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Como armas virtuais têm transformado gamers em apostadores de eSports

Por| 29 de Abril de 2016 às 09h42

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Valve
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Apesar dos bons genes inegáveis, não se pode dizer que Counter-Strike: Global Offensive tenha sido uma unanimidade entre público e crítica quando deu as caras em agosto de 2012. Na verdade, o game surgiu em meio a uma verdadeira enxurrada de jogos de tiro de proposta razoavelmente semelhante – e isso sem contar com um grande reforço da marca CS, que andava meio em baixa mesmo nos campeonatos profissionais, seu reduto por excelência.

Entretanto, uma única decisão mercadológica da Valve moldou a proposta que hoje é capaz de lotar estádios esportivos de grande gabarito - incluindo transmissões ao vivo para milhões de fãs fervorosos de eSports ao redor do globo. Em tempo: nem todos ali são necessariamente grandes fãs da modalidade ou, particularmente, de CS:GO, como é chamado o título entre os neófitos.

Troque sua arma por dinheiro vivo

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A popularidade de Global Offensive foi realmente catapultada às alturas quando a softhouse resolveu incluir skins para as armas disponíveis dentro do jogo. Trata-se de versões decorativas, normalmente com cores que dificilmente seriam utilizadas em campo por qualquer soldado que não fosse um suicida em potencial.

Mas há uma diferença substancial: embora essas armas sejam entregues como prêmios dentro do jogo, elas também podem ser trocadas por dinheiro. Por “faz-me-rir” de verdade mesmo - normalmente dólares.

O resultado? Em um período de dois anos, CS:GO teve um aumento de 1.500% em sua base instalada. Atualmente, o jogo que começou como mais um derivado de Counter-Strike mantém mais de 380 mil jogadores mundo afora, jogando sempre que possível.

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“Experimente a emoção do mercado negro”

A introdução das skins em Counter-Strike: Global Offensive foi acompanhada pelo seguinte texto – em tom jocoso, naturalmente: “Experimente todas as emoções do tráfico de armas através do mercado negro sem precisar ficar perdido em galpões escuros e sem acabar esfaqueado até a morte”.

Brincadeiras à parte, é fato que a adição deixou CS:GO vários passos mais perto do que, para muita gente, constitui um dos principais chamarizes dos esportes profissionais: a possibilidade de escolher um ganhador e apostar na sua vitória uma quantia em dinheiro. No caso, com apostas em skins que são adquiridas com dinheiro vivo – assemelhando-se a fichas de pôquer, portanto.

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Ademais, assim como ocorre com fichas de pôquer em um cassino, a existência de um mercado formalmente instituído permite converter imediatamente quaisquer armas em moeda corrente – de maneira que, para todos os efeitos, as apostas são mesmo feitas em dinheiro vivo.

A banca sempre ganha

Há atualmente diversos sites que permitem aos jogadores trocar ou vender skins obtidas em Global Offensive, podendo ainda apostá-las em equipes profissionais que digladiam internet afora. E a popularização dessa modalidade de “jogo” não foi nada menos do que colossal, fazendo com que a Valve vendesse até hoje mais de 21 milhões de cópias de CS:GO – o que por sua vez gerou uma receita de US$ 567 milhões desde que o game surgiu nas prateleiras há quatro anos.

Mas verdade seja dita: esse não foi o único “pulo do gato” de Gabe Newell e Cia. Embora as operadoras pela internet se encarreguem de firmar as apostas, todo o processo se dá por meio de um software provido pela própria Valve, que a cada skin vendida garante sua parcela de 15% do dinheiro investido. Segundo estimativas da companhia fiscalizadora de jogos SportIM, mais de 3 milhões de pessoas apostaram US$ 2,3 bilhões apenas em 2015 – de forma que basta fazer as contas...

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Embora a Valve não divulgue relatórios de lucros, a empresa privada PrivCo estima que em 2013 a companhia faturou US$ 325 milhões em uma receita de US$ 1,6 bilhão - isso para não mencionar os US$ 2,2 bilhões atribuídos à figura do cofundador Gabe Newell pelo periódico Forbes.

Valve: “Sem comentários”

“Nada mais em Counter-Strike se relaciona ao jogo”, disse Moritz Maurer, responsável pelo SportIM, em entrevista ao site Bloomberg. “Tudo ali se trata de apostar e ganhar.” Naturalmente, tal proliferação não poderia deixar de chamar a atenção de agências reguladoras de jogos – sobretudo porque apostar em esportes é uma atividade ilegal na maior parte do mundo. E, ademais, não faltam relatos de partidas conduzidas com acertos escusos, incluindo ganhadores e perdedores escolhidos de antemão, aumentando alguns poucos montantes.

