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Crítica | Perfectos Desconocidos – o lobisomem de cada um

Por| 18 de Junho de 2018 às 16h05

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Crítica | Perfectos Desconocidos – o lobisomem de cada um
Crítica | Perfectos Desconocidos – o lobisomem de cada um

Diz-se que conhecer a si mesmo não é uma tarefa fácil. Alexandre, O Grande dizia que a busca pelo autoconhecimento excita a racionalidade e, ao mesmo tempo, coloca medos e paixões à prova. Para ele, era na busca por conhecer a si que residia o que precisava saber sobre os outros, visto que o conhecimento mais profundo sobre si permite uma compreensão mais sensata sobre a realidade ao redor. 

Mais de dois mil anos passados da Grécia e Babilônia de Alexandre, vive-se em uma eterna luta para que os outros tenham um conhecimento de si que, quase sempre, é completamente diferente daquilo que realmente se é. Assim, as redes sociais acabam funcionando como um celeiro de tudo aquilo que não se permite (ou, pior, não se pode) ser na vida real.

ALERTA DE SPOILER: se você pretende assistir ao filme e não quer saber nada sobre a trama até então, melhor encerrar a leitura por aqui. Os parágrafos seguintes contam um pouco do que acontece no longa.

Universos particulares em expansão

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Perfectos Desconocidos parte justamente da premissa de que ninguém conhece verdadeiramente alguém enquanto não adentrar no mundo secreto do seu smartphone. Isso vale tanto para amigos quanto para casados. O universo particular que cada um cria dentro do seu celular é, dessa forma, cercado de mistérios. 

Tendo como ponto de partida o filme italiano Perfetti sconosciuti, lançando em 2016, o diretor Álex de la Iglesia mantém a mesma estrutura do original de um ano antes, mas aposta em um suspense mais incisivo. Seus planos quase sempre fechados e os diversos planos detalhes parecem buscar constantemente quebrar uma proposital teatralidade do texto e da movimentação dos atores. A um momento, Pepe (Pepón Nieto) e Antonio (Ernesto Alterio) conversam na varanda e trocam de lugar como se estivessem se movimentando para uma plateia presente. O diálogo que não poderia chegar a quem está na sala, a poucos metros, constrói-se naturalmente em bom volume. É como se o que importasse fosse a situação e não a veracidade dos acontecimentos.



Por outro lado, o pano de fundo da lua de sangue promovida por um eclipse dos mais bonitos constitui uma realidade fantástica interessante. É a partir dessa concepção que o próprio satélite natural surge como plateia de tudo e, com isso, a compreensão de que é a partir da varanda que tudo tem um poder sobrenatural. A lua rege as situações do filme tal qual uma plateia tem o poder de conduzir um espetáculo ao vivo. E tudo isso é extremamente bem amarrado desde que o primeiro momento supostamente transcendente acontece e todos são levados à sacada, liderados pela anfitriã Eva (Belén Rueda) – logo após a decisão de iniciarem um jogo: qualquer mensagem ou ligação deverá ser exposta para todos os presentes.

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Tendo sido lançado como uma comédia dramática, o filme tem seus méritos reais no suspense que La Iglesia cria, não permitindo que os motivos para rir se alonguem, interrompendo-os com questões sérias. Por esse caminho, por exemplo, apenas o público (e a lua) passa a conhecer o caráter pedófilo (ou quase isso) de Antonio e, por causa dessa mesma condução, uma discussão sobre homofobia é revelada.

O espectador voyeur

Por mais que praticamente todo o filme se passe dentro do apartamento, jamais a dinâmica é prejudicada. A montagem encarrega-se de manter o ritmo sempre esperto, contrapondo também o dito ar teatral. Essa mesma edição faz com que o espectador passe a atuar muito mais como um voyeur, sendo introduzido como personagem do filme. Isso porque o substantivo francês é usado para descrever alguém que observa os outros sem participar. Mas não uma simples observação de espectador para com a obra; é algo mais íntimo, como se fosse possível estar presencialmente a par de tudo o que se passa.

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Perfectos Desconocidos é um filme que fala sobre a conexão com os mais próximos e como se está distante de conhecer, de fato, quem está ao redor. Ainda que procure se explicitar como uma realidade fantástica e, acertadamente, desnude o poder que tem a intimidade (o micro) de transformar o todo (o macro), fica a sensação de que o autoconhecimento ainda é o melhor caminho.

O que você faria? 

Finalizado com uma mensagem errada ou, pelo menos, covarde, o filme espanhol parece querer dizer que se as verdades vierem à tona e se todos se conhecerem melhor, só ruínas existirão. Ele (o filme) acaba entregando que as mentiras e os mundos particulares que cabem nos bolsos estão acima dos caráteres. 

Pelo menos, a dor de tão bem conhecer os outros fica depositada precisamente em Eva (a psicóloga do grupo). Dessa maneira, ficam escancaradas as possibilidades do que ela pode fazer com tanto conhecimento (seria sigiloso o lobisomem de cada um?). Ser alguém melhor a partir do que sabe ou permanecer em seu mundo secreto? O que você faria?

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