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Crítica | The Rental é uma grande homenagem que poderia ser mais ambiciosa

Por| 11 de Agosto de 2020 às 23h00

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IFC Films
IFC Films

Quando uma estrutura funciona, tornando algum título bastante popular, não é incomum que outras obras tentem reproduzir a fórmula, desgastando não só o formato, mas criando uma série de filmes tão semelhantes entre si que parecem estar contribuindo para a decadência do próprio gênero. Esse movimento é natural, permeia todas as artes e, apesar de parecer ruim, tem suas vantagens ao gravar a fórmula no imaginário popular.

Desde os anos 1980, é comum no terror a narrativa do grupo de jovens que resolve ir para algum lugar isolado, ignora todos os sinais e, quando não é mais possível fugir, acaba morrendo, sobrando eventualmente o sobrevivente que dará seguimento à franquia e tornando-se o principal opositor do vilão. Essa fórmula, cujo maior expoente é provavelmente Evil Dead (ou Uma Noite Alucinante ou A Morte do Demônio), originou muitas excelentes obras de terror, inspirando inclusive a excelente homenagem O Segredo da Cabana (2011).

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O primeiro longa-metragem dirigido e escrito pelo ator Dave Franco não é menos que uma belíssima homenagem, atualizada e misturada com outro subgênero do terror bastante ligado a jovens escondidos no meio do nada, o slasher (no qual um alguém mata diversos personagens ao longo da trama, criando um entretenimento baseado nas mortes em si). Em The Rental, os tais jovens cresceram e se tornaram adultos ricos que, ao invés de alugar uma cabana bizarra do meio do nada, alugaram uma mansão no meio do nada.

Os elementos

Os geralmente cinco amigos aqui são apenas quatro, o que se justifica pelo desdobramento do roteiro, que é muito mais profundo ao desenvolver as relações de ambos os casais, inserindo uma atmosfera de swing que deságua em uma intriga de traição. É comum o subtexto sexual em filmes de terror e, aqui, a atualização é mais do que válida, já que antigamente qualquer "promiscuidade" era penalizada com uma cruel fatalidade, como acontece na primeira morte de A Hora do Pesadelo (1986, Wes Craven).

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Na fórmula, quando os adolescentes estão a caminho da cabana, é um elemento comum também o aparecimento de uma figura estranha, geralmente um homem mais velho e muito bizarro, que dá os primeiros indícios de que aquele não é um bom lugar para se estar, o que é obviamente ignorado pelos protagonistas. Em The Rental, a atualização desse elemento é bastante inteligente ao inserir uma justificativa para ele.

A inserção da personagem de Sheila Vand viabiliza a discussão sobre xenofobia para embasar essa figura icônica, trazendo um terror real para dentro da narrativa. Isso, somado à desobediência de um dos casais ao levar um cachorro para a casa alugada, cria uma tensão entre o grupo e o locatário, deixando o filme aparentemente óbvio. A homenagem, no entanto, está em revitalizar a fórmula: embora a discussão sobre o preconceito se perca, o surgimento de mais um personagem, um assassino a la Michael Myers, gera uma empolgação a mais para os fãs de slashers. Aliás, vale lembrar que o sumiço do cachorro não ser seguido da morte do animal também é uma ótima quebra de clichê.

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Além da reverência

O roteiro fica ainda melhor pelas relações criadas para os personagens, misturando conexões familiares, fraternais e profissionais, fazendo com que cada dupla de personagens tenha sua própria química, que substitui a química homogênea de grupo, mais adequada a jovens adultos e adolescentes. Tudo isso é potencializado, claro, pelas atuações.

Ainda com relação ao roteiro, é incrível como Dave Franco insere algumas metalinguagens através do personagem de Jeremy Allen White, como quando ele tenta acertar a senha da porta digitando "666" e diz que seria mais assustador se ele tivesse acertado, o que, além de ser uma quebra do clichê, é uma discussão sobre o clichê dos personagens que acertam as senhas na primeira tentativa sem justificativa alguma se não levar o personagem a uma situação ainda mais assustadora. Isso se repete quando outro clichê é quebrado: tudo indicava para que, atrás da porta com senha, existisse uma sala de controle e, novamente, o personagem comenta o elemento óbvio do filme, dizendo que era isso que ele esperava.

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A direção é competente também ao auxiliar na construção da atmosfera, mas é nesse ponto que a excelente homenagem do roteiro não evolui para um trabalho autoral realmente memorável. Mais do que isso, talvez o assassino seja semelhante demais ao de Halloween para ganhar uma franquia própria (o que é merecido pela ideia de um assassino de Airbnb), embora The Rental deixe espaço para uma continuação: não só o vilão aparece alugando um novo local e observando as novas vítimas, mas também não há confirmação da morte Michelle (Alison Brie). Será ela a Laurie Strode de The Rental?

The Rental, enquanto homenagem, é um excelente filme de terror. Ótimo filme por si próprio, melhor ainda para fãs com referências mais antigas. Infelizmente, ainda que seja muito elogiável, não tem o Elemento X que fez de Pânico uma franquia memorável (lembrando que Pânico é, em sua essência, uma tremenda homenagem aos slashers). De qualquer modo, o Dave Franco cineasta é um nome para deixarmos no nosso radar.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.