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Crítica | Mesmo com boa narrativa, Brinquedo Assassino é previsível demais

Por| 10 de Agosto de 2019 às 14h30

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(Imagem: Divulgação/Orion Pictures)
(Imagem: Divulgação/Orion Pictures)

Me interrompa se você já viu disso antes: um assassino serial, por meio de um processo que envolve magia vodu, transfere a sua alma para um boneco ruivo, de sardas e não muito maior do que um hobbit. O boneco torna-se psicótico ao ponto de ser engraçado e, sendo essa uma história de um filme, a premissa tão tresloucada acaba por dar origem a uma das mais memoráveis franquias de terror do cinema. Sim, em 1988, foi exatamente esse o pano de fundo que deu origem a Brinquedo Assassino (Child’s Play, no original em inglês).

Avance o tempo até 2019 e, mais de três décadas depois (e inúmeras sequências), temos um remake de Brinquedo Assassino, que tenta adicionar contemporaneidades aleatórias que, embora apresentem um potencial narrativo bem grande, acaba morrendo na praia graças a uma execução pobre e enfadonha.

Eu vou soltar a bomba bem aqui, no começo do texto: não é um filme de todo ruim, mas é completamente desnecessário.

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Neste remake, o boneco é um produto da hegemônica empresa Kaslan Technlogies, uma fabricante de diversos dispositivos inteligentes que, de tão grande o portfólio, consegue entrar na casa de qualquer pessoa mais de uma vez, cada uma com um produto diferente: eu não uso a palavra “hegemônica” à toa — a Kaslan tem robôs limpadores de chão (sua versão do Roomba), controles automatizados de termostatos, interruptores de luz acionados por comandos de voz, hub de internet e central de mídia, drones, alto-falantes e até uma versão dela para o Uber. Sim, sério.

O novo produto da Kaslan se chama “Buddi”, que consiste no boneco icônico que, sabemos todos, virá logo menos a se tornar o assassino cinematográfico. E é aqui que a história soa derivativa e sem charme: “Buddi” é meio que o hub físico que interage com todas essas aplicações e produtos. Um sensor em seu dedo pode ajustar temperaturas, ligar ou desligar televisores; seus olhos são câmeras em constante streaming, cujo conteúdo pode ser visto na TV e ele próprio, a comando de seu dono, pode chamar um carro, que aproveita a tendência atual do mercado de tecnologia e, claro, é um veículo de direção autônoma tão funcional que faria a Tesla corar de inveja. Segura essa marimba, Elon Musk!

O filme começa nos contando a história desse boneco, especificamente, explicando o motivo dele se tornar a fúria assassina de plástico, cabelo ruivo e sardas que todos conhecemos. A fim de se evitar spoilers, vamos dizer que tudo pode ser atribuído a um “mal funcionamento intencional” causado por um funcionário de fábrica bem descontente. Coisas acontecem, depois mais coisas acontecem e, eventualmente, Karen (Aubrey Plaza), funcionária da loja que vende os bonecos, consegue “roubar” o brinquedo defeituoso para presentar seu filho Andy (Gabriel Bateman). Outras coisinhas acontecem, “Buddi” começa a se referir a si próprio como “Chucky” e nutre uma paixão nada saudável pelo garoto, vendo ao redor dele ameaças das quais ele tem que se livrar: Karen é vista, ocasionalmente, como uma mulher negligente com “dedo podre” para homens. O vizinho detetive e a mãe dele, os amigos do condomínio, até mesmo o gato da família — todos são inimigos em potencial que podem representar, pelos olhos do boneco, alguma ameaça ao seu dono.

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Se você leu até aqui, então provavelmente já sabe no que isso vai dar.

E se você já sabe no que isso vai dar, parabéns, você ainda está nos primeiros 30 minutos do filme e, assim como eu, se decepcionou pela previsibilidade do enredo. Sim, o maior arco do filme se desenrola exatamente como você está pensando.

Mas calma, continue lendo porque isso piora: essa previsibilidade permeia toda a produção. Falando em termos literais, não teve um momento onde eu fui pego de surpresa. Em todas as situações retratadas no filme, eu consegui antecipar várias cenas antes de elas ocorrerem. E se existe algo que qualquer filme de terror não pode ser, é “previsível”: como raios você vai se assustar com algo que já sabe o que é, já espera acontecer e antecipa exatamente o contexto em que acontece?

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O filme não é de todo ruim: as feições de Chucky, suas expressões faciais, incomodam só de olhar. Tem algo estranho na forma como o seu rosto se contorce e sorri que, mesmo para um brinquedo de plástico, chega a ser enervante, de alguma estranha forma. Isso, aliado à crítica do mundo moderno, onde as pessoas estão infantilmente mais e mais dependentes da tecnologia para realizar as tarefas mais mundanas, trazem um pano de fundo bastante interessante. A premissa é criativa, sim.

Há também as cenas das mortes: o filme, dirigido pelo novato sueco Lars Klevberg, não se envergonha de mostrar toda a sanguinolência em seu primor. Sim, tripas e cachoeiras de sangue são constantes — destaque para uma cena com uma serra de marcenaria, onde Chucky mostra todo o seu potencial tecnológico com maestria. Isso com certeza agradará aos fãs mais afeiçoados à pegada gore do terror.

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Mas a execução em si é onde Brinquedo Assassino comete vários pecados: Chucky, cuja voz é de ninguém menos que Mark Hamill (Star Wars, várias produções animadas e de games do Batman). Eu sou o primeiro a reconhecer a capacidade de suspense trazida pelas dublagens do eterno Luke Skywalker — ele é, para mim, a melhor representação sonora do Coringa —, mas há algo fundamentalmente errado com um filme que consegue fazer com que até mesmo ele não cative o público. É impossível gostar ou se relacionar com Chucky de alguma forma.

A grosso modo, Brinquedo Assassino perdeu seu charme: em uma narrativa tão louca quanto “mágica vodu” na franquia antiga, havia até espaço para assegurar ganchos para novos filmes. Aqui, nem isso tem: Chucky nada mais é do que uma inteligência artificial que ficou com raiva do mundo e, tal qual os melhores dispositivos de machine learning, aprendeu a ser maligna e manifestar isso fisicamente. Mas, como toda inteligência artificial, você pode desligá-la.

Aliás, “desligar” poderia ser um comando de voz para esse filme. Ele diverte? Sim, até certo ponto. Mas você vai esquecer dele rapidinho.