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Crítica | Tomb Raider – A Origem de uma adaptação sem personalidade

Por| 16 de Março de 2018 às 13h13

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Divulgação/Warner Bros Pictures
Divulgação/Warner Bros Pictures

Antes de continuar, cuidado! Esta crítica contém spoilers!

O primeiro jogo que trazia Lara Croft como protagonista foi lançado em 1996 para o saudoso (ou não) Sega Saturn. Em pouco tempo, ganhou seu espaço no console da concorrência, o Playstation, e foi um dos responsáveis pela ascensão da Sony na indústria dos videogames. Reunidos, os jogos venderam perto de 100 milhões de cópias, sendo uma das séries de games mais vendidas da história. Em 2006, inclusive, o Guinness World Records reconheceu Lara Croft como a heroína mais bem-sucedida do mundo dos jogos. Além disso, Tomb Raider ganhou algumas versões em HQs, com a edição de estreia (em 1998) sendo a mais vendida do ano nos EUA.

O sucesso no cinema, por outro lado, não é o mesmo. Tendo os filmes estrelados por Angelina Jolie (2001 e 2003) recebido muitas críticas negativas de público e crítica, a franquia caiu no quase esquecimento. Para a maior parte dos fãs dos jogos, Jolie foi a atriz certa para o papel, mesmo não sendo britânica, mas os filmes foram tidos como um tributo pobre e esquecível.

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Um emulador: dos videogames para o cinema

Tomb Raider: A Origem teve a produção iniciada com a intenção justamente de resetar esse espectro. Assim, mirou no jogo que, igualmente, foi um recomeço total no universo: Tomb Raider (2013) e que, mesmo com as críticas de games terem se intensificado e popularizado, manteve a média acima de 9/10 no IGN. E, ainda mais tentador para a recriação no cinema, eram os números de jogadores: um milhão online em menos de 48 horas após o lançamento.

Por mais que um filme possa e até deva ser julgado por si só como uma obra independente, as semelhanças visuais são tantas que fica quase impossível uma dissociação para quem conhece a origem. Enquanto algumas adaptações recorrem à liberdade que existe na transformação de uma linguagem para outra, Tomb Raider: A Origem procura a fidelidade. Dessa forma, quem jogou o game de 2013 perceberá muitas cenas idênticas, movimentações de câmera que simulam a experiência com joystick na mão e expressões faciais que copiam as da personagem criada pela Crystal Dynamics (empresa responsável pela franquia de jogos desde 2006).

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Nesse ponto, Alicia Vikander tem um papel fundamental. Seu desempenho traz algum sopro de vida ao filme por mais que ela permaneça engessada pelo roteiro. E, ao mesmo tempo, talvez esse seja o maior problema da produção. É notável a tentativa de Vikander de dar vida a uma Lara real, humana, e ainda mais clara é a distância entre a atriz e aquele mundo. Se há alguma importância sobre a vida da protagonista, todos os outros personagens são ferramentas nítidas e rasas para que o filme exista e para que se possa assistir a uma emulação.

Lembrando Indiana Jones

Desse modo, a busca pela similaridade constrói um filme frágil. Todas as tentativas de fan service são invalidadas por um roteiro tolo, que aposta em espectadores tão tolos quanto ao incluir seus personagens narrando algo que a sequência de imagens já revelara. Nesse sentido, a cena em que a própria Lara encontra o esconderijo secreto do pai é vergonhosa: é como se o público estivesse jogando o filme, salvado o progresso e, meses depois, estivesse retornando. Para lembrar o que fora visto há dois minutos, sua heroína fala em voz alta o que está acontecendo – pouco menos do que uma audiodescrição.

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Se com seu filme anterior, A Onda, Roar Uthaug havia construído uma excepcional tensão circunstancial em cima do roteiro previsível, aqui ele realmente parece tentar mais uma vez, mas naufraga no mar das previsibilidades. O diretor até se sai muito bem, por sinal, em algumas cenas de ação, que quase trazem à lembrança as melhores aventuras de Indiana Jones. Mas, sabendo-se que tais cenas são reproduções fiéis do game, o mérito acaba caindo por terra e a percepção de que o filme é, em suma, somente uma obra caça-níquel capitaneada pela produção e com o nome de Uthaug na bandeira hasteada passa a ser inevitável.

Sem personalidade não vale a pena

Dito tanto, Tomb Raider: A Origem acerta, afinal, ao jamais sexualizar Lara Croft, algo bem diferente dos dois filmes produzidos no início do século. O pior é que até isso é herança do reboot realizado para os videogames. Falta, portanto, alma às quase duas horas de produção. Falta entender que fazer uma boa adaptação não é investir em uma cópia. Ainda mais quando o objeto copiado é tão interativo e, para ter sucesso, precisa provocar o empenho de quem interage.

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Aqui não. Um filme depende muito de si para ter sucesso. E, se tenta alcançar qualquer êxito duvidando da inteligência de quem o irá assistir, está fadado ao fracasso. O mais interessante é que há dúvidas quanto a própria inteligência dos personagens, visto que, por melhor atriz que seja Alicia Vikander, ela jamais conseguiria fazer um papel tão duplo: ou é esperta a ponto de desvendar os maiores mistérios ou é estúpida o suficiente para cair na enrolação tão cínica da Ana Miller (Kristin Scott Thomas).

Tomb Raider: A Origem é, enfim, uma obra sem personalidade. E isso reflete sem pudor na sua protagonista e respinga em tudo e em todos. No final, sobra o desejo de que surja uma produção que entenda o sentido do adaptar e consiga levar aos cinemas uma história que valha a pena.

Porque os jogos merecem. E os fãs ainda mais.