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Crítica | Vem Brincar renova os clichês do terror com protagonista autista

Por| 19 de Novembro de 2020 às 22h30

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Focus Features
Focus Features

Vem Brincar inicia com o que parece ser mais uma chuva de obviedades: uma criança mexendo no celular sem supervisão dos pais, enquanto estes discutem em algum lugar longe do quarto. O menino, então, sai para ver o que está acontecendo, descobrimos que algo o observa de dentro do celular. A respiração desse algo, que soa como entidade maligna dentro de um escafandro, não nos deixa levar tudo muito a sério a princípio.

Logo em seguida a história começa a ganhar outras camadas, como as discussões sobre maternidade e, por causa do protagonista, todas as dificuldades de tratar um problema sobrenatural centrado em uma criança autista. Nesse sentido, a fotografia é excelente ao adotar os tons de azul que remetem ao autismo e, ao mesmo tempo, ajuda a criar a atmosfera de solidão que será trabalhada ao longo do filme.

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Vem Brincar está longe de ser um filme genial de terror. Mas ser perfeito não é necessário. Tampouco é uma completa desgraça. Esse é daqueles filmes que são apenas muito bons, com alguns defeitos e alguns momentos em que enxergamos os mecanismos de roteiro nos conduzindo de um lado para o outro, mas nada que chegue a prejudicar a experiência de se divertir com o terror.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

Espectro

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A inserção de uma criança portadora de autismo é representatividade, claro, mas vai muito além disso. Com todas as características do espectro de Oliver (Azhy Robertson), o filme ganha novas possibilidades de lidar com a criatura que se esconde na dimensão paralela, tornando o terror menos previsível. É interessante também ver o autismo sendo abordado em um filme de gênero, já que na maioria dos casos o tema aparece em dramas.

Vem Brincar aborda uma pluralidade enorme de assuntos que se transpassam e o resultado é que nenhum dos pontos é profundamente explorado. Com isso, alguns diálogos, para trazer as reflexões à tona, são bastante artificiais e soam forçados, como os momentos em que, quase ao final do filme, a mãe de Oliver grita pedindo que ele seja normal por apenas um momento para logo em seguida pedir desculpas por isso.

Enquanto, em termos de roteiro, esses momentos chegam a ser quase desconfortáveis para quem assiste, assuntos sérios e pouco debatidos são jogados nos espectadores que não têm para onde fugir e são obrigados a incorporar essas reflexões, o que não é de todo ruim. Boas intenções inseridas em uma história de qualidade capenga é quase um mimo para os fãs de terror que não se importam com isso e, se forçarmos um pouco a imaginação, quase soa como um Ed Wood.

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"Smart-terror"

Não sei se por saudosismo exacerbado ou por não saber como inserir a tecnologia nas antigas fórmulas, mas a questão é que os filmes de terror demoraram muito para começar a inserir os smartphones e todas as suas possibilidades de interação nos filmes. É difícil, hoje, pensarmos em alguém correndo perigo sem fazer uma ligação ou pelo menos uma live com a entidade.

Enquanto muitos filmes optam por deixar os personagens sem acesso aos celulares, seja por algum acordo, seja porque não há sinal ou porque a bateria acabou, Vem Brincar vai no sentido contrário e incorpora diversos usos do celular ao roteiro do filme. O que é útil para ajudar Oliver a interagir com o mundo ou para assistir a Bob Esponja, pode ser também reflexo de um isolamento social exacerbado que já nos assombra desde muito antes da pandemia.

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Vem Brincar cai em muitos clichês e abusa dos jump scares em momentos desnecessários, mas consegue fazer bom uso da tecnologia na sua trama. Mesmo o recurso mais popular dos smartphones em filmes de terror é feito de uma forma diferente neste filme: enquanto a maioria usa o recurso de reconhecimento facial (que nos possibilita usar filtros) apenas para mostrar onde está alguma entidade, Vem Brincar consegue unir isso a um jump scare que, apesar de ser um recurso que já saturou os fãs do gênero, ainda assim soa fresco pelo modo como foi inserido na cena.

Larry

O título do livro é excelente: “Monstros incompreendidos”. Ao longo do filme acabamos descobrindo que Larry é fruto da solidão das pessoas que se apegam cada vez mais às telas dos celulares, tablets e afins. Larry pode até não existir, mas acaba sendo uma representação visual de um problema bastante real e que pode ser o responsável pelos números impressionantes de disfunções mentais, como depressão e ansiedade, que têm acometido as pessoas em diversos lugares.

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Larry não é exatamente um monstro. Nenhum monstro é apenas um monstro. A ideia é compreender que pessoas tornam-se más pelas circunstâncias às quais são submetidas. Larry deixa claro que não tem intenção de machucar, mas sim de fazer amizade, o que pode até mesmo ser sincero e demonstrar que ele talvez nem saiba que está sendo tão mau. Ao final, a mãe reconhece que ele também queria proteger Oliver, alguém que ele viu tanto tempo sozinho no celular.

Acontece, no entanto, que não há ruindade intrínseca no smartphone. Com Oliver podemos ver que esses equipamentos são, na verdade, ferramentas. O que irá diferenciar algo bom de algo ruim é justamente o seu uso. Como terror, Vem Brincar está longe de ser muito memorável, mas pontualmente é um filme bastante interessante e que usa recursos muito bons, o que demonstra uma tremenda criatividade do diretor e roteirista Jacob Chase, que já havia surpreendido com o tema no curta que deu origem ao longa. Advinha o nome do curta? Larry.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.