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Crítica | Operação Overlord: uma pura, divertida e louca procura

Por| 12 de Novembro de 2018 às 09h59

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Paramount Pictures
Paramount Pictures

Filme B, em resumo, é um termo usado originalmente para se referir a um filme produzido em Hollywood para ser a "outra metade" de uma sessão dupla, que geralmente apresentava dois filmes do mesmo gênero. Os grandes estúdios dividiam suas operações em unidades A e B.

Na primeira, eram produzidos os filmes de maior destaque, geralmente com grandes estrelas; na segunda, aqueles de pretensões menores, sem grandes astros, mas nem sempre com orçamento exatamente baixo. Isso acontecia nas décadas de 1930 e 1940, quando a queda da Bolsa de Nova York em 1929 causou uma crise econômica em larga escala. Assim, para não perder público, os cinemas (que, geralmente, tinham como donos os próprios estúdios) tiveram a ideia de exibir dois filmes pelo preço de um.

Cuidado! Daqui em diante esta crítica pode conter spoilers.

Umbrella, Steve Rogers e Hans Landa

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Há algo de um filme B clássico em Operação Overlord. Seja pela ausência de uma grande estrela — talvez Wyatt Russell (filho do cultizado Kurt Russell) seja o rosto mais reconhecível) —, seja pelo orçamento de US$ 10 milhões relativamente fácil de ser revertido pelas bilheterias, ou seja, até mesmo, por preceder um filme do mesmo estúdio (Paramount Pictures) orçamentado na casa dos US$ 80 milhões (Bumblebee). Há, também, elementos que o caracterizam como uma espécie de filme B moderno, como o recente Megatubarão: um hibridismo de gêneros e culturas, um descompromisso com regras preestabelecidas (especialmente no que diz respeito aos gêneros) pelo próprio cinema e amarras bem soltas quanto a questões científicas. O universo de Operação Overlord é próprio. É uma espécie de universo paralelo: um verdadeiro ménage à trois entre os filmes baseados nos games de Resident Evil, Capitão América: O Primeiro Vingador e uma pitada de Bastardos Inglórios.

De Resident Evil vem a estética dos superzumbis (dois deles muito próximos, inclusive, àquela dos filmes de Paul W.S. Anderson) e o tom de terror com sci-fi; do primeiro filme sobre o Capitão América no atual Universo Cinematográfico Marvel, uma espécie de soro da vida eterna que, inclusive, cede uma força desumana a quem o tem injetado; de Bastardos Inglórios, inusitadamente, a semelhança histórica entre a proximidade do Dia D, a desconstrução (ou reconstrução) sem compromisso de fidelidade da história e, ainda, o próprio enredo, que leva os soldados americanos a encontrarem uma jovem francesa que acaba os ajudando com esconderijo.

Essa correlação com o filme de Quentin Tarantino torna-se ainda mais clara quando, escondidos no sótão, dois dos soldados observam os acontecimentos abaixo através de uma fresta no chão de madeira. Ali abaixo, o comandante Wafner (Pilou Asbæk) dialoga com Chloe (Mathilde Ollivier) de uma forma ameaçadora. Basta lembrar da primeira e tensa cena de Bastardos Inglórios, protagonizada pelo Coronel Hans Landa (Christoph Waltz), para perceber a referência. A principal modificação estética em Operação Overlord é o posicionamento — e com motivos de linguagem cinematográfica: enquanto, aqui, a observação vem de cima, do sótão, no filme de Tarantino os olhos observam do porão. Os desfechos de ambas as cenas deixam a vitória (parcial ou não) com aqueles que estavam acima naquele momento: Em Operação Overlord, os soldados do sótão; em Bastardos Inglórios, Hans Landa.

