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Análise | Crackdown 3 é um game de opostos, que diverte e irrita ao mesmo tempo

Por| 15 de Fevereiro de 2019 às 18h12

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Análise | Crackdown 3 é um game de opostos, que diverte e irrita ao mesmo tempo
Análise | Crackdown 3 é um game de opostos, que diverte e irrita ao mesmo tempo
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Crackdown 3 tem uma história, no mínimo, curiosa, não por seu enredo interno, mas pela saga que seguiu para chegar às nossas mãos nesta sexta-feira, 15 de fevereiro. Desde o início, o título tinha a palavra “nuvem” atrelada a ele. Desenvolvido com esse novo conceito em tecnologia, o jogo iria além do poder das próprias plataformas para usar a cloud computing na criação de cenários plenamente, e realisticamente, destrutíveis. A promessa era de um mundo mutante em que cada partida fosse diferente da anterior.

O tempo foi passando, os adiamentos foram acontecendo e Terry Crews se tornou o garoto-propaganda e protagonista do game, com seu estilo bem peculiar e amado por todos. Aparições na E3 e grandes divulgações para a imprensa também o tornaram o grande exclusivo da Microsoft neste começo de 2019. Sete anos de trabalho depois e pelas mãos da Sumo Digital, Crackdown 3 finalmente está entre nós neste dia 15 de fevereiro, em versões Xbox One e PC. Sua história final, entretanto, não é tão curiosa e interessante quando o caminho que ele seguiu até aqui.

O que se percebe logo nas primeiras horas com o game é que os maiores acertos estão nos pontos menos alardeados pelos responsáveis por esta obra, enquanto aquilo que efetivamente foi enaltecido acaba deixando a desejar. Crews é, sim, o astro, mas o multiplayer, a cloud computing e os cenários destrutíveis não poderiam passar mais longe disso.

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O título tem uma proposta diferente da que estamos acostumados a ver. Provavelmente devido à conexão aos servidores Azure, o multiplayer e a campanha de Crackdown 3 estão separados em aplicações diferentes, que representam, em uma analogia, o céu e o inferno para o título. Em um, há uma diversão descompromissada, mesmo que incrivelmente defasada, enquanto no outro os problemas transparecem bem mais do que a vanguarda tecnológica a que o título diz pertencer.

A história começa com uma cutscene inspirada visual e narrativamente. É como se, na abertura de Crackdown 3, os roteiristas tivessem entregado algumas poucas falas a Crews e pedido que ele fizesse o que sabe fazer de melhor. Os maneirismos do ator, seu estilo escrachado e, principalmente, os exageros não apenas garantem uma bela introdução ao título, mas também capturam bem o tom do que está por vir.

Não apenas isso: não há como não enaltecer os belos gráficos dessa cutscene, uma mistura de fotorrealismo com animação bastante impressionante. Os gráficos in-game não aparecem dessa forma, mas também não deixam de todo a desejar. O que temos aqui é uma escolha estilística e Crackdown sempre foi cartunesco. Não dá para esperar realismo de um game em que controlamos um agente maluco que salta por todo lado enquanto explode absolutamente tudo.

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O que falta em qualidade visual, na opinião de alguns, sobra em elementos. O mundo tecnológico de neon e holografia de Crackdown 3 salta aos olhos, apresentando uma realidade bem diferente da nossa, mas ao mesmo tempo plenamente reconhecível. É aquela espécie de futuro amplamente imaginativo que estamos acostumados a ver no cinema, com uma bela camada de opressão e corrupção para criar heróis e vilões, dando sentido à destruição.

Basicamente, o jogador é o único sobrevivente de uma equipe de agentes levada à morte por informações erradas e um interesse bem maior que a vida de alguns soldados. Trazido de volta à vida por uma espécie de resistência, somos convidados a usar nossas habilidades para mostrar às corporações quem é que manda nesse universo. E isso tudo pode ser feito de forma cooperativa, o que torna as coisas mais divertidas.

