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Como a indústria da música pode nos mostrar o futuro dos jogos por streaming?

Por| 14 de Julho de 2019 às 12h50

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Renato Mota/Canaltech
Renato Mota/Canaltech

Quando o Spotify foi lançado em 2008, a indústria da música ainda vivia uma gradual mudança do físico para o digital. A transição aconteceu muito antes, lá com o iTunes, criado pela Apple em 2003, uma loja que permitia a usuários comprarem músicas individualmente de forma legal. A outra opção desse período era baixar arquivos e álbuns completos por softwares de compartilhamento como Napster, Kazaa, torrent e semelhantes.

Os últimos 11 anos marcaram para o meio da música uma transformação completa para um mercado antes muito concentrado em vender discos e distribui-los. A chegada do Spotify trouxe um misto de euforia e preocupação. De um lado, quem compõe ou canta agora tem uma plataforma para divulgar seus produtos, mas quem distribui não gostou de ser colocado para escanteio e viu suas margens diminuírem cada vez mais.

É neste cenário que a indústria de games pode entrar com plataformas como o Google Stadia e o xCloud, da Microsoft. Os serviços de jogos por streaming devem começar a funcionar ainda este ano, pelo menos em caráter de testes.

Como uma boa possibilidade de democratização do acesso para o consumidor, é uma bela ferramenta a quem joga. Contudo, como fica o desenvolvedor nesta nova fase? Como as empresas vão pagar quem tem um jogo em um serviço de assinatura?

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É tentando responder a essas peguntas e entender qual será o cenário de quem produz jogos em um mercado voltado para essa nova tecnologia que que o Canaltech conversou com especialistas da indústria da música e games.

A visão do passado

A ONErpm nasceu em 2010, pouco depois do boom de serviços de streaming como o Spotify. A proposta era simples: fazer o meio de campo entre músicos e plataformas digitais. Hoje, a companhia conta com mais de 90 mil artistas em diversos espaços como Spotify, Deezer e até YouTube.

Se tem alguém que sabe como esse mercado se modificou é Emmanuel Zunz, CEO e um dos fundadores da ONErpm. O mercado da música nasceu com plataformas querendo ampliar os catálogos, para que grandes artistas entrassem em suas bibliotecas.

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Contudo, hoje, aponta Zunz, é completamente diferente, sendo bastante raro uma determinada plataforma buscar um artista e lhe oferecer benefícios de exclusividade. Será que isso também pode acontecer com os games em plataformas de streaming?

“É possível que isso aconteça nos games também. A música é um pouco diferente porque você precisa ter um catálogo, e os artistas não querem limitar o seu catálogo ficando apenas em um lugar. O modelo de negócio para o músico é de diversificação, mas eu não sei como será para os games”, acredita o executivo.

Para ele, contudo, o que pode acontecer com jogos é um cenário mais próximo do que acontece com o streaming de vídeo, para o qual ter conteúdos exclusivos pode ser um diferencial.

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Embora a Microsoft não abra esses números, o Canaltech conversou com três desenvolvedores internacionais que estão com jogos dentro do Game Pass. Todos confirmaram que o modelo da empresa é de pagar um preço fixo para colocar o título dentro do serviço de assinatura, sem que haja um montante a mais pela execução.

Como recebem artistas? 

Um dos modelos que podem ser replicados para plataformas de assinatura como o Game Pass e para jogos por streaming é o da indústria atual da música. As empresas não pagam mais pela exclusividade do conteúdo, mas apenas pela quantidade de execuções.

Atualmente, a receita vem de anúncios e assinaturas, sendo que a publicidade ainda é o grosso do dinheiro que entra. Assim, quanto mais uma música é executada dentro da plataforma, mais o artista é pago por aquele conteúdo.

