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Análise | The Red Strings Club mistura ética, moral e amor em uma coqueteleira

Por| 09 de Fevereiro de 2018 às 09h51

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Em The Red Strings Club, não há dúvidas de que o garçom já deve ter cansado de escutar centenas de casos de humanos com implementações de biohacking. A diferença é que neste bar, situado em um mundo futurista em que modificações cibernéticas corporais são possíveis, todo mundo é igual, mas nenhum caso é mais um, tampouco banal.

O indie game desenvolvido pela Deconstructeam (que fez Gods Will Be Watching) e distribuído pela Devolver Digital (de Hotline Miami), é uma experiência narrativa singular, que mistura questões éticas, sociais e morais com um pouco de relacionamentos, amizade e amor em uma coqueteleira, oferecendo ao jogador uma bebida de sabor filosófico único.

Dizendo muito, mostrando pouco

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Um dos aspectos mais interessantes de The Red Strings Club é o modo como ele diz muito mostrando pouco. A ambientação in-game é 80% dentro do estabelecimento noturno que dá nome ao título, e praticamente todos os acontecimentos e informações importantes ocorrem por meio de diálogos entre os personagens desta história. Felizmente, o jogo foi localizado para o português brasileiro para melhor entendimento e imersão deste universo.

Por ser uma espécie de point and click mesclado com visual novel, o jogo não possui grandes momentos de ação e, portanto, pode não agradar jogadores mais agitados, entusiastas dos comuns títulos voltados a tiro, porrada e bomba. The Red Strings Club, na verdade, foca em narrativa através de três tipos de interações diferentes (falaremos dessas mecânicas mais a frente).

O game possui três personagens jogáveis: Donovan, Brandeis e Akara. Contudo, é fácil considerar o diálogo como um quarto membro deste squad. Como já comentado, tudo de mais importante acontece através desse recurso.

Desde o universo fictício futurista cyberpunk, onde grandes corporações ameaçam o livre arbítrio dos humanos e das máquinas com módulos (implantações/melhorias biocibernéticas) que os transformarão em indivíduos passivos, até os relacionamentos e sentimentos que rondam os personagens e suas verdadeiras intenções... Todos esses detalhes não são mostrados através de cutscenes ou qualquer outra ferramenta comum dos jogos mais atuais, não. Aqui, tudo o que o jogador precisa saber lhe é entregue por meio de conversas.

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A liberdade está em risco

Por falar em corporações que ameaçam a possibilidade de escolha e a empatia sentida pelos seres vivos pensantes deste mundo, a história do jogo aborda muito disso. Basicamente, o gamer precisará controlar três personagens distintos, que conversarão com muitas pessoas diferentes para desvendar um mistério que tem início quando um protótipo de androide de numeração 184, modelo Akara, surge no The Red Strings Club – o bar.

Com a introdução desta personagem logo nos primeiros minutos de gameplay, o jogador é apresentado a uma intrigante trama envolvendo uma empresa chamada Super Continente Ltd. A companhia em questão é a responsável por criar Módulos, um componente de variadas formas que pode ser usado em pessoas para melhorá-las emocionalmente – por tabela, transformando suas vidas profissionais e particulares para melhor.

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Por outro lado, há a Proxyma, um time de revolucionários que defendem uma visão contrária e mais humanitária, por assim dizer. Os seguidores desse grupo acreditam que os implantes biocibernéticos descaracterizam a individualidade dos seres, de maneira que é necessário que eles sofram e passem por situações ruins para evoluírem e se moldarem da melhor forma.

Em meio a uma tentativa de sabotagem por parte da Proxyma, através de uma infiltração na Super Continente Ltd, ocorre a descoberta de um projeto no mínimo audacioso, que colocará em cheque a liberdade da sociedade e pode transformar os indivíduos em bonecos ventrículos, controlados ao bel prazer de megacorporações. E é a partir daqui que o desenrolar deste plot cai nas mãos dos três protagonistas.

As temáticas da humanidade nas máquinas, muitas vezes capazes de sentir mais empatia pelo próximo do que o próprio ser humano; do livre arbítrio e das escolhas que tornam cada ser único e, ainda assim, acorrentado a uma série de imposições sociais impostas por fascistas; das crenças e das defesas destas opiniões a qualquer custo, mesmo que isso signifique transformá-las em uma espécie de religião; e da crescente inovação tecnológica em prol da sociedade em paralelo com o seu limite, desafiando questões de cunho ético e moral; não são exatamente novidades.

