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Crítica | Locked Down é um filme assintomático

Por| 03 de Fevereiro de 2021 às 21h00

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Warner Bros.
Warner Bros.

A princípio, a ideia de manter um filme em confinamento precisa ser especialmente bem desenvolvida já no roteiro ou ter uma direção poderosa, que dê forma a qualquer situação. Locked Down, então, até tem ares de relevância a partir do texto de Steven Knight (de Locke, 2013). Por outro lado, pode existir uma sensação de que, se não fosse pelo carisma da dupla protagonista (Anne Hathaway e Chiwetel Ejiofor), tudo seria, na prática, descartável.

Essa condição de estranheza se deve à escolha do diretor Doug Liman (de Feito na América — filme de 2017) por uma abordagem mais realista. Dentro do espaço mínimo do apartamento onde moram Linda (Hathaway) e Paxton (Ejiofor), as situações parecem típicas do isolamento social. O desgaste de relacionamentos, as videoconferências catastróficas (ou quase isso), as revelações de segredos... e, dentro dessa forma, pode faltar algum frescor, uma provocação que cause algum interesse maior.

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

Um retrato irrelevante da realidade 

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A falta de entusiasmo de Locked Down pode refletir, de todo modo, o cansaço existente em um cenário de confinamento. Isso é algo que causa identificação e traz o espectador para muito próximo dos personagens. A necessidade do diferente, da loucura e a satisfação intensa que pode ser fruto da arte estão ali desde o princípio: memórias de um passado mais rebelde; lembranças de um tempo minimamente mais vivo; a poesia que dá força a Paxton; e, paralelamente, tantas artes que, como o próprio cinema, dão-nos força do lado de cá.

É interessante como Knight (o roteirista), que dirigiu o citado Locke, parece ter domínio total sobre as circunstâncias. Enquanto no filme de 2013 ele colocou um personagem dirigindo um carro até a última sequência e conseguiu dar força àquela história, aqui essa mesma força parece existir tantos nos diálogos quanto nas situações, mas é tratada como uma normalidade apática pela direção. Essa normalidade, aliás, pode acabar por se tornar cansativa justamente por ser fruto de uma contexto... normal, atual e que queremos nos ver livres.

Nesse sentido, a identificação tem muitas chances de "morrer na praia". Liman tem todo o suporte do seu elenco e um texto que, por meio dos diálogos, consegue inserir alívios cômicos, mas parece muito mais interessado em fazer relações explícitas com a realidade. O que era para ser um paralelo torna-se um retrato, os pontos de comédias quase passam despercebidos por causa da mão frouxa nos contrapontos (nos elementos dramáticos) e, assim, Locked Down sofre para se tornar relevante.

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Assintomático

Há um quadro que, de fato, poderia construir uma sensação muito mais urgente e viva. Ao sair da normalidade tão comum e adentrar em uma espécie de "filme de assalto", Locked Down respira fundo e "se joga", finalmente, em um contraponto dinâmico. O problema, porém, é que Liman tem tudo planejado para o desânimo. Nesse terceiro ato, os esforços de Hathaway e Ejiofor tornam-se mais evidentes. Ambos os atores dão sinal de uma crescente em suas personalidades devido a um retorno à vida, mas o diretor idealizou o filme mesmo para a apatia. A história de Knight, enfim, cresce, mas a forma que é contada permanece fria, quase sonolenta.

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Em uma visão mais positiva, o filme inteiro faz muita força para ser atual e, ao mesmo tempo, faz força nenhuma para ser expressivo. No final das contas, acaba sendo uma cápsula do tempo resgatada poucos meses depois de ser enterrada. Se fosse lançado daqui a 10 ou 20 anos, poderia surgir com a tal sensação de frescor e, ainda, conseguir carregar um momento, querendo ou não, histórico.

Até mesmo as cenas em que se utiliza das videoconferências já foram bem melhor abordadas em tantos outros filmes recentes ou nem tão. Locked Down, portanto, é um filme de hoje, com gosto comum demais e cheiro estranho. Por esse ângulo, e na melhor das hipóteses, é um filme assintomático: ele passa por nós e nem sabemos que passamos por ele. Até que, um dia, daqui a 10 ou 20 anos, caso reassistamos, lembraremos.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech