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Crítica | O Fascínio é terror tutti-frutti que desanda no meio do caminho

Por| 07 de Outubro de 2020 às 12h27

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O Fascínio é um filme inteligente: não porque nos surpreende com a perspicácia do roteiro, mas porque soube criar algo que oscila entre interessante e clichê, o suficiente para prender nossa atenção, mas não o bastante para ser memorável. São poucos os filmes de terror que conseguem ser comerciais, populares e excelentes ao mesmo tempo e, normalmente, o dilema está entre dar o que (supostamente) o público quer e oferecer um produto autoral de qualidade. O título da Netflix, no entanto, parece optar pela via autoral no início, mas se rende aos clichês mal trabalhados ao final, criando algo que, ao invés de agregar públicos distintos, não serve a nenhum com qualidade.

A Itália tem um histórico muito relevante no terror e há um pouco do terror gótico italiano em O Fascínio, mas apenas o suficiente para ser captado pelos olhares mais atentos, evitando que o filme possa ganhar uma atmosfera muito longe do que há de mais óbvio no gênero. A direção de arte é fundamental no que há de realmente interessante no filme e a direção, a princípio, consegue criar momentos bastante interessantes, fisgando nossa atenção.

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A direção de Domenico Emanuele de Feudis também é esperta ao dar ares documentais ao filme através da inserção de imagens fotográficas nos créditos, mas ficamos sem saber se são reais ou não (e a dúvida é uma amiga do terror). Com a ficção apresentada e a possibilidade de um local em que a cultura seja de tal forma, a imaginação do espectador fica livre para viajar e criar suas próprias verdades, o que é uma vantagem da arte, mas uma desvantagem quando se trata de entender o que é realidade e o que é ficção.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

O que é, o que é?

O Fascínio inicia muito bem soltando pistas que nos guiam por caminhos que vão ficando interessantes. O filme começa a partir da cena de um ritual e nossa mente revisita o catálogo de experiências com terror para entender logo de cara que se trata de uma possessão demoníaca. Em seguida, com a ida da família à casa da mãe de Francesco, uma nova atmosfera se constrói a partir de personagens femininas misteriosas que utilizam recursos da natureza. Seriam elas bruxas? O lado demoníaco é confirmado ainda por um pequeno (mas muito significativo) detalhe: há o choro de uma criança que, quando aparece, está em um carrinho no estilo O Bebê de Rosemary, um detalhe pequeno, porém maravilhoso para quem tem em alta estima o filme de Roman Polanski.

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A história, que parece não estar decidida entre possessão e bruxaria, ainda adiciona laços de sangue e mordidas à história e quase nos conduz por uma narrativa vampiresca. Com isso, O Fascínio nos induz a pensar nos códigos que conhecemos, brincando com nossos conhecimentos prévios de terror, o que será frustrado em breve, quando tudo se mistura para uma resolução tão inédita quanto frustrante. A desvantagem, no entanto, não é exatamente esse amálgama de características, que funcionam muito bem ao tentar criar um universo próprio, mas sim a aparente preguiça que toma conta do roteiro e não desenvolve essa mitologia que sustenta as ações dos personagens.

O roteiro é enfraquecido por oferecer problemas novos com resoluções clichês, como se caminhos diferentes sempre nos conduzissem ao mesmo local, o que pode ser bastante frustrante. Com personagens femininas fortes e um bocado de rituais interessantes apresentados ao longo do filme, passando por gravetos amarrados com cabelos e árvores que sangram, o final não poderia ser menos anticlimático. Emma e Teresa estiradas no chão e a toda poderosa entidade finalmente ataca a criança sem empecilhos. O que a entidade faz? Fica enrolando tempo o suficiente para a mãe da criança se recuperar do golpe sofrido, entender a situação ao seu redor, tirar a tesoura do peito e atacar a entidade cravando a tesoura no pescoço dela.

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Nem todos os filmes de terror precisam causar medo e susto, mas O Fascínio tinha muito espaço para um terror lovecraftiano do desconhecido cultuado, isso porque a todo momento nos são mostrados elementos de magia sobre os quais nada sabemos e essa nossa ignorância, ao invés de atrapalhar a experiência, agrega qualidade, já que o desconhecido é uma das nossas principais fontes de horror.

Pensamento no futuro

Não vejo problemas no fato de um filme se programar para ter sequências, como fez James Cameron com Avatar e a Blumhouse com a trilogia Halloween, porque é perfeitamente normal e aceitável que uma boa história tenha mais capítulos antes do desfecho final. No terror, tornou-se comum a expectativa de que, ao final, o filme tenha um gancho para o possível retorno do vilão, o que pode ser divertido mesmo que não haja a real intenção de uma sequência. É ruim, no entanto, quando sentimos que algo foi posto no roteiro somente para a criação desse gancho.

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O filme começa muito bem e é um filme bastante instigante pelo suspense inserido no início da história, que nos faz acreditar que a família de Francesco é a fonte do mal, mas logo a trama se perde em uma porção de elementos sem explicação ou desdobramentos, e as ações passam a ser claramente conduzidas com vistas e um fim específico, que é acabar com o problema do primeiro filme e deixar Francesco para um possível retorno.

O Fascínio não é um filme que deixa o espectador na mão durante a sessão e é possível se divertir bastante com o mistério criado no filme. Infelizmente, após os créditos, as poucas qualidades começam a esvanecer na memória e a obra se torna apenas um bom momento que provavelmente será esquecido com o tempo. A dúvida sobre as possíveis práticas em algum lugar remoto da Itália, no entanto, sobrevive e pode nos assombrar mais que o próprio filme.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.