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Crítica | Pole Dance: A Dança do Poder e a prática como uma cura

Por| 17 de Fevereiro de 2021 às 09h46

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Quando se pensa em pole dance, acaba sendo inevitável não associá-la a luzes neon, música alta, homens jogando dinheiro em alguma casa noturna no meio da madrugada... A prática, que inicialmente nasceu como uma espécie de ioga num poste de madeira, acabou sendo popularizada em 1920 no ápice da Grande Depressão norte-americana, quando dançarinas realizavam movimentos com o quadril em pequenos palcos para oferecer entretenimento aos homens.

O pole dance, popularmente conhecido hoje, tem muita influência do burlesque, que se originou na Era Vitoriana em 1840, mas ganhou muito mais força em 1889 com o famoso cabaré Moulin Rouge, em Paris. Mas foi apenas 100 anos depois que houve o primeiro registro da dança (ainda com fins eróticos) num clube de striptease em Oregon, nos Estados Unidos. Desde então a prática acabou sendo remetida a apenas como algo sexual e presente em casas noturnas, como visto em As Golpistas (2019), com Jennifer Lopez.

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Atualmente, o pole dance é visto como um exercício voltado para a ginástica corporal, oferecendo à pessoa um controle maior sobre o próprio corpo, peso e equilíbrio. O esporte ainda se divide em diversas práticas: fitness, circense, exótico, sensual entre muitas outras. Em Pole Dance: Dança do Poder, o mais novo documentário original da Netflix, o público tem a oportunidade de conhecer a coreógrafa e professora de dança Sheila Kelley, fundadora da companhia artística S Factor, e seu trabalho para recuperar a autoestima de diversas mulheres por meio do pole dance.

Atenção, a partir daqui o texto contém spoilers sobre o documentário Pole Dance: Dança do Poder.

Mal traduzido, visto que seu título original é Strip Down, Rise Up, a produção documental é da cineasta indicada ao Oscar Michèle Ohayon, que trouxe uma equipe 100% feminina para registrar a dança como principal fator para a recuperação da autoestima sexual das alunas de Sheila Kelley. A Dança do Poder passa suas duas horas de duração mesclando cenas das alunas dançando no estúdio S Factor com seus depoimentos contando os motivos que as levaram a praticar o pole dance.

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Embora seja muito bonito de acompanhar a história de cada uma das participantes, principalmente porque nenhuma delas é igual a outra e cada uma carrega traumas e situações diferentes de serem superadas, o storytelling da produção soa, em algum momento, repetitivo. De uma forma que talvez funcionasse melhor como uma série documental, dedicando um episódio a cada aluna, A Dança do Poder peca no excesso de tempo ao explorar os detalhes de cada situação, perdendo a mão e, infelizmente, partindo para o exagero.

Por outro lado, o espectador se entrega na história pessoal de cada uma das mulheres que vêm ao estúdio de Sheila Kelley, variadas em todas as formas, cores, idades e sexualidade. São diferentes histórias e traumas profundos a serem divididos e desenvolvidos ao longo do documentário, mas há um problema incômodo no meio de tudo isso: a professora, embora deixe claro desde o início do filme que não possui nenhuma especialização em psicologia, acaba sendo terrivelmente mal preparada para se envolver no trauma que as participantes estão enfrentando. Muitas são sobreviventes de estupro, outras vêm de uma educação conservadora e repressiva, algumas carregam doenças que acabaram afetando todo o corpo e levando sua autoestima embora. Kelley não é terapeuta, mas em muitas cenas é vista forçando as mulheres a confrontar seus traumas de maneiras pouco saudáveis na frente das câmeras e do restante da classe.

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Outra falha é como a líder da iniciativa vende a dança como uma forma de combater o olhar patriarcal capitalista, utilizando um discurso que defende uma ideia liberal em que as mulheres combatem paradigmas machistas sem ao menos se envolver em qualquer luta coletiva feminista. Embora o pole dance seja um esporte, dizer a um grupo de alunas que carregam cicatrizes profundas (muitas delas causadas por homens) que se despir e praticar uma dança cujo histórico remete ao entretenimento masculino acaba sendo um pouco inadequado, embora a ideia de Kelley seja diferente da que tenta passar.

A Dança do Poder não tem como objetivo explorar o pole dance como uma prática esportiva, e sim como uma forma de recuperar a autoestima da mulher, sobretudo a sexual. Nisso, o documentário cumpre seu trabalho e sensibiliza a audiência que partia do senso comum de que a dança atende apenas à fantasia e à luxúria masculinas. Kelley descobriu o pole dance enquanto se preparava para interpretar uma stripper num filme, mas descobre que havia poder em recuperar essa forma específica de expressão.

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Ao longo do documentário, o público imerge em cada uma das histórias contadas na tela e acompanha os mínimos detalhes de cada uma das aulas — de uma forma tão íntima que o espectador pode se sentir desconfortável em alguns momentos, sentindo-se um intruso. Todas essas lições acabam mostrando às participantes como explorar e valorizar o corpo feminino, resgatando sua autoestima sexual e espiritual.

A diretora Michèle Ohayon também não deixa de retratar no filme o outro lado da moeda, com depoimentos de uma ex-aluna do S Factor que admite não ter gostado da iniciativa. Além disso, a cineasta também traz a recepção externa da prática de Kelley, que é muito bem resolvida e se dispõe a explicar para qualquer pessoa como o pole dance praticado por si própria está muito mais voltado a habilidades atléticas do que eróticas, mas ela e seus filhos perderam amigos quando começou a ensinar outras mães da vizinhança. A Dança do Poder mostra essa ideia de que a mulher, ao tentar encontrar alegria em seu corpo, acaba sendo um ato de vergonha para as pessoas à sua volta, devolvendo o assunto para um local de tabu.

O objetivo do documentário de quebrar a ideia de o pole dance ser uma dança única e exclusivamente feita para os prazeres masculinos é bastante óbvio. A Dança do Poder acaba, na realidade, sendo sobre mulheres se reconstruindo dentro de seus próprios corpos, que muitas vezes acabaram sendo roubados por outras pessoas e fazendo-as sentir que não eram mais propriedade delas mesmas. Não existem histórias iguais, tampouco lineares ou previsíveis, e talvez seja isso o que as torne tão comoventes e interessantes de serem assistidas.

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Pole Dance: A Dança do Poder está disponível na Netflix.