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Crítica | 18 Presentes diz muito sobre o que não pode ser explicado

Por| 13 de Maio de 2020 às 22h00

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O cinema italiano tem suas raízes regadas pelo exagero. Não por um excesso barato, como que para chamar a atenção. É algo pontual, de identidade, que tem força para discutir o que levou a essa amplificação de sentimentos. Um dos gênios desse cinema foi Federico Fellini, que chegou a formular algumas das maiores sínteses sobre sua arte (provavelmente iluminado pela força que esta tem em seu país). Algumas de suas sentenças ecoam desde sempre, como “O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus”, “O cinema é um modo divino de contar a vida” e a minha preferida: “Cinema-verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade”.

18 Presentes (disponível na Netflix) parece dedicado a, em um subtexto metalinguístico, discutir o peso necessário a um melodrama. Flertando com o cinema americano – inusitadamente, com o pouco referenciado trabalho de Bruce Joel Rubin –, a direção de Francesco Amato, ao contrário do que parece prever a premissa do filme, não se entrega facilmente a qualquer overdose de sentimentos e sensações.

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Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

Há uma intromissão comedida na situação, por mais que, inicialmente, a revolta de Anna (Benedetta Porcaroli) seja construída da maneira mais rápida possível: em elipses de aniversários até que um símbolo (que seria transformado em motif – a repetição esquemática de um símbolo) de sua não-relação com a mãe (Vittoria Puccini) – um piano – seja um dos presentes.

Especialidade da casa

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Se, em 1993, Joel Rubin lançava seu primeiro e único filme como diretor, esse mesmo trabalho acaba por ter um paralelo fundamental aqui. Protagonizado por Michael Keaton, Minha Vida acompanha Bob Jones (Keaton), que, sabendo que não teria chance de ver a esposa (interpretada por Nicole Kidman) dar à luz, grava fitas e mais fitas para o futuro bebê.

Não é uma relação gratuita. Amato parece tão ligado ao trabalho de Joel Rubin que, em certo ponto, quando Anna aprende a fritar a “especialidade da casa” com a mãe, esta lhe mostra como se faz tal qual a interação de Sam (Patrick Swayze) e Molly (Demi Moore) em Ghost: Do Outro Lado da Vida (de Jerry Zucker, 1990), na cena já clássica do manuseio da argila. Joel Rubin foi o roteirista vencedor do Oscar por este filme.

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É interessante, diante dessas relações, a possibilidade de perceber o quanto 18 Presentes flerta com um realismo fantástico ou até mesmo espiritual. Isso porque, na experiência de quase-morte vivida por Anna, Amato não deixa claro o que é tudo aquilo que passa a acontecer. Por outro lado, se o início iluminado havia adentrado na escuridão revoltosa de Anna durante as rápidas elipses de aniversário – findando em cima do telhado e à noite –, as imagens são contornadas por luzes um tanto quanto angelicais a partir desse ponto: tudo fica mais claro por meio da direção de fotografia de Gherardo Gossi (de Jogo de Amor em Florença) e até mesmo cenas noturnas, como a delicada cena dentro de uma piscina de hotel, são reforçadas por uma intensidade de luz extrarreal.

Pedacinhos de um desejo

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Mas é tudo tratado como possibilidades. A dinâmica escolhida para 18 Presentes parece ser a de não esclarecer o que de fato está acontecendo e deixar que a simplicidade guie. Se por um lado isso pode dar alguma frouxidão ao filme, tornando-o somente mais um trabalho sem uma pegada clara como tantos, por outro é de alguma coragem ao acreditar na força do roteiro e permitir que ele (o roteiro) seja o guia. Aparentemente apenas ilustrando o texto, Amato consegue contornar o potencial melodramático da história e retirar qualquer peso que indique a busca por lágrimas forçadas dos espectadores.

Nesse sentido, o que poderia ser o ápice da história – quando Anna diz para Elisa (Vittoria Puccini) que é a sua filha – é somente uma revelação estranha e repentina dentro do provador de uma loja de roupas. Enquanto a declaração da personagem de Porcaroli talvez seja o reflexo do que o espectador esperava, a reação de crença automática de Elisa é quase fantasiosa, encaixando-se no realismo fantástico e descolando-se de uma possível realidade.

E 18 Presentes permanece nesse meio-termo até o final. Com o piano que, inicialmente, causa a primeira revolta da pequena aniversariante voltando à história como um catalisador de emoções através de um diálogo que parece indicar a sua substituição por uma bateria em promoção, o filme desconstrói tudo o que Anna viveu junto à mãe. Apesar disso, ao ressurgir no retorno dela à realidade, o instrumento revela ser como a argila em Ghost: Do Outro Lado da Vida, um motif, uma peça essencial para a permanência de uma personalidade (no caso, de Elisa). Ao tocá-lo, dessa vez com carinho, a filha parece encostar na própria mãe e, no final das contas, entender que cada presente recebido não foi apenas um objeto a mais, mas foi um pedacinho de uma vida, de um desejo, de um sentimento.

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O último presente, por mais simples e até clichê que seja, acaba por reforçar isso tudo e embaralha a história novamente. Realidade ou fantasia? Não importa tanto. O que vale em 18 Presentes é a dimensão de tentar entender a própria existência e o que ela significa. Os fatos permanecem totalmente em segundo plano, em uma demonstração de que Fellini, ao preferir a mentira, diz muito sobre tudo aquilo que não consegue ser explicado com uma verdade objetiva.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech