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Crítica | Nosso Amor é uma ode simples ao amor comum

Por| 04 de Dezembro de 2020 às 22h30

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Out of Orbit
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Não se deixe enganar por filmes que mostrem relacionamentos sem problemas. Contos de fadas têm esse nome por um propósito: não são reais. A realidade é dura e toda sorte de acontecimentos pode perpassar a vida de um casal. Já falei em outras ocasiões e com Nosso Amor a sensação se repete: os melhores romances são os que mostram a beleza do amor nos seus piores momentos.

Nosso Amor acompanha a complexa crise de um casal de meia-idade que enfrenta a notícia de um câncer. Aqui, os dados são importantes: mais de 70% das mulheres diagnosticadas com câncer são abandonadas pelos companheiros. E essa é uma estatística que presenciei pessoalmente. O filme aborda justamente o outro lado da estatística e, assim, fala sobre amor.

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O filme segue a linha contemporânea dos filmes psicologicamente responsáveis e afetivamente educativos. O título original, Ordinary Love, tem muito a dizer sobre o tipo de amor que está sendo representado: trata-se de um amor ordinário, comum, trivial... normal. O que significa dizer que o filme não terá emoções elevadas à sua máxima potência e que não serão feitas tentativas mostrar os acontecimentos de uma forma romantizada demais.

Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

Espera

Uma das características de Nosso Amor é o modo como os diretores Lisa Barros D'Sa e Glenn Leyburn lidam com o tempo. O filme pode parecer bastante lento para quem não está acostumado com obras que não estão preocupados com a nossa adrenalina, mas passa longe de ser tedioso. A narrativa é calma e não tem pressa, o que pode ser notado pelo aparente intuito de nos lembrar a cada momento que se trata de situações cotidianas.

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O tempo, no título, encontra representações de diversas das suas distorções e dilatações. Há o tempo do cotidiano que passa sem pressa, há o tempo que demora a passar quando os personagens estão ansiosos pelos resultados médicos, há o tempo que se dilata na quimioterapia e sempre há a espera, o que chega a ser tema de um dos diálogos.

Amor, enfim, é espera. Uma espera que se soma a outras esperas que não necessariamente dizem respeito ao tempo cronológico, mas ao tempo de cada um. Nosso Amor tem um roteiro maravilhoso ao desenvolver o diálogo dos personagens de forma a demonstrar a intimidade e confiança de ambos sem que eles precisem dizer isso explicitamente. O companheirismo, a lealdade e o amor estão lá, nos mínimos detalhes das atuações, nos olhares, nos gestos e nos pequenos toques, detalhes que ajudam a criar a dinâmica do casal sem que o filme precise construir uma detalhada introdução dos personagens.

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É bastante notável também como a fotografia ajuda a revelar a psique dos personagens, como ao utilizar a mudança de cores nas salas de exames para nos ajudar a compreender o estado psicológico da Joan (Lesley Manville). É muito sensível também a utilização da luz para mostrar as mudanças que sofrem o café da manhã do casal, primeiro mostrando-os completamente iluminados antes da possibilidade do câncer, para depois ajudar a mostrar a tensão representando-os como silhuetas contra as cortinas fechadas e iluminadas pela luz externa.

Dor

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A recente série A Maldição da Mansão Bly ajudou muitas pessoas a entenderem ou lidarem com a ideia de que a capacidade de amar deve estar proporcionalmente ligada à capacidade de suportar a perda do ser amado. Ainda que Nosso Amor não chegue a uma conclusão trágica com sua protagonista, o roteiro insere um casal coadjuvante que enfrenta justamente esse problema através de um diagnóstico de câncer terminal.

Assim, a direção do longa metragem é bastante sensível ao mostrar as formas de dor que podem perpassar um relacionamento. O ápice desse tema tem lugar em um dos momentos de sentimentos mais conflitantes do filme, a sequência em que o casal briga no quarto. Ali, os diretores, atores e o roteirista Owen McCafferty conseguiram demonstrar um dos momentos de saturação que um relacionamento pode ter mesmo em uma situação delicada.

Enquanto nela cresce a dor física junto ao turbilhão de sentimentos e sensações provocados por um tratamento de câncer, nele cresce a dor da possível perda que ele sutilmente tenta abafar e que encontra na morte da filha a imagem de um futuro repleto de solidão. Em meio a tudo isso, uma discussão sobre um analgésico se torna a representação de um momento de limite, porque todos são humanos. Enquanto ela chega aos limites do seu corpo e daquilo que considera capaz de suportar, ele chega também aos limites psicológicos das suas limitações como companheiro: não é fácil passar por uma quimioterapia, claro, mas também não é fácil ver alguém que amamos sofrer.

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Nosso Amor é um filme simples e por sua simplicidade torna-se grandioso. Não se trata de um grande drama com aspirações de clássico, mas sim de uma obra preocupada em dialogar com o público de hoje sobre uma urgente realidade dos nossos tempos. Ele acaba não falando somente sobre amor e câncer e tangencia assuntos mais complexos como o funcionamento de sistemas de saúde, convivência, amizade e, óbvio, empatia.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.