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"Elon Musk mudou o rumo da exploração espacial", diz Salvador Nogueira

Por| 29 de Dezembro de 2017 às 17h05

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"Elon Musk mudou o rumo da exploração espacial", diz Salvador Nogueira
"Elon Musk mudou o rumo da exploração espacial", diz Salvador Nogueira

Ele traduz os mistérios da ciência e do espaço para leigo, mas também consegue falar na língua do nerd, do aficcionado por esses assuntos. Como se fosse um Drauzio Varella para tratar de temas como viagens a Marte e satélites, Salvador Nogueira transita muito bem pela erudição e pelo tom pop.

Autor do blog Mensageiro Sideral e do canal no YouTube com o mesmo nome, Nogueira aproxima do leitor assuntos que poderiam passar despercebidos ou ser tratado de maneira a afastá-lo da informação.

Com uma linguagem leve, ele consegue não só despertar interesse, mas também informar o porquê de tal assunto fazer sentido de ser lido.

Aos 38 anos, Nogueira escreveu 11 livros, o último deles um guia sobre Albert Einstein, Para Entender de Uma Vez (editora Abril, R$ 24,40 na Amazon). É autor também de Jornada nas Estrelas — O Guia Definitivo da Saga, Extraterrestres e Conexão Wright–Santos Dumont.

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O Canaltech entrevistou Nogueira para não só entender o que aconteceu em 2017 no campo da ciência e do espaço, mas também para que ele comentasse assuntos como Elon Musk e sua SpaceX (“Ele é genial, e já mudou o rumo da exploração espacial”), a pesquisa no Brasil e o satélite geoestacionário, cujo leilão não despertou interesse de empresas de participar do processo.

O SGDC forneceria espaço para empresas de telefonia e banda larga e foi superdimensionado — a Telebras pretendia leiloar 79% da sua capacidade, que fica ociosa. Custou R$ 2,8 bilhões e está em órbita desde junho.

Para terminar, Nogueira deixou dicas de livros para o leitor do Canaltech.

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Canaltech — Quais foram as descobertas mais importantes da ciência espacial em 2017?

Salvador Nogueira — Tivemos vários eventos e descobertas realmente empolgantes nos campos de astronomia e exploração espacial. Do ponto de vista tecnológico, a SpaceX fez história ao relançar pela primeira (e segunda e terceira) vez um estágio previamente utilizado do foguete Falcon 9. É um passo importante para a redução do custo de acesso ao espaço, que até este momento dependia totalmente de foguetes que só serviam para um único voo antes de serem destruídos. Em termos de ciência, tivemos a descoberta do sistema Trappist-1, que tem sete planetas de porte terrestre, vários deles com potencial para serem habitáveis, ou seja, terem condições adequadas à vida como a conhecemos. Eu também destacaria a revelação feita pela NASA de que a lua Encélado, de Saturno, tem um oceano com todos os ingredientes para manter um ecossistema vivo — um dos últimos feitos viabilizados pela sonda Cassini, que terminou sua missão de forma espetacular mergulhando no planeta dos anéis em 2017. Por fim, e talvez mais importante de tudo, tivemos neste ano a primeira detecção das ondas gravitacionais de uma colisão de estrela de nêutrons, com observação do fenômeno também feita por suas emissões luminosas, o que escancarou de vez as portas para uma nova era na astronomia — lembrando que neste ano de 2017 a detecção das primeiras ondas gravitacionais, feita em 2015, motivou o Prêmio Nobel em Física.

CT — O que você espera que possa acontecer no próximo ano?

SN — Várias coisas que estavam agendadas para 2017 acabaram ficando para o ano que vem e dele não devem passar. Isso inclui o teste das primeiras cápsulas tripuladas da SpaceX e da Boeing, além do foguete de alta capacidade da SpaceX, o Falcon Heavy. Também devemos esperar para 2018 os primeiros resultados do orbitador europeu Trace Gas Orbiter, em Marte. E talvez vejamos um vencedor pelo Google Lunar XPrize, que será dado ao primeiro grupo privado que pousar uma nave na Lua. Também se espera o lançamento de mais um jipe robótico chinês à Lua, na missão Chang'e 4.

