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A sucessão de erros e problemas que acompanha a história do Kinect

Por| 24 de Dezembro de 2015 às 15h00

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Não é preciso ser um pessimista para concordar que o Kinect foi um enorme fracasso. De periférico revolucionário, o acessório não levou mais do que alguns poucos anos para ser completamente deixado de lado por todos, incluindo a sua própria fabricante. Depois de inúmeras tentativas de mostrar que o sensor de movimentos era mesmo o futuro da indústria de games, o anúncio de que o Xbox One não viria mais acompanhado do dispositivo foi o golpe final.

No entanto, o que houve de errado? A ideia de um periférico capaz de reconhecer cada um dos seus movimentos a ponto de dispensar o uso de um controle é algo realmente incrível, beirando o futurista, mas o que vimos foi uma total apatia por parte do público e também das desenvolvedoras. Apenas da empolgação inicial, a quantidade de jogos destinados a essa tecnologia foi diminuindo até que o Kinect se transformou em um acessório para jogos de dança e, hoje, nem mesmo para isso ele serve mais. E a culpa disso passa por toda a escala da indústria, do próprio jogador que nunca se interessou em se mexer mais do que devia, dos estúdios que não apoiaram a ideia e principalmente da confusão com que a própria Microsoft liderou tudo isso.

O site Eurogamer conversou com alguns desenvolvedores que trabalharam com o Kinect desde o seu anúncio até o seu prematuro fim e eles contaram um pouco da sucessão de tragédias que culminou na criação do peso de papel mais caro e tecnológico da história.

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O caso Rare

Para qualquer pessoa com pouco mais de 20 anos, a Rare sempre foi sinônimo de qualidade. De clássicos como Donkey Kong Country e GoldenEye 007 a sucessos como Battletoads e Banjo-Kazooie, a produtora colecionava um histórico de ótimos títulos e uma enorme legião de fãs. Até que foi adquirida pela Microsoft e foi obrigada a fazer uma mudança radical em suas diretrizes.

Segundo o antigo designer do estúdio e atual diretor da Playtonic, Gavin Price, o conceito do Kinect era algo que já havia sido apresentado internamento dentro da Microsoft Studios, mas foi somente no início de 2009, meses antes do anúncio do Project Natal na E3 daquele ano, que a companhia decidiu estabelecer o que devia ser feito. E a Rare foi escolhida para cuidar dos principais jogos para o novo periférico, sendo obrigada a arquivar todos os projetos e conceitos no qual estava trabalhando até então.

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O mais curioso desse história é que, como conta Price, é que o carro-chefe dos lançamento para o Kinect havia sido imaginado de uma forma completamente diferente. Kinect Sports chegou ao Xbox 360 sendo apenas um amontoado de mini games esportivos sem qualquer identidade e pegando carona no sucesso de Wii Sports. Contudo, ele não havia sido imaginando inicialmente assim. Segundo o ex-designer da Rare, o conceito original era deixá-lo muito mais próximo de um simulador mais complexo e construído a partir da ideia de fazer com que o jogador se tornasse quase como um atleta profissional. Sob o nome de Sports Star, ele usaria os controles gestuais de maneiras bem mais inventivas e diferente de tudo aquilo que outros sensores de movimento, como o Wii e o PlayStation Move, apresentaram até então.

Só que esse projeto nunca viu a luz do dia, já que o então presidente da divisão de entretenimento da Microsoft, Don Mattrick, simplesmente disse que a ideia não era fazer algo naquele sentido e que era para a Rare fazer algo próximo àquilo que a Nintendo já vinha fazendo. De acordo com Gavin Price, Mattrick queria um Wii Sports com Kinect, deixando claro que a ideia do periférico não era fazer a tal revolução que havia sido prometida, mas apenas bater de frente com o console da Big N, que vendia milhões de unidades naquela época.

