada com órgãos genitais do que opções de customização, enquanto entrega uma história que, quando não foca apenas nisso de maneira quase adolescente, traz dramas, situações, diálogos e personalidades interessantes e marcantes, que estão apenas tentando sobreviver e seguir adiante assim como o próprio protagonista, envolvido em uma traição que o coloca para bater de frente com o sistema.

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Referências estão por todos os lados, assim como acenos à cultura pop, alguns gratuitos e outros nem tanto, mais uma vez como reflexo de uma sociedade que cresceu de forma descoordenada, mas entremeada por tais estímulos. Night City tem muito a oferecer e, se o jogador quiser, terá milhares de linhas de texto para ler ou muitos programas de rádio ou TV para consumir, enquanto segue de um ponto do gigantesco mapa a outro.

Vale a pena explorar tudo isso, mas tais qualidades simplesmente não são suficientes para desculpar um jogo que chegou às nossas mãos inacabado e, mais do que isso, mal planejado. Cyberpunk 2077 não demonstra que reinventar a roda é impossível, mas mostra que escopo, direcionamento e, principalmente, organização são essenciais para quem quiser fazer isso. Revolucionar, definitivamente, não é lançar um monte de coisa e esperar que tudo se encaixe magicamente.

Até que ponto a trama vai chamar mais a atenção do que os problemas vai de cada jogador, de sua tolerância a problemas em prol de uma boa história e do hardware utilizado. O novo game da CD Projekt Red é melhor em um PC de ponta, um pouco pior nos consoles de nova geração e, nas versões mais básicas do PlayStation 4 ou no Xbox One S, quase injogável. Não dá para focar no enredo quando o game crasha, trava ou simplesmente não carrega direito.

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Há de se lamentar, sim, que uma proposta que gerou tanta comoção e levou tantos anos para ser realizada tenha chegado desta forma. Entre ganâncias corporativas, dentro e fora da trama, e a pressa por lançar um produto não finalizado, ficam lições ensinadas, novamente, pela história de Cyberpunk 2077 e pelos eventos que se desenharam para que ela chegasse às nossas mãos de uma maneira bem longe da esperada pelos fãs de uma empresa que, certa vez, já foi citada como uma das melhores. A distopia se provou real.

Cyberpunk 2077 está disponível para PC, Stadia, PlayStation 4 e Xbox One, com retrocompatibilidade para os consoles de nova geração e versões otimizadas para PS5 e Xbox Series X e S a serem lançadas em 2021. No Canaltech, o game foi analisado no Xbox Series X com cópia digital gentilmente cedida pela CD Projekt Red.