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CT — Como a tecnologia ajudou as pesquisas neste 2017? Quais avanços tecnológicos proporcionaram descobertas que até há pouco tempo não seriam possíveis?

SN — É uma pergunta interessante porque todas essas descobertas exigiram grande esforço técnico. O sistema Trappist-1 foi descoberto por um telescópio projetado especificamente para caçar planetas fora do Sistema Solar. A realização do pouso do primeiro estágio do Falcon 9 foi em si mesmo um grande trabalho de pesquisa e desenvolvimento, algo que simplesmente não existia antes de a SpaceX desenvolver o sistema. A Cassini, embora não fosse uma espaçonave nova, só pôde descobrir a presença de hidrogênio molecular nas plumas de Encélado porque os cientistas descobriram novos modos de usar seus velhos instrumentos, e a tecnologia aplicada ao Ligo e ao Virgo, os dois detectores de ondas gravitacionais em operação hoje, simplesmente não existia até que eles fossem construídos e aprimorados ao longo dos últimos anos. Ciência e tecnologia andam sempre uma ao lado da outra, uma impulsionando a outra, e em 2017 não foi diferente.

CT — Como você avalia o SGDC, o satélite geoestacionário brasileiro? Por que o leilão fracassou, mesmo após os três adiamentos para ajustes?

SN — O SGDC é um satélite que tem capacidade muito superior à demanda brasileira, e que além disso exige investimentos em infraestrutura de solo para ser utilizado. A decisão do governo brasileiro de lotear o uso do satélite também gerou alguma insegurança jurídica, tendo sido contestada por grupos políticos. Tudo isso talvez ajude a explicar porque o leilão foi um fracasso. Um satélite de telecomunicações era uma peça importante para o Brasil, mas talvez tivesse sido melhor tê-lo dimensionado de acordo com as necessidades e investido no desenvolvimento de tecnologia nacional, em vez de comprá-lo da europeia Thales Alenia. De todo modo, é um equipamento importante, que está operacional e que o governo agora tem de usar — e promover o uso — da melhor maneira possível. Infelizmente, isso ainda não aconteceu.

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CT — Essa é uma situação comum também no campo espacial?

SN — Infelizmente, não é incomum. O Inpe passou meses sem processar imagens do último satélite CBERS (satélite sino-brasileiro de recursos terrestres), feito em parceria com a China, após seu lançamento. E, adivinhe só, por falta de software. Então, faz parte dos nossos maus hábitos de gestão lançar equipamentos custosos ao espaço sem se preocupar adequadamente em maximizar seu uso posteriormente. Mais um elemento do famoso "custo Brasil".

CT — O investimento em tecnologia do setor espacial no Brasil é suficiente? Como o Brasil se situa nesse segmento em relação ao mundo?

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SN — Não é suficiente e, como já deu para perceber, não é o mais eficaz. Precisaríamos de mais investimentos e um planejamento melhor de onde e como gastar. É inacreditável que não estejamos gerando dinheiro com o centro de lançamento mais bem localizado do mundo, em Alcântara (RN). Nos anos 1980 e 1990, já estivemos em pé de igualdade com programas como o chinês e o indiano. Agora, eles estão anos-luz à nossa frente, gastando mais e melhor. Não por acaso, são economias que crescem bem mais depressa que a nossa. Hoje, estamos atrás de países como a Argentina, que não nos fazia nem cosquinhas duas décadas atrás. Eles lançaram seu próprio satélite geoestacionário, com tecnologia própria, e devem em breve também ter um lançador de satélites próprio — algo que não temos ainda, embora o desenvolvimento tenha começado em 1980.

CT — Há grandes atrasos tecnológicos na pesquisa espacial no Brasil? Onde estão os maiores gargalos e como esse cenário prejudica o país?

