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Crítica | Venom vai fazer os espectadores saírem do cinema com vergonha

Por| 03 de Outubro de 2018 às 16h16

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Crítica | Venom vai fazer os espectadores saírem do cinema com vergonha
Crítica | Venom vai fazer os espectadores saírem do cinema com vergonha
Tudo sobre Sony

É interessante notar a trajetória do céu ao inferno da Sony como produtora de filmes de super-heróis. Com o primeiro Homem-Aranha, e depois sua sequência, ela entregou filmes que não apenas poderiam figurar tranquilamente entre os mais divertidos do gênero, como também mostrou que longas desse tipo podem ser muito lucrativos, abrindo as portas para muito do que temos hoje em dia nesse sentido.

Avance 16 anos no tempo e a ideia da mesma Sony é a produção de um filme solo do Venom. Desconectado do universo cinematográfico da Marvel do qual o próprio Homem-Aranha, recentemente, começou a fazer parte, e sem ligações nem mesmo com as tramas desenvolvidas na era Andrew Garfield do personagem, a produção, desde sempre, pareceu uma bomba. É ela que explode nesta semana nos cinemas de todo o mundo.

Durante toda a projeção, a sensação é de se estar assistindo a um filme de herói que atrasou 20 anos em seu lançamento, no pior sentido possível dessa expressão. É como nos tempos antigos, em que uma empresa possuía os direitos de um personagem, mas não de outros que seriam importantes, então acabava criando um universo separado. Só que, no caso da Sony, ela ainda possui propriedade sobre o Homem-Aranha. A decisão por um filme solo do Venom já soava bizarra antes, e quando se assiste ao filme, se torna quase inexplicável.

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Esqueça a história de origem, as relações com Peter Parker e uma das sagas mais legais do Homem-Aranha — aliás, se você quer ir ao cinema na esperança de ver o Teioso, me sinto no dever de avisar que ele nem mesmo é mencionado, bem como todo seu universo, para que você possa poupar seu dinheiro. Siga meu conselho e vá assistir Buscando...

O Eddie Brock do longa (Tom Hardy) é um jornalista investigativo reconhecido, apesar de seu caráter impulsivo e uma boa falta de bom senso já o terem colocado em problemas antes. Seu relacionamento afetivo se encaminha para um casamento com Anne Weying (Michelle Williams) quando a Fundação Vida entra em seu caminho, junto com suas pesquisas ilegais e completamente imorais.

No topo da organização está Carlton Drake (Riz Ahmed), o típico jovem inteligentíssimo e inescrupuloso que chegou ao topo do mundo por meios não necessariamente éticos. O personagem controla um império que envolve tecnologia, indústria farmacêutica e pesquisa espacial. É uma de suas naves que traz o alienígena, ou melhor, um grupo deles, para a Terra.

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Um dos simbiontes escapa, enquanto os outros são levados à Fundação Vida. E, no meio do caminho, está Brock, que transforma uma pauta favorável a Drake em mais uma de suas denúncias. O bilionário faz com que não apenas ele, como também sua futura esposa, sejam demitidos, iniciando uma espiral descendente que serve como motor da trama. Em um momento de desespero, porém, seu furo original acaba se tornando o único caminho para que o jornalista volte à velha forma e, também, propicia seu encontro com Venom.

Acredite, há mais motivação nas linhas acima do que no filme inteiro. Não dá para compreender exatamente, por exemplo, o intuito de Drake com as pesquisas relacionadas ao simbionte e nem mesmo se a queda da nave, no começo do filme, foi um acidente relacionado ao alienígena ou parte de uma missão para coletá-lo. O próprio Venom também dá a entender um novo direcionamento para esse enredo na metade do longa, mas não retorna ao assunto e, pior ainda, apresenta uma virada de caráter no terço final que pode figurar entre os momentos mais ridículos do cinema neste ano de 2018.

Drake, entretanto, é o pior de todos. Ao criar sua caricatura de Elon Musk, o texto abusa das frases de efeito e dos momentos em que são ditas com um olhar para o horizonte. A ideia é mostrar um bilionário que não se importa em passar por cima dos outros para conseguir o que quer, mas o que vemos na tela é um vilão pastelão e tosco, uma tentativa pífia de criar um personagem perigoso e alucinado que possa constituir, enquanto humano, uma ameaça ao poder de Venom. Não dá em nada, no final das contas.