Somos apresentados a um sistema de chefes de facção que controlam os diferentes aspectos da cidade de New Providence. Atacar bases controladas por esses alvos de interesse aumenta a tensão entre a resistência e a TerraNova, empresa da qual todos fazem parte. Os golpes também geram retaliações, aumentam as defesas nos pontos restantes e amplia a dificuldade do jogo na mesma medida em que o jogador acumula armas, poderes e, principalmente, habilidades, encontradas em todo canto pelo mundo aberto e que servem como recompensa para boa parte das ações.

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O título apresenta uma navegação incrivelmente orgânica, daquelas que se vê pouco em jogos de mundo aberto. Isso se deve a uma mistura de um tamanho adequado de mapa com a disposição bem feita dos pontos de interesse. Quando se joga, dá para atacar uma estação de metrô, libertar prisioneiros e seguir adiante destruindo uma base de veículos, antes de sofrer um ataque de um dos chefões, vencê-lo e seguir adiante para acabar com uma fábrica de químicos. Tudo sem praticamente colocar o pé no chão nem realizar longas viagens até objetivos marcados no mapa.

Essa variedade de objetivos muito próximos também faz com que o título demore a se tornar repetitivo. Por mais que a destruição seja sempre o objetivo em Crackdown 3, ela acontece de maneiras diferentes e, a não ser que o jogador queira comprar uma briga com uma facção específica e ignore todas as outras, sempre estará fazendo algo diferente, e quando menos perceber, terá avançado pelos objetivos com uma naturalidade impressionante.

Por outro lado, toda essa diversão tem seus revezes quando a Sumo Digital deixa de lado alguns elementos básicos que poderiam ter adicionado ao pacote. Não há nenhum tipo de estratégia envolvida nos ataques e, uma vez que o jogador ultrapasse um certo ponto, verá todos os oponentes atirando contra ele ao mesmo tempo. Devido à proximidade dos objetivos, isso acontece o tempo todo e não é incomum ver soldados de uma base colaborando, mesmo que sem querer, com os de outra.

Um sistema de cobertura faz falta em meio à chuva de balas que vem de todos os lados. Para recuperar energia, é preciso matar, o que se torna uma equação complicada quando simplesmente não é possível trabalhar de maneiras diferentes de acordo com a situação em que se está.

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A força bruta é o que define as coisas por aqui, mas como Crackdown 3 faz questão de mostrar às vezes, ela nem sempre é o melhor caminho. Principalmente quando a mira, sempre automática quanto se pressiona o gatilho esquerdo do controle, insiste em não travar no inimigo em que deveria. Assim como o próprio protagonista, os oponentes também parecem não sentir os disparos antes de a morte chegar, o que torna o uso de diferentes armas, basicamente, uma questão de gosto, poder de fogo e velocidade, e menos como um artifício interessante para diferentes tipos de ataque.

Crackdown 3 carrega uma simplicidade que chega a soar estranha em um mundo com tantos mundos abertos riquíssimos e cheios de coisas para serem feitas, que permitem ao jogador agir de diferentes maneiras. Talvez por conta de seu longo tempo de desenvolvimento e raízes profundas na história da Microsoft, o título é daqueles shooters que seria incrível em uma geração passada, mas não tão impressionantes assim em um tempo de Red Dead Redemption II ou Forza Horizon 4, por exemplo.

Essa característica pode ser encarada de duas maneiras distintas: pela negatividade já citada de um universo simples e com poucos objetivos e profundidade, ou pela jogatina descompromissada que, justamente, essa falta de corpo proporciona. Nesse sentido, o game acaba funcionando como o cansado clichê dos filmes de ação, que diverte sem acrescentar muita coisa nem ser grandemente memorável.

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O que nos leva ao segundo pé de Crackdown 3, onde as explosões efetivamente deveriam acontecer. Elas realmente estão lá, de corpo presente, mas a alma divertida da campanha principal se esvai completamente quando se percebe o vazio deste lado da moeda. Com apenas dois modos de jogo e quase nada para gerar engajamento, o multiplayer do título é seu gigantesco ponto negativo.