SN — Há, principalmente, nas áreas em que tratados internacionais de não proliferação impedem transferência de tecnologia de outros países para o Brasil — isso se aplica mais à área de lançadores, mas atinge toda a indústria aeroespacial. Temos, contudo, competência técnica para desenvolver todas essas tecnologias, se os recursos adequados forem aplicados. E, caso continuem a ser negligenciadas, as consequências são a manutenção do país como dependente tecnologicamente de outras nações e um gargalo ao nosso desenvolvimento econômico. Todo o mundo sabe que investimento em tecnologia espacial volta em incrementos na economia nacional. Ou seja, cada real gasto no programa espacial tem o potencial para aumentar vários reais em circulação na economia. É de uma cegueira ímpar nossos governos não se preocuparem adequadamente com isso, ainda mais em se levando em conta que temos um país de dimensões continentais e profundamente dependente de tecnologias espaciais.


CT — Em que pesquisa ou setor da ciência espacial o Brasil está num ponto bem avançado?

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SN — O Brasil não é uma potência em tecnologia aeroespacial. Não temos a dianteira em nada nisso. Temos quadros escassos, mas competentes. Com recursos adequados, poderíamos fazer o que fazem as grandes potências espaciais. Mas, “no bucks, no Buck Rogers”.

CT — Elon Musk é tratado como um visionário. Sua SpaceX está constantemente gerando notícia. A última seria a possibilidade de ele lançar no espaço um carro da Tesla. Como você avalia o Musk? O papel que ele desempenha é positivo para as ciências aeroespaciais?

SN — Elon Musk é revolucionário. Nada menos que isso. Se ele morrer amanhã, seu nome já está marcado na história da exploração espacial. Foguetes não pousavam de volta antes dele. Carros elétricos não eram viáveis, que dirá cobiçados, antes dele. Hoje, o Tesla é um sonho de consumo de muitos, e o resto da indústria aeroespacial, até então acomodada em jogar fora seus foguetes após um único voo, está se matando para alcançar a SpaceX antes que ela domine todo o mercado com preços imbatíveis. Musk faz lançamento de satélites mais barato que a China, e usando para isso a cara mão de obra americana. Quem critica Musk o faz por despeito ou desconhecimento. Ele é genial, e já mudou o rumo da exploração espacial.

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CT — Você lançou recentemente um livro sobre Einstein. Ele seria um equivalente da ciência para o Dom Quixote da literatura, aquele personagem de quem todo mundo fala, mas poucos o leram?

SN — Acho que tem um pouco disso, sim. Minha proposta com o livro era justamente derrubar a ideia de que as teorias de Einstein são incompreensíveis e que é preciso ser genial como ele para entendê-las. Não é o caso. Meu objetivo era provar que qualquer um, com um pouco de boa vontade e nada mais, pode entender a física moderna, que está entrelaçada com a trajetória de Einstein. Espero ter conseguido.

CT — Como Einstein está presente nas inovações tecnológicas deste século 21?

SN — Einstein está profundamente presente. Seria impossível desenvolver um sistema de GPS — ou seja, você jamais teria o Waze ou o Uber, por exemplo, para não falar em segurança do tráfego aéreo — se não fosse pela relatividade. Curiosamente, quando a teoria foi desenvolvida, a maioria dos físicos achava que seria muito difícil sequer confirmá-la com um experimento, que dirá aplicá-la em alguma coisa. E o mesmo vale para outros grandes feitos de Einstein, como a explicação do efeito fotoelétrico, sem a qual hoje você não teria câmeras de CCD (dispositivo de carga acoplada) e painéis solares. O século 21 deve muito a Einstein.

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CT — Poderia indicar três livros sobre ciência espacial para os leitores do Canaltech?

SN — Bem, para ficar nos últimos que li e que podem ser encontrados facilmente, além do meu (hehehe), eu recomendaria o Cosmos (Companhia das Letras), do Carl Sagan, que acabou de ser relançado; o Endurance (Intrínseca), livro de memórias do astronauta Scott Kelly, que acabou de passar um ano no espaço; e a biografia Leonardo da Vinci (Intrínseca), de Walter Isaacson, que também acabou de ser lançada.