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Análise | Progressão livre e melhorias fazem de Far Cry 5 o melhor da série

Por| 09 de Abril de 2018 às 08h41

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Análise | Progressão livre e melhorias fazem de Far Cry 5 o melhor da série
Análise | Progressão livre e melhorias fazem de Far Cry 5 o melhor da série

Quando se fala em Far Cry 5, a expectativa é sempre de um mundo aberto extenso, cheio de atividades e constituindo um grande playground para todo tipo de matança e tiroteio. Surpreende, entretanto, que o mais recente game da série, lançado para PC, PlayStation 4 e Xbox One, comece com um trecho bastante linear e completamente tenso, que dá o tom para um título que, ao mesmo tempo em que serve como evolução dos anteriores, apresenta mudanças bem significativas.

Nos minutos iniciais de Far Cry 5, chegamos à região sitiada de Hope County, no estado americano de Montana, na pele de um agente policial, cujo gênero é o jogador que escolhe. Acompanhado do xerife e de um policial federal, nossa missão é levar preso Joseph Seed. É claro que, nesse momento, o palco está armado, e o que deveria ser o simples cumprimento de um mandado de prisão se transforma no início de uma verdadeira guerra.

É logo em seu primeiro ato, com uma demonstração do poder da fé criada por Seed e da devoção de seus seguidores, que Far Cry 5 fisga o jogador. A voz calma e tranquila do líder religioso em meio ao caos e, mais tarde, diante da virada que faz com que ele fique do lado que tem mais vantagem, faz com que surja, ao mesmo tempo, um desejo de saber mais sobre o que acontece em Hope County, o que levou a tudo aquilo e, principalmente, como se pode agir para livrar o local dessa mão tão pesada.

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Mais do que fanatismo religioso, porém, o grande tema de Far Cry 5 é a resistência. Isso se desenha não apenas nos momentos iniciais em si, quando o jogador acaba se tornando, sem querer, um dos líderes do movimento contra a mão tirânica de Seed, mas pelo sistema de progresso em si. Em uma das grandes novidades do game, o jogador não é mais obrigado a seguir um conjunto pré-determinado de missões para avançar no enredo.

O mesmo vale para a evolução do personagem, também atrelada a pontos obtidos a partir do cumprimento de objetivos principais ou secundários. Não é mais preciso parar a ação para caçar um animal raro de forma a conseguir carregar mais munição e toda a árvore de habilidades está aberta desde o início, com exceção de habilidades específicas ligadas a NPCs desbloqueáveis.

Desde o terceiro game da série, toda ação realizada servia para levar o mundo adiante, seja para melhoria das habilidades do protagonista ou alterações no cenário em si, reduzindo a força dos oponentes. Em Far Cry 5, porém, esse aspecto é elevado à última potência quando praticamente qualquer ato tomado no mundo aberto serve para levar a resistência adiante. Não estamos mais presos às missões principais para seguir em frente, com o jogador estando plenamente livre para seguir.

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O progresso na libertação de Hope County é medido em um marcador de resistência, que vai crescendo na medida em que as ações vão sendo realizadas. Deseja seguir a história de um jeito mais linear, ao lado dos personagens principais? Isso é possível. Mas também dá para montar emboscadas apenas a postos avançados da seita ou, então, ficar navegando pelo mapa libertando prisioneiros, destruindo plantações, instalações ou recursos que minam o domínio dos fanáticos religiosos. Tudo vale ponto e qualquer atitude é útil para a resistência.

Esse aspecto se une a um mundo que é, efetivamente, vivo. Os disparos e explosões envolvidos na destruição de um caminhão tanque, por exemplo, chamam a atenção de tropas de Seed nos arredores, que começam a chegar sem parar ao local do incidente. Rapidamente, o que poderia ser um simples enfrentamento pode se transformar em um combate insustentável, principalmente depois que o culto começa a utilizar aviões e helicópteros na busca por dissidentes.

Da mesma maneira, ocupar postos avançados da seita e destruir suas instalações torna o progresso pelas regiões dominadas mais tranquilo. De tempos em tempos, quando o índice de resistência atinge certos patamares, missões obrigatórias da história são executadas como forma de conduzi-la por um caminho determinado, mostrar mais de Seed e seus irmãos e, acima de tudo, reduzir a moral do jogador, caso ele acredite que está arrasando. Por mais que esteja armado até os dentes, o inimigo ainda é mais poderoso e, para piorar as coisas, acredita estar do lado de Deus.

Expectativas criadas e frustradas

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Quando se entra nesse tópico, porém, é importante citar o aspecto mais problemático de Far Cry 5: as relações de seu enredo com o mundo real. A Ubisoft não esconde as referências reais da trama que criou no game. Os momentos iniciais do game, por exemplo, lembram o começo do chamado “Cerco de Waco”, onde um grande combate entre agentes do governo e fanáticos religiosos resultou em 76 mortes. O conflito começou após uma tentativa das autoridades de prenderem o líder do grupo, David Koresh, uma figura cujos óculos são idênticos aos usados por Joseph Seed.