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Curiosamente, entretanto, os trapaceiros são praticamente os únicos a entrar na mira da Valve. Embora elimine cheaters de tempos em tempos, a publicadora jamais se pronunciou contrariamente à utilização de seus produtos como moeda corrente.

Na verdade, a companhia até se abstém de fazer qualquer comentário sobre o assunto – incluindo o que se diz sobre o apoio técnico prestado a sites de apostas como o CSGO Lounge. “Eu confio completamente nesse site, já que toda a comunidade o utiliza”, disse um apostador mirim ao Bloomberg. “Ele até foi reconhecido pela própria Valve.”

“Isso não ocorreu por acidente”

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A possibilidade de que uma estratégia bem definida tenha culminado no atual ecossistema de apostas que rodeia Counter-Strike: Global Offensive surgiu em 2014. Durante o evento Steam Dev Days, um dos funcionários da Valve, Kyle Davis, subiu ao palco para explicar como a companhia via o cenário então instalado.

“Isso não ocorreu por acidente, isso é fruto de design”, disse Davis. “Nós vemos cada vez mais blogs surgindo e mais e mais e-mails dos nossos jogadores dizendo ‘Eu não tenho certeza do que está acontecendo, mas eu joguei DotA durante uma ou duas semanas e faturei US$ 100 vendendo os itens que obtive’”. Embora tenha atestado que se tratava de “um enorme sucesso” para a empresa, Davis se recusou posteriormente a dar entrevistas relacionadas ao assunto.

Além dos sites dedicados às apostas em equipes de jogadores do shooter, há também outros sites, muito mais diretos em relação à economia mantida pelas skins de Global Offensive. De fato, há um deles trabalhando como uma espécie de roleta, enquanto outro disponibiliza diversos desafios estilo loteria por minuto – para os quais as chances de ganhar dependem do valor da arma que é apostada.

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Um eSport de fácil assimilação

É inegável que práticas como as apostas em CS:GO surgiram por conta da projeção crescente dos eSports. Há atualmente milhões de pessoas ao redor do mundo (normalmente abaixo dos 25 anos) dispostas a gastar um bom tempo livre para assistir a partidas entre equipes que se tornam cada vez mais um novo tipo de celebridade esportiva – devidamente divididas em times e ligas, com patrocinadores e acordos de exibição em mídia de cifras altas.

Conforme aponta o site Bloomberg, é também a essa popularização que Global Offensive deve sua onipresença atual. A despeito de jogos focados em realidades fantásticas e estratégias, como League of Legends, games como Counter-Strike são mais fácil e rapidamente assimilados pelos milhões de espectadores – sem a necessidade de conhecer regras complexas e hierarquias envolvendo feitiços e criaturas bizarras, que representam um esforço extra para quem vem de fora.

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Na mira dos promotores

A expansão desmedida dos sites de apostas e das “loterias” baseadas em skins tem chamado cada vez mais atenção de um público pouco simpático à inovação – um que vê a coisa toda como uma forma de competição desleal.

“Não há dúvida de que as instâncias reguladoras vão alcançá-los, e será um dia bastante triste para esses sites”, disse ao Bryce Blum, da Unikrn, uma empresa de apostas em eSports licenciada para operar em países nos quais é permitido apostar em eventos esportivos. Caso ocorra uma queda sistemática, ela certamente será extensa, já que figuram cerca de 700 sites focados nessas apostas de difícil avaliação legal – e isso para ficar apenas nos mais populares, que chegam a movimentar mais de US$ 1 milhão em apostas em um único evento.

Jogatina difícil de classificar

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Embora as apostas em partidas online ocorram sem grandes preocupações de ocultação, é fato que diversos sistemas de leis têm encontrado dificuldades na hora de apontar o crime cometido por esse tipo de serviço. Afinal, as apostas propriamente ditas ocorrem abaixo de algo não apenas legal como também cada vez mais comum: a compra e venda de itens virtuais.

Por outro lado, mesmo o escasso mapeamento legal do território não é suficiente para refrear críticas severas ao serviço, sobretudo em relação aos clientes típicos desses sites e loterias virtuais, em grande parte menores de idade. E, nesses casos, o pagamento de apostas acaba facilmente diluído em gastos com jogos no Steam, restando o ônus às contas bancárias paternas.

Fontes: Bloomberg, YouTube, CSGO lounge