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Mas quanto seria necessário para uma boa receita? “Eu acho que quem gera perto de 100 mil execuções por mês, não sei se é muito isso não, começa a ter uma receita consistente. Como cada plataforma tem modelos de negócio diferentes, o custo por exibição varia muito. Principalmente entre Spotify, Apple Music e YouTube. O YouTube paga menos por exibição e a Apple paga mais”, conta Zunz.

André Ribeiro já está neste mercado como produtor musical desde 2004, mas lançou o disco com a sua banda chamada Alaska. O último disco data de agosto de 2018 e, de lá para cá, o grupo somou mais de 300 mil visualizações no Spotify, o que rendeu apenas R$ 800.

A banda conta com visibilidade suficiente para lotar shows em casas noturnas e, mesmo assim, não consegue capitalizar tão bem dentro da plataforma. “A gente tem edições físicas dos CDs também, mas não servem como mídia, já que ninguém mais tem um CD player. São quase itens de ‘coleção’”, aponta Ribeiro.

Ele acredita que ter o conteúdo nesses serviços pode ser interessante como porta de entrada do público para conhecer a banda e ir aos shows.

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Essa é uma opção com que desenvolvedores de games não podem contar. Raramente um desenvolvedor de jogos tem a capacidade de produzir produtos para serem comercializados para além de seu jogo. Há casos em que se vendem trilhas sonoras, camisetas e outros itens, mas não é a regra do mercado.

Contudo, uma medida pode passar a ser mais comum dentro de games em plataformas de assinatura e streaming. Os jogos podem emprestar um modelo dos títulos gratuitos em lojas mobile como Play Store e App Store: o de microtransações.

Direcionado para plataformas

Quando os desenvolvedores começaram a fazer seus games para a App Store, a possibilidade de publicar um título de graça, ou com preço bem abaixo do mercado de consoles, era algo difícil de se entender. Foi assim que o meio passou a buscar alternativas para monetizar um título.

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Cada nova plataforma exige uma adaptação e isso não é exclusivo da indústria dos jogos. Ribeiro conta que mudou a sua forma de lançar música para sair melhor dentro do Spotify. “O próximo disco vai ter menos faixas. Sete no máximo. Porque sei que o meu público não consegue dedicar 40 minutos de atenção para um conteúdo só”, explica o artista.

O CEO da ONErpm também percebeu a mesma tendência. “Pessoas procuram até fazer músicas que combinam com a plataforma, ou seja, para entrar numa playlist específica, inspirado em questões comerciais. Como se você tivesse criando uma música para um filme, mas, aqui, para uma playlist”, levanta Zunz.

E nos games, como isso pode acontecer? Vai depender de como as plataformas podem pagar os desenvolvedores.

A visão do presente 

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A International Games Developers Association (IGDA) é uma organização sem fins lucrativos criada em 1994 para discutir e sair em defesa de desenvolvedores de jogos em todo o mundo.

A organização se mostra preocupada com o cenário atual de jogos, em que há grande número de demissões e uma possível grande mudança no mercado nos próximos anos. A instituição, claro, também está buscando entender como os jogos por streaming podem impactar isso e como desenvolvedores serão pagos pelos seus games.

Pouco se sabe sobre modelos de negócios dessas plataformas. De um lado, há o Stadia, da Google, cuja proposta deve ser converter vendas de games aos produtores publicados em seu serviço. A proposta da Google é ter dois planos: um gratuito para jogar em até 1080p e 30 fps e outro pago para acesso a jogos em 4K até 60 fps.

Em ambas assinaturas, contudo, será preciso comprar os jogos em separado. Com isso, é possível entender que a Google deva passar uma parcela deste preço aos criadores dos jogos. Quanto será isso? É possível ter uma noção de quanto o desenvolvedor vai ganhar por meio da loja de apps da companhia para mobile. No Android, a Google fica com 30% do total de rendimento dos criadores.