Outros paralelos com a realidade podem ser feitos, como o Oregon Standoff, um cerco de quase um mês a uma reserva florestal por um grupo que se julgava independente do governo dos EUA; ou o Santuário da Paz Mundial e Unificação, uma igreja americana que abençoa rifles como “cajados sagrados”. Isso sem falar, claro, do governo de Donald Trump e as discussões sempre existentes quanto ao controle de armas.

Ao mesmo tempo, porém, a Ubisoft sempre passou longe de tais polêmicas, principalmente depois que o anúncio de Far Cry 5 motivou protestos de grupos religiosos e de extrema direita. Em entrevistas, o produtor executivo do game, Dan Hay, disse que o paralelo entre o jogo e a realidade pode até existir, mas que a ideia do game é ser uma obra de ficção, não um manifesto. O objetivo é divertir os jogadores e apresentar o tiroteio interessante de sempre e não representar a opinião da empresa ou de seus desenvolvedores sobre o aspecto político de seu conteúdo.

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Mesmo assim, levando em conta o ensejo, muita gente esperava algum tipo de crítica política em Far Cry 5, e é frustrante perceber que ela não está lá, mesmo que esse nunca tinha sido o objetivo da Ubisoft. Ao trazer uma de suas principais franquias aos Estados Unidos, em meio à grande turbulência política que acontece por lá, a companhia perde a chance de tornar o game muito mais relevante e atual, indo além do tiroteio incrível que todos já esperávamos que o título teria. Por outro lado, há de se levar em conta que seu desenvolvimento foi iniciado em 2014, antes mesmo de tanta agitação - o que não necessariamente justifica a falta de embasamento.

Esse drible contextual aplicado pela empresa se reflete naquela que é, ao mesmo tempo, a melhor utilização de vilões da franquia, mas, ao mesmo tempo, geradora de um maniqueísmo fácil para um game desta categoria. Desde o início, Joseph Seed e seus irmãos são pintados como figuras de puro mal e deturpadores de uma religião para propósitos próprios não muito definidos. Teriam eles objetivos escusos ou estariam agindo, simplesmente, pela loucura?

Essa abordagem leva a momentos bastante violentos, como quando John Seed expia os pecados de seus seguidores tatuando suas ofensas na pele deles e, depois, arrancando-a com uma faca. São momentos de choque e peso que não acompanham, necessariamente, um grande contexto e reflexo, servindo apenas para demonstrar o quando o vilão é mal como o Pica-Pau.

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Ao contrário do que acontecia com Vaas Montenegro ou Pagan Min, antagonistas incríveis e absolutamente mal utilizados em games anteriores da franquia, Far Cry 5 traz seus vilões para o centro do palco. Eles estão sempre presentes, seja por meio de transmissões de rádio, missões os envolvendo ou atos que ocorrem sob seu comando. Dá para sentir muito bem a influência deles neste mundo e de que forma ela vai sendo minada na medida em que a resistência avança.

Universo protagonista

Apesar do foco maior nos vilões, não são eles os protagonistas da história - nem o jogador, que controla um personagem mudo aos moldes de games de tiro dos anos 1990, uma falta de voz ativa que também pode decepcionar alguns jogadores. O mundo aberto, mais do que nunca, assume o posto principal e também é o responsável por levar a história adiante, mais do que as cutscenes e momentos decisivos da trama.

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A Ubisoft constrói o mundo de Far Cry 5 por meio de pequenos diálogos e histórias de gente comum, que perdeu a casa ou familiares para o culto. A todo momento, é possível encontrar cartas ou NPCs com algo a dizer, habilitando missões secundárias de busca a suprimentos ou indicando o caminho para uma base inimiga, normalmente com uma história triste para contar junto.

Aqui, de forma velada, também é possível encontrar a crítica que muita gente esperava, não a aspectos políticos ou religiosos, mas à forma como o fanatismo, aliado a ideais supremacistas, podem destruir completamente uma comunidade antes mesmo que seus membros possam fazer algo a respeito. A falta de ação e uma ideia de que atitudes “não mudam nada” levaram Hope County ao estado perigoso em que se encontra, e agora cabe ao jogador encarar a tarefa difícil de reverter tudo.

Vale a pena prestar atenção nos diálogos, transmissões de rádio e mensagens espalhadas pelo mundo aberto. Destacamos, principalmente, a conversa com Jess Black e a forma como sua história é contada durante a missão que a habilita como uma das parceiras controladas pela inteligência artificial, outra grande novidade de Far Cry 5. Somente ali, dá para entender como o culto afetou a vida de tanta gente e, principalmente, os motivos pelos quais muita gente está reunindo as últimas energias que possui para lutar contra Seed, ou morrer tentando.

