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Crítica | John DeLorean: Visionário ou Vigarista? e um olhar por trás do sonho

Por| 25 de Fevereiro de 2020 às 11h30

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Crítica | John DeLorean: Visionário ou Vigarista? e um olhar por trás do sonho
Crítica | John DeLorean: Visionário ou Vigarista? e um olhar por trás do sonho

Por trás da lataria de aço ioxidável, há um coração pulsante. No abrir das portas verticais que chamaram a atenção desde seu anúncio, mas se tornaram inesquecíveis na primeira vez que Doc Brown saiu delas, está um sonho que levou décadas para ser concretizado. Uma história surpreendentemente pouco contada, que agora começa a ganhar os olhares do mundo e revela os bastidores do mito, de perto nem tão bonito quanto o carro em si.

John DeLorean: Visionário ou Vigarista? assume um tom inusitado para um longa documental. Talvez apostando na ideia de que diferentes filmes sobre o empreendedor morreram na praia ao longo dos últimos 20 anos, os diretores Don Argott e Sheena M. Joyce (Batman & Bill) entregam uma mistura de imagens reais com reproduções estreladas por Alec Baldwin (30 Rock) e Morena Baccarin (Deadpool) para criar um olhar íntimo e pessoal sobre o mito de metal, problemas com a justiça e capacitores de fluxo.

Logo de início, o longa faz questão de deixar claro que aquela é uma história real, mas totalmente digna de um roteiro de Hollywood por envolver não apenas a ambição de um empreendedor, mas também modelos internacionais, uma família destruída, problemas com a lei e até traficantes de drogas. É o gancho que leva o espectador a se interessar pelo restante da história, que, como o nome já indica, fala muito mais sobre John DeLorean do que sobre o carro que eternizou seu nome.

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Estamos no auge da indústria automobilística, em uma época na qual ela já estava plenamente estabelecida como fabricante de produtos de consumo altamente desejados. Com um anseio semelhante ao que vemos nas clássicas histórias de empreendedores do cinema, vemos também um homem que ousava tentar fazer mais dentro de estruturas antigas e tradicionais, aproveitando de seu próprio prestígio para alçar voos mais altos. Indo, diriam alguns, longe demais.

Para contar essa história, John DeLorean: Visionário ou Vigarista? segue um ritmo muito mais cinematográfico do que documental, mesmo tendo boa parte de suas 1h50 de projeção compostas de fotos da época, recortes de jornais, reportagens reais e entrevistas com os envolvidos na saga do empreendedor. É um tom, como dito, diferente e interessante para desenhar uma trama relativamente desconhecida do público, apesar de o nome envolvido ser um que todos já ouviram falar pelo menos uma vez.

Esse tom, entretanto, traz consigo alguns dos problemas da produção, que residem principalmente em uma edição bagunçada. Por mais que tente, e consiga, seguir a história de John DeLorean em ordem cronológica, o destaque dado às reproduções dos momentos singulares da vida do criador levam a cortes que não fazem muito sentido, bem como demonstrações de técnicas de câmera e preparação de atores que soam um tanto descabidas no momento em que são apresentadas.

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É o caso, por exemplo, de uma das cenas iniciais do longa, em que Baldwin aparece relatando como a cena da prisão de John DeLorean foi recriada, com direito a um destaque ao posicionamento de câmera que cria uma tensão que nem mesmo existe na cena real. Ela aparece logo no começo do filme, de forma um tanto repentina, para relatar um assunto que somente vai dar as caras da metade para o final da projeção — e é tratado como uma reviravolta pelo roteiro, apesar do fato de, como dizem por aí, histórias reais não terem spoilers.

É como se a produção não se decidisse exatamente sobre o próprio tom, decidindo jogar um biscoito para que o espectador fique ligado nos acontecimentos enquanto, mais adiante, age como se a prisão do executivo fosse uma grande surpresa a todos. Ela foi, sim, aos familiares e colegas de trabalho de DeLorean, em cenas que causam muito mais impacto do que a situação do próprio, já pincelada antes de forma que, quando efetivamente chega o seu momento, acaba soando apenas como uma repetição.

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Ao lado da edição bagunçada, temos um desinteressado Baldwin cuja admiração pelo trabalho de DeLorean soa claramente roteirizada. Em diversos momentos, o documentário assume uma terceira faceta, de making of, tentando criar relações entre o ator e o executivo, mas as declarações e momentos não colam, principalmente pelo fato de, logo no começo, o intérprete realizar uma ligação para mostrar sua caracterização, que é recebida com surpresa e risos, escapando do tom sério e arrojado que o filme vinha tentando dar à trama ainda nos momentos iniciais.