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Personagens de um FPS

Com uma estrutura bem definida, Operação Overlord tem um início de alta imersão, quando os protagonistas, dentro de um avião, dialogam e se preparam para um salto crucial. A opção do diretor Julius Avery (do bom Sangue Jovem) em filmar todo o início em close provoca uma sensação de desconforto quase claustrofóbica, que culmina no desespero dos personagens após o avião ser abatido. Essa abertura, para além de já apresentar com competência os personagens, lembra bastante algumas das tentativas de imersão provocadas por jogos de tiro em primeira pessoa — além, claro, de disfarçar o orçamento reduzido para uma abordagem mais ampla.

Entre esses personagens, três rapidamente chamam a atenção: Boyce (Jovan Adepo), Ford (Russell) e Tibbet (John Magaro, quem tem, provavelmente, o melhor desempenho). Enquanto os dois primeiros são opostos, espécies de polos morais, o terceiro é a complexa união de ambos: um sujeito durão por fora e extremamente carinhoso por dentro. Ao mesmo tempo em que Boyce age para que suas ações não sejam sujas como as dos alemães e tem um trato afetuoso com o pequeno Paul (Gianny Taufer), Ford acredita que para vencer é necessário jogar tão sujo quanto os seguidores de Hitler, apelando, inclusive, para a tortura em certo ponto. Já Tibbet, se permite que a tortura aconteça, também consegue apoiar uma certa decisão de Boyce contra o pensamento de Ford — decisão que resulta em uma arriscada missão já no terceiro ato —, além de protagonizar a maior prova de amor do filme (quando arrisca diretamente a vida para buscar Paul em meio a um tiroteio).

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Um toque social

Operação Overlord, por mais que tenha uma carapuça de puro entretenimento, esteja cheio de representações gráficas de sangue e violência — aludindo ao gore — e seja complementado por aqueles sustos reforçados pelo alto volume repentino do som (os jump scares), não deixa que tudo seja vago. Nesse sentido, é emblemático um diálogo entre Boyce (um soldado negro — comumente segregado nos conflitos das duas Grandes Guerras) e Chloe: Quando ela pergunta se na terra natal dele, a Louisiana, existe guerra, ele apenas responde “Não como aqui.”, e logo emenda falando sobre o calor do seu estado, em uma típica conversa de quem está desconfortável.

A Louisiana, ainda hoje, é um dos estados mais racistas e segregacionistas do EUA. Há menos de 10 anos, por exemplo, um juiz local se recusou a casar uma mulher branca com um homem negro. Simultaneamente, é, também, um dos estados que tem a maior população negra. 1944, ano em que se passa o filme, é 10 anos antes do início do Movimento dos Direitos Civis em todo o mundo, que sedimentou a luta pela igualdade perante a Lei para todas as camadas da população, independente de cor, raça ou religião.

A pura, divertida e louca procura

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Operação Overlord é um filme que pode satisfazer os amantes dos filmes de guerra e ação; e pode agradar aqueles que curtem horror, saboreiam gore e gostam de levar sustos. Pode, inclusive, chegar bem a quem tem predileção por ficção científica. Talvez seja exagero afirmar que tem algum “quê” do clássico dirigido por John Carpenter O Enigma do Outro Mundo (protagonizado por Kurt Russell) — talvez seja um exagero impulsionado pelas criaturas.

A verdade é que o filme diverte sem ter pretensões de ser grandioso. Perceber essa ausência de pretensão faz com que qualquer arte seja vista com outros olhos. E é esse olhar, justamente, que torna os verdadeiros filmes B (aqueles das décadas de 1930 e 1940) tão cultuados hoje e tão importantes para se entender o cinema em um contexto histórico. É provável que, em pouco tempo, Operação Overlord seja esquecido, mas ele deixa mais uma sementinha plantada: Nem sempre o cinema precisa ter um mundo de conteúdos para ser notado; nem sempre o cinema precisa ter uma relevância social exuberante; nem sempre o cinema precisa ser cabeça, culto e enraizado em conceitos filosóficos.

Cinema é arte e, por mais que a arte não tenha a obrigação de entreter, ela pode entreter. Operação Overlord é o cinema (a arte, portanto) em uma pura, divertida e louca procura por entretenimento.