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Controvérsia sobre Velas Padrão e a Energia Escura

Por| 15 de Abril de 2020 às 10h00

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Controvérsia sobre Velas Padrão e a Energia Escura
Controvérsia sobre Velas Padrão e a Energia Escura

Nos últimos meses do ano passado, alguns artigos científicos viraram sensação ao colocar dúvidas sérias no nosso entendimento da evolução do universo (ou seja, do chamado "modelo padrão da cosmologia"). Em especial, esses artigos questionaram a validade da evidência que o brilho de supernovas muito distantes traz da existência da "energia escura'', um misterioso ingrediente do universo que parece ser onipresente, ter densidade constante, e causar um aceleramento da expansão cósmica. Neste texto, vou tentar abordar essa história e comentar um dos artigos que têm chamado mais atenção — o Early-type Host Galaxies of Type Ia Supernovae. II. Evidence for Luminosity Evolution in Supernova Cosmology. Porém, primeiro, vamos tentar entender o que é energia escura e como ela foi descoberta.

Há verdades que parecem incontestáveis no nosso cotidiano, e "tudo o que sobe tem que descer'" é uma delas. No entanto, esta afirmação — que nada mais é do que a percepção que a gravidade é uma força atrativa entre corpos — é mais uma das muitas que foram questionadas pela infinidade de descobertas surpreendentes da Física no século XX.

Histórico

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Tudo começou quando Albert Einstein propôs sua teoria de gravidade, na qual o efeito da gravidade não vem apenas da massa dos corpos, mas também da sua pressão. Como? Imagine um frasco fechado com um gás dentro. Esse gás tem uma certa massa e, já sabia Isaac Newton, essa massa faz com que corpos na vizinhança do frasco sejam atraídos. Einstein, no entanto, percebeu que a atração era na verdade em função da energia (o que faz sentido, se você se lembrar que ele descobriu a equivalência entre massa e energia). Mas uma parte da energia do gás está justamente sob a forma de pressão (que é devido a energia cinética das partículas)— então a pressão também tem gravidade!

Até aí, claro, tudo bem. A pressão do gás dentro de um frasco, assim como a massa, é um valor positivo e, com isso, a gravidade de Einstein também é uma força atrativa — mas seu valor é um pouco maior do que a teoria clássica (em qualquer situação cotidiana, essa correção é pequena demais para ser notada). O que aconteceria, no entanto, se tivéssemos um gás com pressão negativa? Ou mais ainda, negativa o suficiente para cancelar o efeito da massa?

Uma das primeiras sugestões da existência de uma "pressão negativa'' foi do próprio Einstein. Na época, acreditava-se que o universo era estático: sempre tinha existido, e não expandia ou se contraía. Mas como conciliar isso com a gravidade atraindo todos os corpos (o que levaria o universo a colapsar)? Bem, se você postulasse a existência de uma pressão negativa em todo universo, aparecia uma componente no resultado que anulava o efeito da gravidade em grandes distâncias — e o universo não colapsaria por isso.

Este foi o erro que o próprio Einstein chamou de "seu maior erro'', mas o erro não foi introduzir a tal pressão negativa. O que ele não percebeu é que esse equilíbrio era instável: qualquer pequena perturbação (que poderia ser só pelo próprio movimento das galáxias, mudando a densidade de lugar pra lugar) faria com que ou a massa, ou a pressão negativa, ganhasse — e o universo ou entraria em colapso ou expansão acelerada.

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Por muito tempo, depois da descoberta que o universo de fato estava se expandindo, imaginou-se que essa expansão estivesse se desacelerando. Afinal, a gravidade é a força dominante do universo em larga escala, e era atrativa. Tudo isso iria mudar com o fim dos anos 1990, graças ao que chamamos de "vela padrão''.

Existe um tipo de supernova chamado Ia (lê-se "um a'') que ocorre em sistemas binários onde uma estrela é uma anã-branca (que são o fim da vida de estrelas de baixa massa, depois de acabarem com seu combustível nuclear). Acredita-se que, nesses sistemas, quando a anã-branca recebe massa da outra estrela, ela só pode aumentar até um limite porque, depois, o peso adicional faz com que ela entre em uma violenta detonação termonuclear. Este limite, por sua vez, depende apenas de algumas constantes fundamentais e, por isso, o brilho da explosão é um valor que pode ser calculado. Por isso chamamos supernovas Ia de "vela padrão'': elas têm um brilho próprio bem conhecido. Com uma vela padrão podemos medir distâncias, porque o brilho observado de uma fonte cai com o quadrado da distância do observador.

Assim, dois grupos no fim dos anos 1990 passaram a estudar supernovas do tipo Ia muito distantes para determinar a taxa de desaceleração da expansão do universo. Eles usaram a medida do avermelhamento (redshift) da luz das galáxias onde essas supernovas ocorreram para determinar há quanto tempo se deu a explosão, e o brilho observado para determinar a distância. Com isso, podemos observar a velocidade com que o universo se expande em diferentes momentos porque, quanto mais longe, mais para o passado observamos. O resultado foi uma das maiores surpresas do século e rendeu o prêmio Nobel para os chefes de ambos os grupos: a expansão estava (desde mais ou menos a metade da idade do universo) se acelerando!