Por trás das cortinas

Entre os atores que participam das reproduções, é Baccarin quem chama a atenção. Ela interpreta Cristina Ferrare, a esposa de DeLorean durante o ápice de sua vida, com a criação do carro clássico, e também ao longo de todos os seus problemas judiciais. É dela, também, o momento de virada da história, que de uma trama real com direito a possíveis conspirações governamentais e armações, se transforma em uma história quase crua sobre limites e até onde alguém é capaz de ir, só que sempre mantendo a classe e a discrição.

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Aliás, é justamente quando olha para o interior da casa dos DeLorean que o documentário se torna mais interessante. É curioso ver, por exemplo, a situação do filho do empreendedor, Zachary, diante da vida de luxos que o longa exibe mesmo nos momentos mais difíceis da vida da família. Outro momento, em que a outra filha do casal, Kathryn Ann, exibe um de seus trabalhos artísticos, é de cortar o coração.

Os momentos íntimos, aliás, estão entre os melhores da produção. Longe dos holofotes, das reproduções e, principalmente, das atuações desinteressadas do protagonista, são as informações de contexto e bastidores que dão o tom dessa história e acabam incentivando o espectador a seguir em frente. É na descoberta de uma falcatrua pelo antigo parceiro de negócios, Bill Collins (interpretado por Josh Charles, de Sociedade dos Poetas Mortos), ou na revolta dos trabalhadores deixando a fábrica de DeLorean após sua prisão que o tom de glamour passado pela imagem do empreendedor cai por terra em mais uma de suas tantas derrotas.

Acima de tudo, no que deve ser o maior acerto do filme, o documentário faz efetivamente valer a pergunta que lhe dá título, tanto na versão brasileira quanto em inglês, na qual “framing” pode significar tanto uma armação quanto a reprodução fictícia dos atos da vida de John DeLorean. O roteiro joga os espectadores de um lado para o outro, primeiro dando a eles a certeza de que o magnata é um vigarista, para depois lançar dúvidas sobre a atuação das forças da lei em todo o caso.

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Existe certa glamourização aqui, sim, principalmente do espírito empreendedor do empresário, mas ela não entra no caminho das dúvidas e equívocos de um processo que, se você não sabe o final, deve assistir ao filme sem pesquisar. Por outro lado, o longa faz questão de bater o martelo onde há certeza dos atos ilícitos, mostrando que, no final das contas, a resposta para a pergunta do subtítulo não é de todo absoluta.

Os fãs de De Volta Para o Futuro, claro, terão seu momento, mas se chatearão ao perceber que o caráter de clássico dado por Doc Brown e Marty McFly ao veículo chegou tarde demais. Por mais que sirva como um acalento para 1h49 de fracassos, dúvidas, armações e decisões erradas, bem como muito glamour, luxo e êxitos, o documentário termina de maneira negativa, fazendo o espectador questionar suas conclusões, mas também passando longe do que vemos em filmes que retratam histórias assim.

Fora da projeção, por outro lado, a impressão é de que temos uma obra que não se decide e, talvez, poderia ser desmembrada em duas — um filme sobre John DeLorean e um documentário sobre os reflexos de seu ímpeto sobre as pessoas que o cercam. Na mistura, muito acabou se perdendo e, por mais que não seja o tipo de produção que vai fazer o espectador sair pesquisando, fica a ideia de que o roteiro gastou tempo demais com elementos desnecessários e deu pouco espaço ao que era mais interessante e, principalmente, importante nessa trama, efetivamente, hollywoodiana.

Tanto que ela, após décadas, efetivamente virou um filme. DeLorean: Do Motor ao Crime, foi lançado em 2018 e foi o primeiro a efetivamente abordar a investigação sobre o executivo, interpretado por Lee Pace. O protagonista, entretanto, é o informante Jim Hoffman (Jason Sudeikis), responsável por dar a dica ao FBI sobre o envolvimento do magnata do automóvel, detonando sua acusação por tráfico de drogas. Aqui, entretanto, temos um longa bem-humorado e partidário, que passa longe do tom sério e mais realista de John DeLorean: Visionário ou Vigarista?; na dúvida, encare os dois como obras que se complementam e contam lados bem diferentes de uma história cheia de facetas.