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Black é uma das Armas de Aluguel, como são chamados os aliados principais do game. Sua utilização adiciona um aspecto de estratégia ao título e adere totalmente a diferentes estilos de jogabilidade. Black, como dito, é vingativa e, por isso, gosta de agir sorrateiramente, usando um arco para matar inimigos sorrateiramente. Já Nick Rye vê a vida de sua família e da filha que ainda vai nascer ameaçada pelo culto e, por isso, não poupa esforços em usar o avião que pertenceu a seu avô para lançar bombas e metralhar adversários, da forma mais agressiva possível.

Junte a isso outros momentos de genialidade, como X-Burguer, o urso que faz o papel de tanque e pode distrair inimigos, ou Chuchu, a puma agressiva e cheia de fome que também ataca sorrateiramente e só é vista pelos inimigos quando já é tarde demais para eles. Sem esquecer, claro, de nosso favorito, Boomer, o “melhor dos garotos” que auxilia nas abordagens furtivas marcando oponentes no mapa e trazendo munição ao jogador quando necessário.

O uso de dois personagens destes, simultâneos, é possível por meio de uma habilidade desbloqueável. Junto com NPCs comuns também capazes de atacar inimigos e um modo cooperativo online que permite a adição de um amigo a toda a experiência com Far Cry 5, está formado o exército plenamente capaz de acabar com o domínio de Seed sobre Hope County.

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No restante, o título traz uma evolução de experiências já vistas desde o terceiro game da série numerada. Para o bem, o estilo de jogo de sempre aparece aqui ainda mais aprimorado, com novas opções de armas e recursos; mas para o mal, existe uma flagrante mesmice, que pode agradar a quem é fã da franquia ou está chegando agora, mas deve decepcionar àqueles que não curtem o estilo tanto assim e esperavam que as mudanças de ensejo e pegada também se refletissem na jogabilidade.

Chama a atenção negativamente, entretanto, a ausência de alguns detalhes, notados, principalmente, pelos mais fanáticos. Ao mudar a evolução, a Ubisoft também reduziu o incentivo à caça e pesca (um dos recursos inéditos, inclusive) apenas à questão monetária. Enquanto isso, animações que se tornaram marcas da franquia, como os momentos em que o protagonista tira uma bala do próprio braço, também foram removidas, assim como outras como a revista de adversários mortos em busca de espólios. Isso aconteceu, provavelmente, como forma de dar mais agilidade à jogabilidade, mas sua presença no game não faria mal a ninguém.

Indo além

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Apesar de ser um título gigantesco, principalmente caso o jogador deseje explorar tudo e conhecer a integralidade desse mundo, Far Cry 5 ainda é um título essencialmente single player. Sendo assim, as novidades acabam quando sobem os créditos finais, enquanto o fator replay se encerra assim que o mapa é “limpo”.

Foi pensando nisso que a Ubisoft criou o Far Cry Arcade, sistema separado que não é exatamente um modo multiplayer em si, mas que apresenta as ferramentas necessárias para dar longevidade ao game. Temos aqui, ao mesmo tempo, uma ferramenta de criação para os fanáticos por mods, que podem trabalhar nisso mesmo nos consoles, e, ao mesmo tempo, um nascedouro de incríveis ideias que podem sustentar o título por um bom tempo.

O game chegou às lojas há poucas semanas e, desde já, é possível encontrar algumas criações bem incríveis no sistema. São destaques, por exemplo, a recriação dos momentos iniciais de jogos como Metal Gear Solid ou Resident Evil 7, além de uma cópia do mapa Nuketown, de Call of Duty: Black Ops, que serve tanto para missões single player quanto para o tradicional mata-mata multiplayer.

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É um extra bastante significativo e que soma consideravelmente ao pacote de Far Cry 5, mas sem interferir na experiência central, solidificando um pacote de liberdade extrema. São aspectos que, unidos, constituem o melhor game da franquia até agora, atendendo a solicitações do passado e se tornando mais profundo, ao mesmo tempo em que mantém uma porta escancarada para quem está chegando agora.

Algumas coisas ficaram faltando, é claro, assim como uma maior profundidade, principalmente em termos narrativos. É questionável, também, a falta de inovação na jogabilidade, mas uma coisa é indiscutível: ela funciona, proporcionando uma das experiências mais interessantes que temos na atual geração em termos de jogos de tiro. E ainda há um bom caminho a seguir e muito a fazer, o que faz com que a perspectiva de futuro para a série seja, no mínimo, brilhante.

* Far Cry 5 foi analisado no PlayStation 4.