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Esse é um assunto em alta no mercado de jogos, inclusive. Atualmente, a Steam cobra 30% da maioria dos desenvolvedores (quanto mais vende, menor é a taxa). Contudo, em dezembro do ano passado a Epic Games, estúdio de Fortnite, lançou a sua própria plataforma cobrando apenas 12% de desenvolvedores para publicação.

“Com 12% de fatia da Epic, nós vamos criar um mercado rentável, vamos crescer e investir nos próximos anos”, explicou a empresa, em nota, no anúncio. A novidade acirrou a discussão sobre o quanto seria uma taxa justa.

Contudo, há também a possibilidade de a Microsoft lançar um serviço de assinatura como o Game Pass, só que para sua plataforma de jogos em nuvem. Sem pagar efetivamente pelo jogo, como a Microsoft vai medir o sucesso de um título?

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Para o diretor executivo interino da IGDA, Lucien Parsons, ela não pode apostar em um sistema apenas. “Eu não tenho um modelo específico que eu diria ser o correto, mas o que eu diria é que precisa conter vários critérios para que a primeira coisa que as pessoas pensem não seja só pagar pelo tempo que as pessoas dedicam a este game”, acredita Parsons. “Sabe, pode parecer justo, mas quando eu olho o que isso significaria a longo prazo seria o desenvolvimento de jogos que basicamente exigem sua atenção o tempo todo”.

Para ele, usar somente o critério de tempo de jogo para monetizar a plataforma poderia criar um cenário semelhante ao de games como Candy Crush e Clash Royale nos smartphones, os quais pedem sempre que o jogador esteja sempre ativo.

“Eu acredito que nós realmente precisamos ter uma estrutura de incentivo que também recompensa os pequenos jogos. Aqueles em que você conhece uma história incrível e pronto, eles terminam. Para isso, precisamos não usar o tempo jogado como a principal métrica“, critica.

O diretor também acredita que essa mudança pode trazer um boom de criatividade para o cenário de jogos independentes, caso as empresas saibam recompensar jogos deste tipo. Ele lembra do Xbox Live Arcade, lançado em 2004 e que resultou no primeiro grande avanço no desenvolvimento de jogos independentes. Para isso, um dos principais focos dessas plataformas precisa ser a curadoria.

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A Microsoft sabe disso e atualmente conta com o ID@Xbox, um braço da empresa voltado a fomentar games independentes e lançá-los para o Xbox One. “A gente entende que, com o ID@Xbox, a gente tem globalmente o papel de apoiar e dar ferramentas para que desenvolvedores tenham liberdade criativa e produzam os melhores jogos para nossas plataformas. Cuphead passou por esse programa. Fortnite passou por esse programa. PUBG passou por esse programa. Muitas vezes as pessoas pensam em jogos independentes como um nível inferior. Eu não iria, pessoalmente, por esse caminho”, conta Bruno Motta, gerente de Xbox no Brasil.

Contudo, a Microsoft ainda não abre a forma como deve pagar seus desenvolvedores dentro de plataformas de jogos por streaming. E qual seria a melhor forma de pagar tais games?

“Acredito firmemente que os jogos são uma forma de arte e a curadoria de arte tem que ser feita por pessoas, não pode ser automatizado. Nós vimos os resultados diretos das tentativas de automatizar a curadoria em várias plataformas que tornaram mais difícil encontrar bons jogos”, acredita Parsons.

A visão do futuro

O que todos apontam de forma assertiva sobre os jogos por streaming é que essa não será a única plataforma de jogos, pelo menos na próxima geração. Com isso, há quem seja otimista em permitir aos jogadores uma oportunidade a mais para acessar seus títulos, além de um novo local em que desenvolvedores possam publicar seus games.

"Uma outra plataforma não significa a única plataforma e, portanto, na medida em que expande o mercado e traz mais pessoas, será mais uma forma de recompensar os desenvolvedores. Se isso for feito da forma correta, será realmente ótimo”, finaliza o executivo da IGDA.