Essa obsessão com o Wii era algo bastante forte dentro da Microsoft, conta o atual diretor da Playtonic. Ele relembra que, além do Kinect, a empresa estava trabalhando em outro sensor de movimento bem mais parecido com os controles usados por outras empresas. Batizado de Magic Wand, o projeto trazia sensores biométricos e tinha alguns estúdios já trabalhando com ele, incluindo a própria Rare. No entanto, esse conceito foi abandonado no meio do caminho para acelerar a produção de títulos para o então Project Natal.

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Ainda assim, mesmo com a morte prematura do Magic Wand, Price diz que todos na Rare se empolgaram com as perspectivas do Kinect e passaram a trabalhar em diferentes ideias de como utilizar uma interface sem o uso de controles, além de várias ideias para o próprio Kinect Sports. De acordo com ele, o conceito original continha muito mais modalidades além das seis que chegaram com o game final, incluindo simulador de corrida, de tênis de mesa, escalada e até mesmo um de voo. Porém, ele não sabe dizer por que a Microsoft se contentou apenas com o pouco que os jogadores viram.

Mas nem todo esse entusiasmo conseguiu evitar a equipe de lidar com várias frustrações, sobretudo com as limitações do periférico. À medida que trabalhavam com o acessório, a Rare se dava conta do que ele podia ou não fazer e cada vez que ele parava de funcionar, a equipe precisava tentar entender o que era que estava acontecendo, já que havia uma série de variáveis que poderia influenciar naquilo.

Esse era apenas a ponta do iceberg de problemas de programação — algo que certamente afastou muitas produtoras. O ex-designer explica que a complexidade desnecessária de configurar ações simples era exaustiva, já que era preciso ajustar o sistema de reconhecimento para que fosse capaz de identificar os diferentes modos que cada pessoa executa uma mesma ação, além de adicionar uma série de instruções para que os jogadores saibam exatamente o que fazer. Os desenvolvedores se frustravam para evitar que isso acontecesse com o jogador.

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Lapidando aos poucos

Outro ponto que explica bastante o caminho tomado pelo Kinect foi a sua própria criação conturbada. Como conta Chris Sutherland, atual diretor de projeto de Playtonic e um dos membros mais antigos da equipe da Rare na época do lançamento do periférico, as especificações foram sendo construídas aos poucos e muito baseadas no acaso.

O maior exemplo disso foi o processamento destinado à novidade. Para reduzir custos, a Microsoft retirou o processador interno usado para fazer o mapeamento do indivíduo, obrigando o acessório a usar a CPU do Xbox 360. O problema disso é que o desempenho final do Kinect foi forçado a cair drasticamente, fazendo com que a leitura dos movimentos tivesse um lag enorme. E, como Sutherland explica, essa bomba caiu no colo das desenvolvedoras, que precisaram pensar em um modo de contornar essa lentidão em seus jogos. Assim, segundo ele, muitos dos games passaram a trabalhar com a ideia de "prever" a ação do usuário para minimizar essa demora.

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Assim, mesmo com todas essas dores de cabeça de bastidores, o Kinect chegou às lojas no final de 2010 e logo se tornou um enorme sucesso, alcançando números incríveis de vendas. Porém, ao mesmo tempo em que o acessório virou o assunto do momento e o sonho de consumo de muita gente, a quantidade e a expressividade de seus jogos ia se tornando cada vez menor. Na época, vários analistas de mercado atentaram para isso, descrevendo a novidade apenas como uma febre de Natal. E foi o que aconteceu.

A necessidade de mexer na organização da sala e a falta de títulos de peso foi o que realmente complicou para o lado do Kinect. Os maiores sucessos do periférico eram derivações daquilo que o Wii já fazia e as tentativas de fazer algo original não vingaram. Além disso, a Microsoft tentou trazer algumas de suas franquias mais populares para o mundo do controle de movimentos, mas a ideia não foi bem recebida. Como Gavin Price explica em relação ao fracasso de Fable: The Journey, os fãs viram aquilo como uma afronta à série que eles amavam. Afinal, por que estavam fazendo um jogo limitado como aquele ao invés de um Fable IV?