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O roteiro, inclusive, é o principal problema nesse aspecto e em todos os outros, com praticamente todos os personagens com alguma influência na história sendo afetados por ele. Anne também apresenta mudanças bizarras e inexplicáveis de alinhamento, enquanto Brock não convence no papel do mocinho. Ele é um jornalista investigativo, um trabalho que, na teoria, exigiria uma sagacidade, calma e inteligência que ele claramente não possui. A escolha de Hardy para o papel, aliás, traz uma comicidade a falas que deveriam ser sérias e tira a graça das poucas piadas boas de Venom. A cena do restaurante realmente faz rir por seu caráter pastelão, mas destoa do restante do filme.

São poucas as cenas que realmente valem a pena e, em sua maioria, elas estão relacionadas ao Venom em ação. Com uma gigantesca quantidade de efeitos especiais, alguns bem esquisitos, outros na média, o longa pira bastante nas capacidades de um simbionte. É claro, tudo cai por Terra se você levar em conta que muito do que é assimilado pelo alienígena, na realidade, veio do Homem-Aranha. Mas sem ele presente aqui, o filme até faz um bom trabalho em demonstrar que o alienígena também está aprendendo como usar seu poder destrutivo por aqui.

A cena de perseguição motorizada, por exemplo, chama a atenção pela fotografia e falta de noção ao mesmo tempo — em pleno centro de San Francisco, temos drones voadores que atacam a tudo e todos, com uma tensão ainda decorrente da noção fraca de que a Fundação Vida tem tudo dominado. Entretanto, as explosões tem uma coloração clara e interessante, que contrasta com o tom escuro e noturno do longa. É, também, um dos melhores momentos de “modo coop” entre os protagonistas.

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Como o monstro nada mais é do que uma fusão entre a personalidade de Venom e Brock, alguns momentos inusitados de combate não soam fora de lugar. Vale a pena citar, também, os momentos de separação em que a simbionte conversa com seu hospedeiro, apresentando um caráter amedrontador e impositivo para mostrar que, apesar de a dupla se apresentar na primeira pessoa do plural, o controle está bem mais nas mãos de um do que do outro.

Situações assim, entretanto, representam pequenos pontos brilhantes em um lamaçal gigantesco. Venom não sabe se deve ser levado a sério ou não, se vai abordar a galhofa completamente e, acima de tudo, nem mesmo tem uma noção muito boa do que quer passar. Às vezes, soa como um filme de invasão espacial, em outras, uma jornada de descobrimentos. É ação ou terror? Herói ou não? Provavelmente, a ideia é ser tudo ao mesmo tempo, mesmo que a junção destas peças não faça sentido.

É triste notar, inclusive, a quantidade de bons atores que acabaram, por algum motivo, atraídos para uma patacoada dessas. A qualidade de Hardy pode ser fruto de discussão, mas temos também nomes como o de Williams, Jenny Slate e até mesmo uma participação especial de um grande ator ao final. Todos grandes nomes reunidos em um filme sem muita razão de existir, que não tem uma história para contar e, muito menos, algo de interessante a acrescentar à mitologia do herói.

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Venom é a prova de que o que era ruim sempre pode ficar pior. Todos nós reclamamos absurdamente quando Sam Raimi, em Homem-Aranha 3, criou o Peter Parker emo e uma história completamente absurda para um dos vilões mais queridos do Cabeça de Teia. Ao sair do novo longa, entretanto, me deu saudade do clima leve e de galhofa dos antigos filmes. A gente era feliz e não sabia.

Pelo menos, com os acordos entre Sony e Marvel, a tendência é que esse tipo de desastre não venha a se repetir, apesar de a intenção ser claramente a contrária. O Homem-Aranha já recebeu seu lugar ao Sol após uma sucessão de fracassos. Agora, fica a esperança de, em breve, vermos o mesmo acontecendo com o simbionte que o antagoniza.