Logo nos primeiros passos nesse mundo conectado, é difícil não pensar que estamos diante de algo inacabado. Aqui, a mesma noção da campanha, de estarmos jogando um título que seria muito grande há dez anos, retorna no sentido oposto: Crackdown 3, no multiplayer, soa como aqueles jogos que iniciaram a era do mata-mata online, em que o objetivo era, apenas, apertar o gatilho.

Não há progressão nem um sistema de criação de personagens, com o jogador se unindo a um lobby, escolhendo um agente genérico, armas igualmente comuns e partindo para a ação em mapas pouco inspirados e muito semelhantes entre si. Saltos de grandes alturas e redemoinhos dão o tom da movimentação, enquanto rola um festival de explosões e tiroteio.

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O ideal é jogar a campanha primeiro para entender os comandos e o funcionamento das armas, mas, ainda assim, fazer isso só denota o quão vazio e, com o perdão da palavra, medíocre é esse multiplayer. Os dois modos, um em que é preciso dominar zonas que se movimentam com o tempo e outro em que, além de matar oponentes, é preciso coletar itens deixados por eles (aos moldes do Kill Confirmed, da série Call of Duty), fazem pouco para atrair a atenção.

E aí chegamos à destruição proporcionada pelo cloud computing, presente e plenamente perceptível na jogatina online, mas também desnecessária. Destruir ambientes não gera vantagens estratégicas nem cria novas oportunidades de jogabilidade, uma vez que Crackdown 3 apresenta uma jogabilidade movimentada por si só, em que ficar parado jamais é uma opção possível.

Os destroços, então, acabam se transformando em perfumaria. Ver prédios caindo por aí e o cenário se modificando (pouco) não acrescenta à jogabilidade em quase nada enquanto o objetivo central continua sendo matar os inimigos. É neles que você atira, e não nos edifícios, que sofrem apenas danos colaterais e jamais são o centro dessa ação. Se as estruturas não fossem destrutíveis, isso não faria diferença alguma na jogabilidade.

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Jogar também se torna um martírio quando o lag é presente e amplamente perceptível. Durante o processo de review, jogamos o multiplayer de Crackdown 3 em dois momentos distintos: primeiro, antes da plena abertura do servidor, em sessões iniciadas apenas para a imprensa e influenciadores; depois, jogamos com todo mundo, e a única diferença acabou sendo o tempo de matchmaking, menor na data de chegada do jogo às lojas.

A maior falha de Crackdown 3, então, acaba sendo em sua comunicação, o que acabou influenciando, também, na maneira com a qual o jogo foi realizado. Na campanha, por exemplo, se percebe que a intenção nunca foi a de ser um exclusivo de peso, assim como a própria franquia da qual faz parte jamais fez parte do panteão da plataforma da Microsoft. O multiplayer é claramente um experimento e uma demonstração, que acaba deixando de lado aspectos essenciais.

O problema, entretanto, é que o game acabou vendido como bem mais do que isso, seja pela necessidade de a empresa se firmar diante das rivais ou pelo hype dos próprios fãs, que acabou a levando por outros caminhos. Nesse sentido, Crackdown 3 deixa muito a desejar, mesmo diante de outros exclusivos recentes e notoriamente problemáticos, como foi o caso de Sea of Thieves e State of Decay 2, por exemplo.

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Entretanto, em um, faltou conteúdo, e em outro, um pouco de realismo sobre o que estava sendo plenamente oferecido, coisas que se resolvem com atualizações de conteúdo e um pouco de experiência ou alinhamento de expectativas. Mesmo para os maiores fãs da saga, Terry Crews ou das plataformas da Microsoft, entretanto, fica difícil defender Crackdown 3 como algo mais do que uma decepção.

Há, entretanto, valor em uma experiência que diverte de forma descompromissada, quando falamos do single player e, novamente, seu estilo profundamente orgânico e caótico. Vai de cada um saber o que mais lhe agrada e, principalmente, o tipo de game que deseja apreciar em dado momento. Como sempre falamos quando o assunto é a indústria de cinema, não há nada de ruim em desligar o cérebro e explodir algumas coisas de vez em quando.

Crackdown 3 foi testado no PC em cópia digital gentilmente cedida ao Canaltech pela Microsoft.