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Muitas obras recentes como a série Altered Carbon e o game Nier: Automata; e antigas como o filme Blade Runner (baseado em um livro de Philip K. Dick) e a franquia Battlestar Galactica também abordam esses assuntos. O diferencial em The Red Strings Club é a maneira como a narrativa se desenvolve, novamente utilizando de poucas, mas efetivas mecânicas, e mostrando abertamente questionamentos dignos de um episódio de Black Mirror.

Mamãe, quero ser bartender

Ainda sobre mecânicas, apesar de não possuir gráficos exuberantes que beiram romper o tecido da realidade de tão bem feitos, o jogo ainda assim tem animações ínfimas em belíssimos Pixel Art, que retratam trejeitos e movimentações de forma natural, além, é claro, de utilizar de seus principais recursos (a jogabilidade e, novamente, a conversa), para demonstrar quão críveis são os personagens e, portanto, trazendo uma nova forma de expor o Vale da Estranheza.

Cada um dos três personagens jogáveis possui um tipo de gameplay diferente. Com Akara, por exemplo, é possível esculpir os Módulos que serão implantados nas pessoas, utilizando o mouse e escolhendo ferramentas de diferentes formatos para tal (uma retangular, uma pontiaguda e outra arredondada). Com Brandeis é necessário hackear um sistema com base em atenção e entendimento lógico dos acontecimentos – na verdade, é uma espécie de tentativa e erro.

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Por fim, há Donovan, que é controlado na maior parte do tempo. Com o bartender, é preciso criar drinks e servi-los para os clientes que vão ao The Red Strings Club. Para cada consumidor, no entanto, são criadas bebidas diferentes, específicas para seus paladares e, principalmente, para corresponder aos seus sentimentos. Quando o copo é entregue e o líquido é degustado, haverá sempre uma reação diferente e isso desencadeará na extração de variadas informações.

O sistema de criar drinks parece complicado a princípio, mas na verdade é muito simples. Quando for necessário montar a bebida, a visão do game mudará o foco para a visão de Donovan, e ele conseguirá enxergar círculos em torno da silhueta do personagem com quem está conversando, que representam seus sentimentos naquele momento. Sobre o balcão, haverá quatro garrafas de bebidas, cada uma correspondendo a uma direção – cima, baixo, direita e esquerda. Então, para atingir sensações diferentes, é preciso relacionar as bebidas com a posição dos círculos – e seu tamanho, por sinal, é ditado pela quantidade de gelo que o bartender colocar no copo.

Simples, instigante, e cada demonstração dos clientes em resposta às misturas apenas desperta vontade em se tornar bartender. Afinal, quem nunca, não é mesmo? O clima instaurado pelo The Red Strings Club, com as músicas ambientes agradáveis e condizentes, ampliam muito a imersão de se estar em uma verdadeira e elegante boate.

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Tudo que é bom...

Infelizmente, nem tudo são flores. E pior, não existem maneiras de inserir Módulos neste game, de modo a torná-lo perfeito – e revolucionários com certeza irão defender que isso o torna único a seu próprio modo, o que pode ser verdade.

The Red Strings Club é um indie game excelente. Disponível para Steam, o título traz todas as qualidades e abordagens citadas acima, mas é demasiadamente curto. Em uma jogatina de no máximo (máximo mesmo) 5 horas, o jogador já consegue terminar o game sem muitas dificuldades.

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Além disso, por conta das poucas formas de interação, sendo as principais por meio das mecânicas de gameplay e pelos diálogos, não há muita variedade em termos de consequências para as escolhas feitas nas conversas. Quer dizer... É possível mudar a forma como o universo será afetado sim, através das falas dos personagens. Mas, no final, tudo leva a um único desfecho.

Ainda assim, a experiência é singular. Vale ser jogado e guardado com carinho na biblioteca de jogos. Por tabela, vai garantir horas de discussões nas rodas de amigos sobre as temáticas. E também renovar a vontade de ser bartender que estava adormecida em algum lugar.

* The Red Strings Club foi analisado em cópia digital cedida gentilmente ao Canaltech pela Devolver Digital.