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Como é possível que, em um universo dominado pela gravidade, a expansão esteja se acelerando? Bem, como vimos, um dos jeitos é que haja algo que tenha pressão negativa espalhado por todos os lugares. O que é este algo era e ainda é desconhecido e por isso ganhou o nome misterioso de "energia escura'' (escura, aqui, tem o sentido de "invisível'').

Desde então, muitas observações confirmaram independentemente a realidade dessa "energia escura'', mesmo que não se saiba o que é: a formação de aglomerados de galáxias, as flutuações no brilho do Big-Bang (a chamada "radiação cósmica de fundo'') e assim a energia escura se tornou parte do "modelo padrão da cosmologia''.

Descobertas recentes

Ok, mas você acredita mesmo nessa história de velas padrão? Se você desconfiou dessa história que toda anã-branca explode igual, tenho uma notícia: mais gente concorda contigo. Primeiro, precisamos falar que, entre outros problemas, a conta que diz qual é o limite de massa que uma anã-branca, antes de explodir, assume que a estrela não está rodando. Isso é absurdo, porque todas as estrelas que pudemos medir, giram. Mas este problema, como alguns outros parecidos, é contornável: faz-se uma correção dos dados e, da média de várias estrelas, conseguimos obter uma "supernova padronizada'' que ainda pode ser usada para medir a aceleração cósmica.

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O problema de verdade seria se alguém descobrisse que as supernovas mais antigas, mais distantes, tenham brilho próprio menor. E é justamente isso que os pesquisadores coreanos sugeriram recentemente, estudando supernovas relativamente próximas — lembre-se: o universo é muito grande, e "próximo'' aqui significa que a supernova mais próxima estava a 131 milhões de anos-luz, o que é mais de 8 trilhões de vezes a distância entre a Terra e o Sol! —, eles perceberam que o brilho das supernovas tipo Ia era menor quando a população estelar da galáxia onde a explosão aconteceu era mais jovem (é possível medir a idade em média da população de estrelas de uma galáxia por espectroscopia, que analisa as cores da luz emitida). Isto é um grande problema! Afinal, nas explosões muito distantes que observamos, o universo era bem mais jovem e provavelmente as galáxias, onde essas supernovas ocorreram, devem ter populações estelares mais jovens. Assim, o grupo do artigo sugeriu que, talvez, a observação que levou a descoberta da energia escura pode ser um efeito das galáxias onde as supernovas ocorreram, que as fizeram menos brilhantes.

Considerações finais

Ainda é cedo, no entanto, para descartar a ideia de energia escura e mudar o modelo atual da cosmologia física. A energia escura pode ser medida de várias maneiras independentes. Os maiores aglomerados de galáxia (com massas de até 1 quadrilhão de vezes a massa do Sol), por exemplo, são mais raros e levam mais tempo para se formar — os que existem são mais recentes na história do universo. Acontece que a energia escura, ao acelerar a expansão do universo a partir de certo momento, impede que os maiores se formem, tornando-os ainda mais raros. Diversos grupos já fizeram medições cosmológicas usando aglomerados e chegam também a um modelo com energia escura. Colaborações como o DES (Dark Energy Survey), da qual o Brasil faz parte, estudam de diversas maneiras a distribuição de estruturas de grande massa (como galáxias e aglomerados de galáxias) pelo universo, e também o efeito da gravidade dessa distribuição na luz (chamado de "lentes gravitacionais"). Os resultados também concordam com a existência energia escura. A mesma coisa acontece com os estudos da radiação cósmica de fundo, como o satélite Planck: ao medir padrões de flutuação da temperatura da luz do Big-Bang, podemos calcular quanto há de matéria bariônica (aquela que forma estrelas, planetas e nós mesmos), matéria escura, e energia escura.

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Mas, então, como podemos explicar os resultados divergentes com supernovas? Um estudo feito em resposta, incluindo membros das colaborações que fizeram parte da descoberta original da energia escura, criticou estes resultados, argumentando sobre três problemas com o estudo anterior. Primeiro, algumas das supernovas utilizadas tinham poucas medidas para determinação correta da sua luminosidade — inclusive algumas que, se retiradas da análise, diminuíam bastante o efeito detectado de correlação com a idade das estrelas da galáxia. Em segundo lugar, o catálogo de supernovas usado no artigo tem efeitos de seleção que influenciam no resultado dessa correlação, e é diferente de um catálogo usado para avaliar a energia escura. E, finalmente, em terceiro lugar, a extrapolação dessa correlação para galáxias muito mais distantes (que são as usadas em cosmologia) é problemática. Primeiro porque diversos testes usando outros dados chegam a valores discrepantes dessa análise, e também porque a maioria das supernovas usadas em cosmologia são de galáxias com população estelar jovem, o que fornece uma amostra mais uniforme.

Com isso, a relevância do resultado no artigo que questiona a validade das supernovas pode ser posto em xeque. Com essas questões em aberto, vamos ter de esperar que novos estudos expliquem e revisem as medidas de cosmologia através de supernovas do tipo Ia para que possamos dar um novo veredito.