Para ele, novidades como o Kinect precisam que os seus criadores apresentem ideias que pavimentem o caminho daquela tecnologia — algo que a Nintendo sabe fazer muito bem. Porém, no caso da Microsoft, não foi isso o que aconteceu. Ela não pensou no que poderia fazer com aquele acessório e jogou isso para os estúdios, que logo abandonaram o conceito. E, sem ideias que realmente justificassem aquele produto, ele logo caiu no esquecimento.

A promessa da nova geração

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Apesar de todos esses problemas e da grande quantidade de projetos cancelados no meio do caminho, a Microsoft não desistiu do conceito e trabalhou em um sucessor do Kinect, desta vez pensado para a nova geração. E o sensor que chegou às lojas era realmente superior ao seu antecessor em praticamente todos os aspectos, desde o campo de visão às capacidades de reconhecer os movimentos do corpo. Como Chris Sutherland comenta, o Kinect 2.0 tinha alcançado tecnicamente aquilo que havia sido prometido para a primeira versão. Só que a fabricante queria muito mais.

Como foi mais do que reforçado durante o anúncio do Xbox One, o sensor não se limitaria apenas a captar os movimentos do usuário, mas também sua voz. Sua tecnologia de controle por voz foi melhorada significativamente e a ideia era se aproveitar disso para facilitar a navegação dentro do sistema, com destaque para as funções multimídia do console. Como a Microsoft pontuou várias vezes, o Kinect era parte central dessa nova experiência que o One oferecia.

Como o Eurogamer aponta, essa estratégia era algo que tinha tudo para dar certo, afinal o acessório já fazia parte do pacote e isso daria aos desenvolvedores uma base de usuários bem mais ampla para apresentar seus jogos. Contudo, o lançamento do PS4 minou tudo isso. O console rival era mais barato, mais potente e totalmente focado em games — ou seja, tudo o que os jogadores queriam.

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Isso forçou a Microsoft a correr atrás do prejuízo na tentativa de reverter a situação. E, como desgraça pouca é bobagem, até mesmo a NSA e Edward Snowden entraram na história quando ele vazou dados e revelou que a câmera sempre conectada do video game era usada também para monitorar as pessoas para a agência norte-americana. Assim, a empresa se viu forçada a acabar com a exigência do Kinect no Xbox One.

O fim dessa necessidade do sensor foi algo que dividiu opiniões. Por um lado, ajudou o Xbox One a ficar mais barato e otimizou o uso de sua GPU, permitindo que o console batesse de frente com o PlayStation 4. Por outro lado, isso foi um golpe em todos os estúdios que estavam trabalhando em títulos para o Kinect e que apostavam no fato de o periférico ser vendido em conjunto. Como Gavin Price conta, a Microsoft passou a vender a plataforma sem o acessório pouco tempo após o lançamento de Kinect Sports Rivals. Ele explica que, ainda quando o Kinect era parte fundamental do console, o estúdio achou que aquele seria o seu grande momento, mas essa impressão logo se desfez.

Assim, o ex-designer da Rare diz que isso fez com que a produtora se tornasse cada vez mais marginalizada dentro da Microsoft Studios. Contudo, ele não culpa a Microsoft pelo fato de o estúdio ter se tornado um estúdio de jogos casuais, uma vez que toda a equipe ali realmente viu no Kinect um potencial a ser explorado e todos se engajaram nisso ao longo desses anos. O problema é que todo o caminho foi bastante conturbado para o acessório e, consequentemente, para a Rare.

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O futuro (?) do Kinect

Não há como negar que a Microsoft praticamente abandonou o Kinect por completo. Tanto que quase não ouvimos mais falar dele e todas as apostas do futuro estão no HoloLens, seus óculos de realidade aumentada. Porém, isso não quer dizer que o sensor está fadado a morrer.

Se a sua fabricante não soube aproveitar seu potencial, a comunidade hacker vem mostrando o que as câmeras e toda a tecnologia envolvida no Kinect podem ser usadas para diferentes fins. Tanto que não é raro encontrar projetos paralelos e bastante criativos para a captação de movimento. Assim, mesmo que por linhas bem tortas, o projeto que prometeu revolucionar o mercado vem sobrevivendo.

Fonte: Eurogamer